Descendo a terra

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-Não vou fazer isso!!

-Vais sim! És a minha única fada disponível neste momento.

-Não quero saber! Tínhamos um trato e vais respeitá-lo! Preciso de férias...Faz duzentos anos que não tenho um único dia de folga.

- Mas as nossas historias de amor precisam de ti! Sem ti e as tuas irmãs não haveria finais felizes e sabes disso. Finais felizes são o que seguram a humanidade. Cada vez que uma pontada de esperança chega aos corações humanos eles lutam e sobrevivem mais uns tempos. A felicidade deles é o que nos faz viver. Mas não preciso dizer-te isto tudo porque já o sabes, és a minha mais antiga fadinha.

-Tens razão não precisas ...conheço todos os argumentos que utilizas, mas acho que deves criar uns novinhos porque esses já não surtem qualquer efeito. Desta vez não me vais conseguir demover. Sabes que adoro o meu trabalho mas realmente preciso de um tempo para mim. Cada vez menos me consigo envolver com as historias que apadrinho, tudo está a perder a magia e como sabes tem que existir um certo envolvimento e  ligação pare que as coisas resultem.

-Eu sei e compreendo - Disse condescendente, parecendo me dar uma tapinha nas costas.

-Não compreendes nada!! Não sabes o que é te virar do avesso para que as historias de amor dos outros resultem, não sabes como me doi cada vez mais ver a felicidade na cara dos outros quando eu não estou a viver uma felicidade só minha...sinto que estou simplesmente a sobreviver.

-Compreendo - Voltou a repetir com o mesmo ar compassivo que usava cada vez que queria me manipular, e isso irritava-me cada vez mais. Tinha a nítida sensação de que estava a falar com uma parede. Mas desta vez não o iria deixar fazer-me mudar de idéias, apelando à minha humanidade e a bondade do meu coração.

-Para com isso!! como podes dizer isso quando todo o teu bem estar depende do trabalho das fadas! Limitas-te a atribuir as missões e a gozar da tua vida junto da tua família. Mas não vou discutir mais essa assunto. Tu conheces os meus argumentos e eu os teus e como não podes me obrigar a nada....ficas notificado que vou estar fora por um ano.

-Um ano!!! Estás louca !!

-De todo ...acho que é mais do que justo. - Pegando num caderninho que trazia sempre no bolso comecei a enumerar. - Se estou bem lembrada, e sei que estou porque escrevi aqui tudo.- Olhei para ele com ar de gozo.- tiraste um mês de férias no ano passado e no ano anterior tiraste duas semanas e no ano antes desse 20 dias. Queres que continue ...posso ir até 150 anos para trás. A forma como vejo as coisas, é que és  tu.- Disse apontando-lhe o dedo - que devias me  agradecer por não tirar o tempo todo que realmente mereço.

-Não podes!! Como é que vou fazer sem ti?

-Tenho uma sugestão...começa a fazer o meu trabalho ...simplesmente. - Respondi desdenhosa, fixando o meu olhar no dele, para que ele visse que eu não estava a brincar, e continuei.- Não foste já uma fada madrinha? Sai do teu pé de estale e volta a realidade, acho que precisas de voltar à fonte para relembrar como pode ser difícil prover para toda uma comunidade, e ainda por cima fazê-lo sem qualquer tipo de descanso durante décadas. Vai te fazer muito bem!!

- Definitivamente estás louca!! Como ousas me dizer uma coisas dessas!! Sou teu superior!! - A cara dele normalmente pálida estava vermelha de tão furioso que se sentia. Parecia  estar prestes a explodir.

- E...!!!- Vi-o ficar ainda mais enfurecido, já que não estava a espera dessa minha rebeldia. Eu sempre fui uma boa fadinha, sempre fiz o meu trabalho sem nunca reclamar, isso se devia muito ao facto que eu o adorava, mas tinha chegado ao limite.Estava cansada, saturada e sem mais forças para fazer este trabalho que tanto adorava. A minha ultima missão tinha-me levado as ultimas forças. Ajudar a Kate e o Willian não tinha sido fácil. Precisei de usar toda a minha estratégia para o levar a compreender que ela a sua cara metade. Cada vez era mais difícil fazer com que os jovens decidissem casar. Onde antes existiam um desejo de formar família e ter filhos e com isso conseguir viver feliz para sempre, hoje só existia a vontade de ser livre e experimentar vários parceiros sem nunca criar laços. Esse desapego em relação  a vida  e a compromissos criava automaticamente o dobro do trabalho para mim e para todas as minhas irmãs.

Voltando das minhas divagações vi o meu querido chefinho a ameaçar-me com repreensões e punições, que só levariam a minha suspensão, julgando que com isso iria me demover, mas tratei de para-lo.

- Podes ameaçar-me de todas as formas imagináveis mas nada me fará voltar a trás e mesmo que tu leves avante as tua ameaças vais me perder na mesma por isso deixo este trabalho de qualquer forma ....por isso decide...ou me deixes ir por um ano ou de uma vez por todas...

A cara dele foi impagável, ficou ali a olhar para mim percebendo que tinha cavado a sua própria sepultura e que não tinha mais volta. Decidiu então atacar de outra forma.

-Dou-te três meses e não se fala mais nisso!

-três anos - respondi decidida.

-seis meses.- Ele começava a ceder

- dois anos.- Senti que a minha vitória estava iminente...e não me enganei.

- OK, desta vez ganhaste. - Conhecendo-o a muito tempo sabia o quanto lhe estava a custar capitular. Ele detestava perder, mas era inteligente o suficiente para saber que neste caso ela não tinha muitas mais soluções. - Quando partes?

- Agora.

- Posso saber para onde vais?

- Não sei porque queres saber mas decidi passar um ano em Paris. - Vi um largo sorriso se desenhar no seu rosto e não gostei nada.

- Algo engraçado ?- perguntei irritada

- Nada... apenas achei irónico ires para a cidade mais romântica do mundo passar férias.

Não lhe quis responder que era precisamente por isso que eu ia para lá, mas nunca lhe confessaria  isso.

- Não te esqueças que é também uma das suas mais belas cidades, e foi por isso que a escolhi.

- Vai antes que me arrependa.- Dizendo isso vi-o baixar os olhos para a papelada que se encontrava na mesa atrás da qual ele se encontrava e pegar numa caneta para começar a escrever...estava me dispensando.

Achei rude mas não iria reclamar muito pelo contrario aproveitei e deixei o recinto sem sequer o olhar uma ultima vez.

1, 2,3... Lá vou eu outra vezOnde histórias criam vida. Descubra agora