Capítulo 6 - Cai o pano dos olhos

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-- Acha que fizeram a investida só para matar Arítes?

-- Não acho isso. Só acho que matar Arítes seria um grande abono, pois me enfraqueceria. Se toda essa movimentação está ocorrendo, no sentido de atenuar a cultura de igualdade e alçar o "deus Serbes" sobre a "Senhora das Águas", tirar o poder do exército da mão de uma mulher seria de grande valia. Não seria interessante ter outra mulher que pudesse alcançar esse posto, na linha de sucessão.

-- Mãe, papai também contribuiu para isso. Negar-me o direito a uma educação militar foi, em parte, incentivo para estas ideias. O que mais incomodava alguns conselheiros e, alguns oficiais, era que eu não me rendia.

-- Nossa sorte é que você é resoluta, filha, e eu fui uma cega. Não enxerguei que seu pai estava doente e sendo enfeitiçado. Mas já estou dando o antídoto para ele, conforme a sacerdotisa-curandeira falou. Tenho fé que ele volte para nós.

Minha mãe parou diante da porta de meu quarto que dava para o jardim interno. Ficou calada durante um pequeno momento, depois voltou a falar.

-- Ainda bem que você não se rendeu. Apesar de ter dificuldades na luta corpo-a-corpo, sua técnica é muito boa. No arco é excelente e com a espada, também tem uma ótima técnica. Eu realmente me surpreendi com você, Tália. Que bom que nunca desistiu.

-- Me sentiria mais tranquila se Arítes estivesse aqui no quarto comigo...

Falava alto o que passava pela minha cabeça naquela hora. Não sei porque me dispersei dessa forma com minha mãe. Ela se voltou para mim deixando de olhar através da porta.

-- Sentiria tranquilidade por poder defendê-la de atentados, ou por defendê-la de estar sob os olhos de uma bela mulher?

Minha mãe sorria enquanto falava e eu, mais uma vez, me chocava com as suas insinuações.

-- Mãe! O que a senhora tem hoje? Tem insinuado coisas ultimamente que... O que a senhora está querendo dizer, realmente? Lógico que amo Arítes, mas como uma... uma...

-- Não fale irmã, que esta palavra, trará um gosto amargo à sua boca. Pela "Divina Graça", Tália!

Minha mãe se exaltou. Inspirou fortemente e me deixou confusa. Caminhou de encontro a mim e segurou meus ombros, olhando profundamente.

-- Eu havia me prometido que não interferiria nas questões de vocês duas, mas está me irritando profundamente, o quão cegas vocês estão. Que raio é essa reverência, que colocaram como um muro entre vocês? Tália, não me diga que não sente nada por Arítes. Eu mesma, vejo o amor de vocês crescer como carvalho viçoso na floresta. E isso vem acontecendo gradativamente ao longo dos anos. Olhe para mim e diga que o que falo é mentira.

Eu estava desconsertada e atônita. Pensava que escondia esse sentimento no canto mais profundo de meu coração. O que eu falaria?

-- Mãe...

Deixei meus ombros caírem em derrota. Baixei minha cabeça, para que minha mãe não visse meu desespero, por ela ter vislumbrado o que tinha de mais belo e o que tinha de mais errado dentro de mim.

-- É errado, mãe. Ela não me vê assim e apenas nutre amizade por mim.

Minha mãe largou meus ombros e pôs uma de suas mãos na testa, se virando de costas.

-- Errado? O que tem de errado em amar, Tália? Por acaso proibimos o enlace, de duas pessoas que se amam, sejam elas de qual gênero for? Não, não proibimos. É por isso que estamos lutando! Para que nosso reino permaneça puro. Livre de preconceitos infundados. Para que permaneçamos acreditando na harmonia e igualdade entre todos.

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