Primeiro

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Existem três coisas que eu odeio. A primeira delas é café.

Só o cheiro do café já me incomoda e é bem contraditório eu estar nesse exato momento numa das maiores cafeterias da cidade, mas é por uma boa causa. Estou esperando minha melhor amiga chegar e ela é apaixonada por café, então, por ela estou fazendo esse sacrifício que nem é tão ruim assim vai, a tortinha de limão daqui é simplesmente maravilhosa!

Mas prosseguindo com as coisas que eu odeio... a segunda coisa que mais odeio são atrasos.

Odeio quando me atraso e odeio mais ainda esperar pessoas que estão atrasadas. Pensei que depois de três anos Chloe teria mudado e conseguido ser mais pontual, mas certas coisas nunca mudam.

A terceira coisa que mais odeio é ser observada atentamente.

Não consigo agir naturalmente sabendo que estou sendo observada. Fico naquela de fingir que não sei o que está acontecendo, tentando agir naturalmente, mas na verdade fico medindo todos os meus atos, até porque sei que se, por exemplo, quiser dar uma rápida limpada nos dentes ou ajeitar a calcinha que está incomodando vou ter que me segurar.

E agora nesse exato momento as três coisas que mais odeio estão acontecendo.

O carinha da mesa da frente, o que está tocando violão e me observando a cada minuto acabou de pedir um café expresso e seu cheiro está vindo exatamente na minha direção. Estou quase me levantando e indo embora, mas duas coisas me prendem aqui. A primeira é a Chloe, óbvio. A segunda é a música que ele está tocando. Ele definitivamente é mais novo que eu mas algo no seu olhar me dá uma sensação gostosa, como se nós já nos conhecêssemos de algum lugar. Sinto algo estranho crescer dentro de mim quando ele ainda tocando violão me olha e sorri de lado. Um cara que nem conheço está fazendo meu coração acelerar só ao sorrir pra mim. Isso é loucura. Tento desviar o olhar e voltar a fazer minha cara de paisagem mas parece que dessa vez o estranho conseguiu minha atenção. Não consigo mais desviar. Então decido o observar atentamente também.

Ele está com o cabelo bagunçado como se tivesse acado de acordar e admito que está uma gracinha assim. Ele também tem pequenas sardas adoráveis embaixo dos olhos e no nariz mas o que está me deixando mais maluca é seu sorriso completamente hipnotizante. Acho que poderia ficar por horas o observando e acabo percebendo que seria bem legal fazer isso, mas é exatamente nesse momento que Chloe chega. Acho que nunca fiquei tão feliz ao vê-la, faz exatos três anos que não nos vemos e é tão bom saber que ela está de volta a cidade. Logo no final do ensino médio sua família decidiu que iriam para Milão, ela não queria ir a princípio mas não tinha muito o que fazer.

Foi difícil a ver partir e não poder fazer nada além de oferecer minha própria casa mas na época sabia que não daria certo e também tinha o irmão dela que por mais que negasse, ela nunca se separaria dele. Lembro que na época eu mal sabia cuidar de mim mesma, na verdade lembro de que por esse motivo passava a maior parte do tempo na casa de Chloe tentando fugir da bagunça que estava minha vida. Não que hoje muita coisa tenha mudado mas digamos que eu caí na real de que meus pais não iam mais voltar e eu teria que segurar a onda.

Admito que durante esses anos senti muita falta da minha melhor amiga. Queria alguém para segurar a barra pesada da faculdade, alguém para fofocar no final do dia, poder contar o quanto estava sendo difícil entrar na vida adulta e o quanto eu achava que nunca serviria para ser responsável. Nós poderíamos muito bem ter mantido contato mas os pais dela estavam tão putos que quando saíram da cidade  proibiram ela de ter celular por um ano. E nos outros dois anos quando finalmente recuperou o celular não tínhamos tempo, nem energia para ficar conversando de madrugada, falávamos apenas o básico mas que era essencial para saber que ainda tínhamos a esperança de manter a amizade. Agora nem conseguia acreditar que estávamos nos abraçando, sabia que ela estava chorando, podia sentir suas lágrimas no meu ombro e eu só desejava que aquele momento durasse pra sempre mas ele não durou tanto quanto eu queria.

De Repente AméliaOnde histórias criam vida. Descubra agora