De Repente Amélia

Décimo sexto

Não escutava direito o que Nícolas e Chloe falavam, ou melhor, discutiam no meio da sala que finalmente havia terminado de ser decorada. O apartamento estava muito lindo e batia uma alegria enorme em saber que tive grande contribuição para deixá-lo daquele jeito. Respirava fundo enquanto tentava não encarar muito Nícolas. Não sabia o que estava fazendo ali pra falar a verdade, o objetivo era dar suporte a Chloe e incentivar o irmão mais novo a aceitar o casamento, mas eu não conseguia. Olhar pra ele doía, falar com ele seria mil vezes pior. Gostaria muito de dizer que o fato dele mal olhar na minha cara não me atingiu, que eu não sentia falta da sua voz e nem do seu cheiro. E puta merda, sentir seu cheiro e não poder se quer lhe abraçar era terrível.

O impacto de tudo aquilo só fez minha cabeça girar e girar, a tonteira que eu já havia acostumado a sentir nunca se fez tão presente. Então fui covarde, mais do que de costume e fui embora. Sei que não ajudei em nada mas receber o "obrigado, eu te amo." de Chloe me fez sentir melhor. Agora a tonteira ainda me acompanha e já são sete da manhã.

É sempre a mesma coisa, eu olho pra ela, ela olha pra mim. A batalha interna entre mim e a geladeira é a mais difícil de se vencer. O que eu mais amo é comer mas depois que como me sinto um lixo. Se conseguisse chorar, com certeza, estaria me derramando em lágrimas nesse momento. É um saco e eu realmente estava cansada. No dia em que desmaiei na rua, quando conheci Will e apavorei Chloe eu não havia esquecido de comer. E aquele desmaio foi um de vários que tive durante meses. Sei que isso não é normal mas não tenho vontade de pedir ajuda, não tenho vontade de falar isso com ninguém. E de qualquer forma sei o que tenho que fazer. Tenho que parar.

Parar de fugir do espelho, parar de sentir culpa por comer o que quero, parar de não vestir as roupas que quero por vergonha de mim mesma. Parar de negar ser quem eu sou. E penso nisso repetidas vezes enquanto finalmente como antes de ir pra faculdade. Antes de sair me olho no espelho, depois de muito tempo eu de fato me encaro, observo cada detalhe em mim e sorrio. Por que eu não gosto de mim mesma? Porque agora percebo que não sou tão horrível assim, não mereço sentir tanta pena e desprezo por mim mesma, ninguém merece isso. É como acordar de um sonho profundo e muito longo. Finalmente você percebe que a única pessoa que mais pode te destruir é você mesma. E ter consciência disso é poderoso. Demorou mas eu percebi que sou a causa de todos os meus problemas e a solução para cada um deles só depende de mim.

Não tenho pressa pra chegar na faculdade então pedalo devagar observando a cidade, momentos como esse em que não tenho pressa são raros. Enquanto sinto o vento atingir meu rosto com força penso em Will, ele vai embora ainda essa semana e eu realmente não estou preparada para uma despedida. Solto o ar com força sem saber como vou ficar quando ele for embora. É estranho o quão próxima fiquei dele em poucos dias, é incrível como a intimidade é bem mais algo ligado a sintonia do que ao tempo. Penso também em Nícolas e no quanto quero logo resolver a situação estranha que estamos. Por fim em David e meu corpo já se agita em expectativa por saber que estou prestes a lhe encontrar, e um sorriso surge no meu rosto sem explicação assim que lembro de nós dois ontem na sua casa.

Odeio o fato das pessoas me encaram e hoje isso está me incomodando mais do que o normal. É como se esperassem alguma atitude minha, mas sobre o que? O pior é que são pessoas demais me encarando. Mas que merda é essa que está acontecendo?

Meu olhar desvia de todos e vai até o responsável por toda a atenção voltada pra mim. Agora eu entendo. Minha gargante fecha enquanto eu assisto David com uma ruiva em seus braços. Eles não se beijam mas estão quase, sei que é só questão de segundos para isso acontecer mas não consigo continuar vendo. Desvio o olhar indo pra minha sala sentindo vontade de socar algo ou alguém. A raiva dentro de mim é tão grande que não sei se consigo me controlar por isso tento ao máximo me concentrar na contagem infinita que faço na minha mente.