Capítulo dezenove
Caro leitor (se é que alguém encontrou isto e está lendo), eu devo avisar: esta história não está predestinada a um final feliz. Se você, por acaso, entrou em contato com estas páginas, tenha em mente que este foi o único jeito que eu, Pietra Gusmão, encontrei para me livrar de todo o peso de uma sucessão de fatos que ocorreram no início de minha fase adulta. Eu não poderia mais viver sem contar esta história, e é por isso que aqui estou.
Bom... Sim, o porão estava vazio. Não havia sinal de Stefanni naquele cômodo úmido e frio, além de uma cadeira bem no meio dele, com cordas em volta. A polícia continuou procurando nos arredores da casa por horas, e eu acompanhei tudo. Todas as escavações, buscas com cachorros, explorações à casa. Tudo.
No fim, o resultado foi iminente. Eles a acharam. A acharam no meio do jardim dos fundos, haviam árvores em volta e marcas de escavações.Eu estava dentro do carro, quando um policial chamou os outros.
- Laura, Marco, achei alguma coisa! Venham aqui! - eu ouvi.
Eles correram. Dez minutos se passaram e eles ainda não tinham voltado. Quinze e nada. Vinte. Resolvi sair do carro e ir até lá.
- Pietra, não! - meu pai disse, tentando me impedir.
Eu me soltei de seus braços e corri. Cheguei a tempo de ver toda a cena, da qual nunca vou me esquecer.
Sim, ela estava morta. Enterrada de modo perfeito, quase imperceptível. Eles a acharam e a desenterraram. Ela estava em pedaços.
Naquele momento, senti todo o ar se esvaindo de meus pulmões e diafragma. Caí no chão. Eu estava em estado de choque, não conseguia nem começar a chorar, apenas olhar a cena de partes do corpo de minha namorada sendo cautelosamente retirados da terra. Senti um aperto, como se todo o peso do mundo estivesse sobre meu corpo e eu não tivesse nem 0,1% da força precisa para suportá-lo. Eu não conseguia pensar em nada, a não ser em seu rosto. Ele havia ido embora junto com sua vida, sua alegria, sua juventude e suas oportunidades. Eu caí no chão e lá fiquei.
Lembro-me de ser carregada por alguém até o carro, enquanto eu me debatia, gritava e começava a chorar. Não lembro exatamente do que eu gritava, mas sei que aquela amargura nunca poderá ser esquecida por mim. Não conseguia sentir raiva, nem arrependimento, nem nada; apenas tristeza e apatia profundas: sem ela, nada importava.
Não comi, nem dormi, nem falei nada por dias. Quando meu corpo não aguentava mais ficar acordado, eu tinha breves horas de sono que eram interrompidas pelo horror da cena que eu havia presenciado. A carne podre, os cortes, tudo. Isso me aterroriza até hoje, e é algo que eu preciso tentar tirar de mim. A cena me fez vomitar e tremer por semanas.
Ela não estava mais lá. Eu não conseguia acreditar nesse fato. Era impossível, ela esteve comigo há quatorze dias. Quatorze dias se passaram até ela ser encontrada, duas semanas que eu jamais irei esquecer. Toda a esperança morrera, a dor e o sofrimento aumentaram, a raiva foi surgindo com o passar dos dias.
No fim de tudo, o criminoso havia a ameaçado, estuprado e esquartejado. Sua irmã, Hellen, havia ajudado a esconder o corpo e me distrair enquanto o plano entrava em ação. Tudo havia sido minuciosamente planejado por um psicopata sem alma.
Parte do meu coração foi arrancado naquele dia, com uma tacada só. De longe, sua súbita partida foi o acontecimento mais triste de toda a minha vida. Fui enganada; não só ela estava morta, como o meu coração também.
Eu soube, depois daquele momento, que nada nunca iria preencher aquele buraco deixado. Nada nunca iria me consolar ou reestabelecer o ânimo em minha vida. Ela se fora, e nada mais importava. Nem minha própria vida, nem o amor que eu sentia. Tudo era apenas um grande poço de espinhos dilacerantes, que rasgavam minha carne.
O sentimento de que toda a esperança foi em vão me matou aos poucos, até eu não conseguir mais me levantar.
Meu pai, que estava comigo ali desde que tudo aconteceu, chorava silênciosamente tentando esconder aquilo de mim. Como se eu não pudesse ver a sua face, nem as suas dores.
Ele entrará no meu quarto, quieto, enquanto eu chorava de soluçar e sentou na beira da minha cama.
Ele esperou eu terminar de chorar e me acalmar, de mãos dadas comigo.- Eu sinto muito. - Ele disse, sério. Eu não tive forças para responder qualquer coisa mas mesmo assim ele continuo a falar. - Não consigo imaginar a dor que você deve estar sentido agora mas eu realmente espero que um dia passe. Que um dia alguma coisa faça sentido pra você de novo, Pietra. Eu não te criei pra você sofrer assim mas a morte ela é inevitável. É a única certeza que temos na vida mas saiba que mesmo assim um mundo inteiro desmorona quando alguém que a gente ama parte. - Ele começou a chorar novamente. - Então eu sinto muito, mesmo.
- Eu sinto uma bolha dentro do meu coração, parece que vai explodir a qualquer momento. Mas você não precisa chorar por mim.
- Eu choro, minha filha, pelo óbvio que é a tristeza dos fatos. Mas também choro porque te ver triste é como enfiar uma faca no meu peito. Eu sou o seu pai, Pietra, e desde que você nasceu eu prometi a mim mesmo que te amaria mais do que qualquer outra coisa. Que estaria ao seu lado pra tudo, sempre. Então, quando você falou que gostava de garotas eu lembro que você ficou nervosa, você tremia e chorava muito e eu não entendia o porque mas eu via o quanto você estava com medo da rejeição. Minha ou da sua mãe, tanto faz. Mas eu só te amei, meu bem. Você sempre será a mesma pra mim. Sempre.
- Eu queria que todo mundo tivesse um pai como o senhor. Tudo seria tão mais fácil, que ninguém nunca mais passaria por algo parecido como a Stefani. Obrigada por existir, pai. E por ser tão humano e maravilhoso como o senhor é.
- Eu te amarei pra sempre, minha filha. Independente de quem você seja ou escolha ser.
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A forma de dizer Eu Te Amo
Romance(LGBT+) Baseado em fatos reais. A história se passa em terras cariocas, onde a protagonista Pietra, vê a sua vida virando de cabeça para baixo quando ela conhece a bailarina, Stefanni. O amor entre as duas é eminente mas um misterioso desaparecime...