Opostos

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Enquanto Harry, estranhamente, se via entretido com um desenho qualquer na manta que o cobria, pegava seus pensamentos vagueando pelo passado.

Seus pensamentos, inconscientemente, foram direto e sem permissão para o interior da Inglaterra, mais precisamente na casinha dependurada na grama verde e molhada de orvalho, aonde, há quase quatro anos, fora sua moradia. Pegou-se querendo desesperadamente saber algo de sua mãe e irmã, que há tanto não via, não tinha notícias e nem ao menos uma carta.

Queria saber como sua mãe estava e queria ter tido mais tempo para consolá-la desde a morte do pai. Desejava saber se sua pequena irmã já havia superado seu insano medo de formigas e se elas estavam completamente seguras lá.

Uma pequena parte de seu interior gritava a plenos pulmões que elas não estavam bem. Afinal, eram anos sem uma carta mandada não deveria representar alguma coisa boa. Mas...

Harry preferia acreditar que elas tinham se esquecido dele, que não estavam mais se importando com sua vida, a ter que admitir pra si próprio que elas poderiam ter sofrido as consequências da guerra na pele.

Ainda tinha vivo na mente os olhos chorosos da mãe naquele friorento dia de dezembro, quando ele pegara o trem rumo à guerra. Recordava-se com clareza do semblante confuso da irmã – que mantinha os braços frágeis e infantis ao redor do urso de pelúcia surrado –, fazendo-o prometer que ele voltaria logo e que levaria algum presente pra ela.

Ele só queria... Talvez ele só quisesse revê-las, então. Nem que fosse só por alguns minutos... Nem que fosse de longe. Talvez... Ele pudesse fazê-lo agora. Afinal, estava livre da guerra. Não sabia realmente por quanto tempo, mas ele estava, certo?

Ele não iria aparecer de volta àquele campo de batalha, com o rabo entre as pernas, pedindo para voltar. Não era idiota a esse ponto. De qualquer forma, desconfiava que ninguém iria sentir sua falta naquele lugar desgraçado. Todos deveriam ter feito uma festa quando perceberam que ele não mais voltaria. Isso seria aceitável.

Seus pensamentos rumaram para Nicholas. Agora morto. Seu único amigo morto.

Ele não queria pensar no grande amor de Nicholas – de quem ele tanto falava – recebendo uma carta do Exército, onde eles informariam, da maneira mais impessoal e fria possível, que Nicholas não mais voltaria. Que ele falhara.

Harry sentiu algo semelhante a... Remorso. Sim, encontrara a palavra. Ele estava com culpa. Pela morte de Nicholas. Afinal, o homem tinha uma família, alguém para voltar... E Harry, com seu egoísmo, matara-o. Porque, se Harry tivesse jogado a bomba na hora certa, eles teriam dado meia volta e teriam retornado para a Base. Provavelmente agora estariam em mais algum dos jogos de cartas com os outros soldados imundos. Provavelmente teriam acabado com Nagold. E provavelmente teriam matado seu doce alemão.

Harry teve que rir com seu próprio pensamento. Que raios era 'seu doce alemão'?

Céus, aquele homem deixava-o atordoado! Seu carinho, preocupação, doçura... Era como se ele soubesse exatamente do que Harry precisava.

Harry nunca gostara de ser 'paparicado', até porque nunca tivera alguém para fazê-lo, mas aquele alemão conseguia despertar diversos sentimentos neles, dos quais ele não conseguia decifrar nem metade. Talvez por nunca tê-los vivenciado. Fica difícil dar nome a algo que você nunca sentiu. Exatamente.

De qualquer modo, ele tinha que admitir a si mesmo que simplesmente adorava quando o alemão adentrava a porta com algum prato de comida – que sempre era diferenciado a cada dia –, porém não sabia se sua felicidade se devia ao fato de vê-lo, ou ao fato de experimentar mais algum tipo de comida diferente. Desconfiava que fosse pelos dois motivos.

Ensina-me a Viver ❀ Larry VersionOnde histórias criam vida. Descubra agora