Não demorou muito para eles aparecerem.
Yan conseguiu sentir as dezenas de passos antes mesmo de eles chegarem ao vale. O barulho da multidão vibrava através das paredes da gruta. Os quatro em seu interior nunca ficaram tão quietos em suas vidas. Os dois dobradores de terra estavam retesados, alertas, preparados para atacar caso fosse necessário. Ember decidira ficar sentada, congelada. Parecia o único jeito de não fazer barulho.
Logo, pés cobriram alguns dos buracos de iluminação da entrada. O barulho ficou ensurdecedor. Yan decidiu cobrir os ouvidos, numa tentativa inútil de abafar os sons. Kuzou colocou delicadamente a mão sobre o chão sólido, pronto para criar um pedregulho do solo ao menor sinal de perigo.
Era possível pescar comentários aleatórios de alguns dos perseguidores, como:
"Pra onde eles foram?"
"Que porra aconteceu aqui?"
"...nada; vamos esfolá-los!"
"...queimadura fresca..."
"Arruaceiros malditos..."
"Não atrapalhe!"
"A recompensa é minha..."
"Apareça, Abominação!"
"Briga!"
"... pra floresta! Vamos.."
"Sai da frente!"
O nômade só queria que eles se calassem e fossem embora, mas Kuzou devorava cada nova informação jogada ao vento, como se estivesse faminto. Seus olhos dançavam na direção de cada novo som, fazendo parecer que ele estava louco.
O grosso da multidão não se demorou muito no vale, e logo seguiram seus diversos caminhos, cada um seguindo na direção que achava certa. Alguns poucos, em sua maioria guardas, permaneceram ao longo de uma hora no vale antes de seguirem a cicatriz fumegante através da floresta. Mesmo horas depois de todos terem partido, Kuzou os manteve em silêncio por garantia. Não foi difícil; ninguém parecia querer falar.
Após uma eternidade cheia de infinitos pensamentos horríveis, a noite chegou.
Eles ainda assim esperaram até o ultimo resquício de luz desaparecer, e o primeiro som da fauna noturna, antes de relaxarem. Então, após ter tido a confirmação do forasteiro de que era seguro, o Gigante abriu a passagem. Olhou em volta para garantir, pulou para fora e ajudou os outros a sair.
Yan quase chorou ao sentir a grama entre seus dedos. Deitou e se esfregou contra o solo fértil. Quando satisfeito, rastejou até o rio e enfiou a face dentro da leve correnteza. Fez questão de fazer várias bolhas. Rohan sentou-se com as pernas cruzadas, como se meditasse, enquanto Ember desabava no chão, de olhos fechados, xingando e amaldiçoando céu e terra. O incansável Kuzou foi imediatamente averiguar os arredores, inspecionando cada amassado suspeito na grama. As nove agonizantes horas dentro daquele cubículo pareciam ter traumatizado a todos, menos ele.
— Estamos bem? — perguntou o nômade quando o ex-agente retornou da vistoria, meia hora depois. Ele ainda não tinha saído da borda do rio, mas estava virado para cima, com a cabeça enfiada até as orelhas, deixando as águas massagearem seus cabelos.
O forasteiro, em vez de responder, tirou a camisa e se jogou no rio, espirrando água ao redor. Yan virou o rosto para se proteger das gotas, instintivamente. Os respingos chegaram até Rohan, sentado ali perto.
— Ao que tudo indica, sim — soltou Kuzou, quando sua cabeça emergiu para fora d'água. Tirou o cabelo dos olhos e continuou: — Ah! Estava precisando disso.
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A Lenda da Abominação - Livro Um: Amizade
FanfictionFaz aproximadamente mais de 200 anos desde a Avatar Korra. Nesse tempo, avatares vieram e foram, e o mundo regrediu. O ciclo se refez, e o atual Avatar da tribo da água criou uma paz duradoura e se transformou em celebridade. Uma divindade. E então...