Capítulo Um
Minha vida inteira, eu carreguei uma visão distorcida sobre o amor. Enxergava-o como um sacrifício desmedido, sempre pendendo para sensações mornas ou frias, jamais encontrando um equilíbrio ou algo além disso. Essa percepção me blindou contra tudo e todos, criando uma barreira onde ninguém parecia capaz de me fazer apaixonar. Absolutamente ninguém.
Confesso que a solidão era um peso, e a origem de minha aversão ao amor me escapava. Cada menção a sentimentos fazia com que eu me fechasse ainda mais. Sinceramente, duvidava que alguém pudesse me amar por quem eu sou, aceitando meus defeitos e valorizando minhas qualidades, meus medos, meus traumas. Parecia-me um conceito improvável, quase sem sentido.
"...A jovem de 20 anos, desaparecida desde a última quarta-feira, foi encontrada morta ontem à noite. O caso comoveu o Rio de Janeiro, e a polícia já deteve dois suspeitos para investigação. Mais detalhes serão fornecidos no próximo bloco do jornal da tarde..."
O relato da televisão comprimia meu coração a cada palavra. Eu só conseguia chorar. Tudo parecia perdido; era o fim, de todas as formas possíveis.
Minha mãe, com um olhar preocupado e ao mesmo tempo compadecido, não sabia como me consolar, limitando-se a perguntar o óbvio:
— Filha, você vai ao enterro?
— Não sei se consigo... É demais para mim. Além de triste, me sinto culpada.
— Você não tem culpa de algo assim... Você sabe.
— A vida não é justa, mãe! Nunca foi. — As lágrimas se recusavam a cair, talvez por já não restarem mais. Ao abrir os olhos, fixei o teto branco, questionando-me sobre o porquê de tudo isso me acontecer.
Mas deixe-me contar minha história, começando há exatamente 1 ano e 2 meses.
Aos vinte anos, cursando engenharia e com uma sexualidade questionável, eu tinha um emprego estável e ótimos amigos. Ainda assim, sentia um vazio, como se faltasse algo para ser completamente feliz. Talvez fosse apenas carência ou a ausência de alguém que, estranhamente, ainda nem conheci.
Isso, por ora, é irrelevante. Há preocupações mais imediatas: em duas horas, estarei em uma nova cidade.
Meus pais decidiram se mudar para o Rio de Janeiro, buscando novas oportunidades de emprego e qualidade de vida. A única vantagem dessa mudança foi convencê-los a permitir que meu melhor amigo, Alan, morasse conosco, tornando a transição menos desastrosa.
A perspectiva de viver em uma cidade tão diferente da minha atual me apavora, mas nunca tive escolha; meus pais jamais me deixariam para trás.
Enquanto finalizava a arrumação de minhas roupas, Alan lutava para entrar no quarto com cinco malas gigantescas, levando consigo tudo o que possuía. Diferente de mim, ele parecia ansioso pela mudança, quase como se precisasse daquilo para respirar novamente.
Seus pais nunca foram um exemplo de cuidado, relegando-o a um segundo plano em favor de sua irmã mais nova. Alan, por vezes, sentia-se invisível, algo que eu sabia ser dolorosamente difícil.
Ele se aproximou, ofegante após acomodar as malas:
— Oi, e aí? — Sua voz denotava cansaço. — Acho que consegui trazer meu quarto inteiro.
— Não duvido. — Respondi, meu desânimo era evidente. — Sinceramente, não queria ir para o Rio.
— Mudanças são complicadas, eu sei! Mas prometemos estar sempre juntos, e aqui estou. Vai ser uma aventura para nós! — Alan tentava me animar.
— Espero que sim. — Eu o abracei, agradecida por sua presença. — Sem você, tudo seria insuportável. Obrigada por tudo.
Alan tem sido meu porto seguro desde os dez anos, o primeiro a saber sobre minha sexualidade. Ele fazia o impossível para me manter otimista, apesar de seus próprios problemas. Seu coração, sempre aberto aos outros, havia sido partido recentemente.
Antes da mudança, havia questões pendentes em minha vida, incluindo uma relação amorosa que já não me fazia sentir nada. Minha namorada, Sofia, e eu não compartilhávamos mais o mesmo sentimento. Para mim, o amor deveria ser espontâneo, livre de concessões forçadas, algo que parecia não existir em nossas vidas.
Interrompida por um chamado de minha mãe, desci as escadas para encontrá-la questionando se eu havia informado Sofia sobre a mudança. Ao admitir que não, sua reação foi de desaprovação:
— Como você pode ser tão insensível? Sofia gosta tanto de você, Pietra.
— Mãe, não é como você pensa. Não definimos nossa relação.
— Não te eduquei para ser assim. Não é justo com ela.
— Desde quando a vida é justa?
— Você vai aprender que suas ações têm consequências, Pietra. — Minha mãe repreendeu, enquanto Alan concordava, sempre ao lado dela.
Relutantemente, enviei uma mensagem para Sofia, tentando aplacar a situação, sem convicção de que era o correto a fazer.
— Isso já é um começo. — Minha mãe suspirou, ainda insatisfeita.
— Por que devo satisfações a alguém com quem mal estou envolvida? — questionei, frustrada.
— Isso se chama responsabilidade afetiva. — Ela respondeu firmemente. — Não seja parte do problema.
Meu pai, alheio à discussão, anunciou entusiasmado nossa partida para o Rio, contrastando com meu desânimo. Apesar de minha relutância, a mudança era iminente. Eu amava São Paulo, sua cultura vibrante, a liberdade das relações. A cidade me definia, e deixá-la para trás parecia arrancar parte de quem eu era.
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A forma de dizer Eu Te Amo
Storie d'amore(LGBT+) Baseado em fatos reais. A história se passa em terras cariocas, onde a protagonista Pietra, vê a sua vida virando de cabeça para baixo quando ela conhece a bailarina, Stefanni. O amor entre as duas é eminente mas um misterioso desaparecime...