Capítulo 17: Água Negra

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Kuzou acordou em um susto.

Sua cabeça doía. O quarto começou a rodar devido ao seu abrupto levantar, mas depois de alguns segundos parado as coisas começaram a voltar ao normal. Um silêncio sepulcral tomava conta do ambiente, acompanhando o leve balançar do barco.

Esfregou os olhos, tentando organizar os pensamentos. Pelo cansaço que sentia, mal tinha dormido três horas, o que indicava que devia ser entre três e quatro horas da manhã. Confirmou essa suposição em seu relógio com um suspiro exausto. Não era incomum noites assim, pelo contrário, mas o cansaço estava se acumulando demais. O ex-agente já estava percebendo efeitos negativos dos mais variados, tanto psicológicos como físicos. Se continuasse assim, logo ficaria incapacitado. Aliás, uma pessoa normal já teria desabado.

E então lá estava ele novamente, sempre alerta, acordando ao menor distúrbio. Uma cama devia ser melhor que o solo duro e suas infindáveis vibrações sempre importunando-o, mas no fim, tinha se acostumado com a alternativa desconfortável. Não sentir as sempre confiáveis vibrações da terra era o que incomodava agora; assim ficava vulnerável, algo ao qual não se podia dar ao luxo.

Não que motivos lógicos como esse fossem a única coisa que o tirava o sono. Também tinha pesadelos, como qualquer ser humano, afinal. Mas muitas vezes já acordara por pura intuição, simplesmente por sentir algo de errado.

Aquela era uma dessas vezes.

Tudo que o que o envolvia era o silêncio, e isso o incomodava. Algo naquela calmaria parecia dissimulado.

Era fútil resistir àquela sensação, não conseguiria relaxar. Pegou a pequena bolsa que comprara no porto de cima da mesa de cabeceira e levantou-se.

Com a mão na parede do quarto, fechou os olhos e começou a se atentar as vibrações, a procura de algo fora do comum. Não era possível sentir com a dobra de terra na liga de metal não dobrável do navio, mas qualquer som chegaria primeiro pelo material sólido.

Não demorou a achar o que procurava.

Sem produzir qualquer som, saiu do quarto. O escuro corredor o recebeu com o mesmo silêncio. Seguiu para a direita, de onde a vibração tinha vindo.

Parou quando alcançou a cabine de Yan. A porta estava entreaberta, e nenhum som vinha de seu interior. Conferiu de forma discreta e confirmou que o amigo não se encontrava em seus aposentos. Sem sinais de confronto.

Ainda mais desconfiado, Kuzou seguiu em frente.

O som chegou aos seus ouvidos antes que chegasse à cabine de Rohan. Escondendo-se na dobra do corredor, o ex-agente observou, pronto para atacar.

A porta estava escancarada e dois homens desconhecidos pareciam olhar o que se passava dentro do barulhento quarto. Apesar de não reconhecer os homens, conseguiu identificar o que eram pelas vestimentas. Um terceiro apareceu arremessado de dentro do cômodo, assustando e afastando os outros dois. O gigante saiu logo em seguida, tentando se livrar de um quarto infeliz que se agarrava em suas costas de forma desesperada.

Kuzou sorriu. "Vocês o pegaram no pior momento possível".

Com um movimento violento do braço, o colosso derrubou um dos homens que estava mais próximo, enquanto tentava se livrar do parasita agarrado ao seu pescoço. O único que ainda estava de pé sacou uma adaga e se preparava para atacar.

"Acho que não" , pensou.

Dobrou uma das bolas de metal na bolsa em sua cintura e a atirou como uma bala. O infeliz sequer soube o que tinha perfurado seu braço. Antes que a adaga caísse ao chão, a bola incapacitou de vez os dois homens ao chão e perfurou a perna do dono da lamina ao retornar.

A Lenda da Abominação - Livro Um: AmizadeOnde histórias criam vida. Descubra agora