1, 2,3... Lá vou eu outra vez

Vida nova

Depois deste pequeno interregno e decidindo que o mais provável seria não voltar a ver esse deus novamente, sai para a rua. O sol da manhã estava radioso e um timido calor matinal começava a fazer-se sentir. Inconscientemente os meus olhos olharam para os dois lados da rua tentando encontrar algo...não iria admitir que o procurava......porque mesmo que o visse não o iria seguir ...mas pensando melhor...talvez o fizesse...sacudi esses pensamentos da cabeça e tentei-me focar no que realmente importava...Paris.

De qualquer forma não vi ninguém e decidida a esquecer todo o episodio entrei na pastelaria que ficava logo na esquina. Era a segunda vez que ia ali, tinha lá estado na noite anterior para comprar o meu jantar, que não tinha sido nada de muito consistente...uma sandwich de atum e uma cola.

O garçon quando me viu entrar, abriu um sorriso enorme para me cumprimentar, devolvi o cumprimento e olhei a minha volta tentando descobrir uma mesa vazia para me sentar e tomar o meu pequeno almoço. Dirigi-me para a unica que estava vazia e mal me sentei, o garçon já estava ao meu lado para tomar conta do pedido.

-Bonjour mademoiselle, j'espere que vous ayez bien dormi? Que puis-je vous servir aujourd'hui ?

Basicamente ele tinha perguntado o que eu queria tomar. Eu tinha um francês muito pobre e normalmente teria recorrido a magia para que esta fizesse com que eu compreendesse tudo o que ele tinha dito, como ontem fiz. Mas hoje a historia era diferente, queria aprender, mesmo sabendo que nunca iria precisar desse conhecimento.

E então aventurei-me a dizer.

-Je veux un croissant et un café au lait.

Ele fez-me um sinal com a cabeça brindando-me com mais um sorriso, que desta vez achei exagerado e quase o desfigurava, e foi-se embora não sem antes olhar novamente para trás. Comecei então a observar tudo o que  se encontrava a minha  volta tentando absorver a magia do lugar. Era uma delicia ver as pessoas e tentar adivinhar o que se passava com elas, não precisava inventar historias porque eu conseguia vizualizar o futuro provável de cada um deles,mas não deixava de ser divertido de obervar "momentos" especialmente os que tinha o dão de mudar para sempre o rumo de uma vida. A jovem senhora que se encontrava  ao balcão, por exemplo, mostrava claramente que estava cheia de pressa, bem vestida e maquilhada, devia ser uma habitual do lugar porque tratava toda a gente pelo nome. Carregada com saco a tiracolo, uma pasta de executivo e uma outra pasta que só podia guardar um laptop...conclusão obvia..... devia ser uma executiva ou uma advogada. Observei-a durante os escassos minutos que ela precisou para tomar um café e devorar uma torrada, antes de sair disparada em direcção a estação de metro que ficava do outro lado da rua. O que a tornava interessante aos meus olhos era  que após alguns segundos o futuro dela se desenrolou a minha frente e vi claramente que ela iria conhecer nesse mesmo dia o amor da sua vida, mais tarde iria tornar-se uma simples dona de casa, vivendo no campo com os três filhos que ela adorava e de um marido que a idolatrava. Fiquei muito feliz por ela porque pareceu-me uma boa pessoa.

Voltando a correr a sala acabei por me focar no senhor que estava ao meu lado. Ele  estava a ler o jornal e tinha-o bem aberto de forma que seu rosto estava completamente escondido . Uma noticia na primeira página chamou-me a atenção. A historia era sobre a Kate e o William. Aparentemente eles estavam zangados outra vez, nunca mais ganhava juizo aquele rapaz.... ele tinha saido para ir a uma partie e tinha deixado a sua esposa grávida sozinha, só tendo voltado de madrugada depois de ter sido visto a flertar com uma menina qualquer do jet set. Tinha tido uma dificuldade enorme em afasta-lo dessas festas e mostrar-lhe que ele devia se focar numa vida mais regrada junto de uma mulher que estava completamente apaixonada por ele, mas via que mais uma vez os velhos habitos custavam a  desaparece.

Como tinha sido eu que os tinha juntado,a historia interessou-me e comecei a lê-la. Estava tão entretida que quando o jornal começou a baixar, baixei a cabeça com ele para tentar continuar a ler, e baixei....e baixei ....

Só dei conta do que fazia, quando ouvi uma voz profunda que me interpelava.

-Je peux vous aidez? ( posso ajuda-la?)

Nessa hora toquei-me e vi que estava a centimetros da virilha do meu vizinho de mesa. Levantei-me envergonhada, como se  tivesse sido apanha a fazer algum de muito improprio....o que na verdade até era... voltei a sentar-me normalmente na minha mesa antes olhar em direção de a  "voz".

Quase que cai sob o impacto, diante de mim encontrava-se ...obviamente...a minha falta de sorte era lendária...a doçura de chocolate com a qual me tinha cruzado hà meros minutos. Senti o meu rosto queimar de embaraço...que vergonha... e fiquei muda olhando fixamente para ele sem saber o que dizer. Estava mortificada. De todas as pessoas do mundo tinha mesmo que ser ele a presenciar esse meu desliza. Comecei a recriminar-me em pensamento por ser uma completa distraida.

Mas depois de um segundo racionalizei a situação, eu era mesmo parva, deixar um homem que eu não conhecia de lado nenhum me afectar desta forma....uma velhota como eu...devia ter mais mão sobre mim e não me deixar ir em devaneios e anseios, ele era apenas um mortal que não teria qualquer impacto na minha vida.

 Completamente alheio aos meus conflitos internos. O meu interlocutor continuava a olhar para mim de uma forma interrogativa, até que cansado de esperar, perguntou.

- E então? estou a espera de ouvir uma explicação. Mesmo não  acreditando que tenha uma que valhe a pena ouvir. - A aspareza da sua voz, o gelo e o desprezo contidos no seu discurso despertaram o meu espirito guerreiro.

Mas quem era este homem!! Eu era uma fada e ele.....um....um....grrrrrr.....um mero mortal....

- Fique sabendo senhor que a sua actuação não tem desculpa!  E que embora lhe vá dar uma explicação o senhor nem sequer a merece. Tal falta de cavalheirismo não é digno de um ser humano e um que se ache tão superior muito menos. Eu obviamente estava a tentar ler uma noticia no seu jornal, e o senhor devia simplesmente me oferecer a página para eu ler, mas em vez disso está armando este escandalo todo como se eu o tivesse agredido ou ofendido com o meu gesto inocente. Roubei-lhe algum pedaço por acaso?

-A senhora estava com a sua cabeça praticamente no meio das minhas pernas!- Respondeu indignado.

Sentido a alfinetada do inapropriado da situação, voltei a atacar para me defender.

-E ....julgo que esta posição não é de todo ofensiva para um homem ... alias tenho certeza de não me enganar, dizendo que vocês fazem tudo para nos colocar precisamente neste sitio.- Encarei-o sem desviar o olhar e de um momento para o outro aconteceu uma coisa extraordinária......