Primeiro Salário

13.7K 1.2K 1.2K
                                    

O mais estranho naquela história toda era que eles não comentavam sobre o ocorrido. Naquela noite friorenta de janeiro de 1944, os dois voltaram pra casa como se fossem o mais íntimo e apaixonado casal, com braços dados e risos trocados. E, quando chegaram, simplesmente cada um foi pro seu devido quarto e dormiram até que o sol nascesse novamente.

No dia seguinte, tomaram café sem tocar no assunto e Louis sentiu uma vontade de sacudir aquele soldado insolente até que ele pedisse desculpas pelo o que fez. Ou que, pelo menos, esboçasse alguma outra emoção que não fosse aquela indiferença que chegava a ser tão ultrajante.

Ele se perguntava até quando os dois ficariam naquela consistência de 'esquenta e derrete'... De qualquer modo – com beijos ou não – a vida continuava.

Eram cinco da manhã de uma quarta feira e Harry já estava de pé. No Exército, ele se acostumara a acordar antes que o galo cantasse, então, na sua pequena 'colônia de férias' seria muito difícil mudar os hábitos. Mesmo que a cama na qual dormia há mais de dois meses fosse infinitamente mais confortável do que aquele tábua que os ingleses teimavam em chamar de cama.

Já havia deixado os cobertores que o esquentavam naquele finalzinho de inverno devidamente dobrados na beira da cama, juntamente com o travesseiro. Arrumar a bagunça que ele fazia todas as noites era o mínimo que ele podia fazer, já que seus ferimentos depois daquela queda de avião estavam todos curados. Não doíam e não o impediam fazer absolutamente nada, foram apenas mais acréscimos nas incontáveis marcas que ele já colecionava como consequência da guerra.

Andava pelo corredor pequenino, em direção à sala para ficar deitado até que Louis acordasse e fosse fazer o café. Harry até poderia fazer isso – para ajudá-lo –, mas era um verdadeiro desastre cozinhando, e tinha medo de levar um tapa do alemão, caso desarrumasse aquela cozinha que era tão... simplesmente ele. Organizada e sem absolutamente nada fora do lugar.

O homem suspirou pesadamente ao passar pela porta do pequeno quarto de seu alemão e notá-la entreaberta. Amaldiçoando infinitamente, parou a beira da mesma, de modo que fosse completamente possível visualizar o homem que tanto o deslumbrava e o confundia.

Empurrou levemente a porta e se encostou despreocupadamente no batente dela, fitando-o como se uma guerra não estivesse estourando lá fora. Captou todos os movimentos que Louis fazia em seu sono tranquilo.

Notou o peito dele subindo e descendo no ritmo de uma respiração calma, notou os cabelos espalhados pelo travesseiro, lembrando de quando ele tivera a honra de infiltrar suas mãos pelos mesmos, sentindo-os tão naturalmente macios...

Riu baixinho ao recordar-se do dia anterior. O alemão perguntara o porquê dele tê-lo beijado, quando nem ele próprio sabia da resposta. Tentou convencer-se de que aquilo era somente o que estava querendo fazer desde que captara pela primeira vez a imagem tão tentadora dos lábios dele, e realmente lhe parecera o certo.

Ele ainda não sabia nomear aqueles sentimentos tão distintos e confusos que o perturbavam, mas, por ora, contentava-se em apenas usufruir dos mesmos. Porque eles, decididamente, eram realmente bons.

Um estranho anseio de proteção, de só... ficar perto dele, nem que fosse naquele silêncio tão confortável do qual eles aprenderam a gostar desde o primeiro dia. De desfrutar daquele torpor tão bom, tão leve que o acometia quando estava perto dele...

Talvez... isso tudo acontecesse por ele ver no alemão uma representação exata da nova vida que ele estava vivendo, e por ele querer se agarrar a essa nova vida com força. Por ele querer que essa felicidade não se acabasse.

Suspirou baixo enquanto virava-se para o corredor, rumando novamente para a sala de estar. Ainda mancando, Harry abriu as janelas um pouquinho para deixar o local arejado, tomando o máximo de cuidado para não deixar que ninguém o visse. Não que alguém fosse fazê-lo, já que não havia ninguém na rua, mas era sempre bom prevenir, ele sabia.

Ensina-me a Viver ❀ Larry VersionOnde histórias criam vida. Descubra agora