02. Dollhouse

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Só pra falar que eu gostei bastante desse capítulo. Boa leitura pra vocês <3

Música do capítulo: Melanie Martinez - Dollhouse


P.O.V Camila

Eu me lembro de ver minha mãe chorando quando eu cheguei em casa naquela tarde. Ela passou a semana toda estranha comigo, um pouco calada. Mas jamais teria imaginado que seria por minha causa, que ela havia descoberto o segredo que eu me esforçara tanto pra esconder nos últimos anos.

- Mama? - perguntei seguindo seus soluços até o seu quarto. Como a porta estava apenas encostada, entrei no cômodo sem bater, avistando minha mãe abraçada ao meu pai e chorando. Me preocupei e me aproximei deles, com medo de algo tivesse acontecido com a minha avó.

Minha mãe se soltou de meu pai, me encarando com uma expressão desapontada e magoada. Papa apenas me encarou, de braços cruzados, pedindo-me para sentar, pois precisávamos conversar. Na hora eu gelei. Imaginei que fosse improvável, mas talvez meus pais tivessem descoberto o segredo que havia escondendo durante os últimos dois anos.

- Camila, você tem alguma coisa pra me contar? - a mais velha me perguntava, com os olhos vermelhos de tanto chorar. Eu estava certa, ela havia descoberto.

Me descobri lésbica quando tinha apenas 14 anos, quando beijei uma amiga em um estúpido jogo de verdade e desafio. Quando meus lábios se juntaram com o daquela garota, senti tudo o que eu nunca havia sentido das poucas vezes em que eu havia beijado garotos. Nunca me assumi, nem na escola, nem para as minhas amigas e muito menos para os meus pais, sabia exatamente como todos eles reagiriam se soubessem.

Eu morava em uma cidade muito pequena e conservadora, onde as pessoas seguiam a risca tudo aquilo que a sociedade impunha como o certo a se fazer. Viviam suas vidas de boneca morando em suas casas de bonecas. Menos de duas mil pessoas naquela cidadezinha, e nenhuma delas se assumia realmente como era, eram todos héteros e estritamente preconceituosos com qualquer outra coisa fora do "normal" na vida fútil deles.

- Você sabe, não é? - perguntei, minha mãe apenas assentiu com a cabeça, emotiva de mais para falar. Na hora meus olhos se enxeram de lágrimas, estava temendo o que poderia vir a seguir.

- O que eu fiz de errado Camila? Me explica! Não te dei educação o suficiente? - meu pai me olhava com raiva no olhar, mas, no fundo, eu via o que ele realmente sentia refletido em seu olhar. Ele estava desapontado, decepcionado comigo. - Acho que te mimamos de mais. Talvez se eu tivesse te criado do mesmo jeito que eu e a sua mãe fomos criados, você seria direita na sua vida, e não essa aberração.

Eu não me defendi, apenas abaixei a cabeça e ouvi ele falar, com aquele discurso preconceituoso, dizendo que o que eu estava fazendo era pecado, que eu queimaria no inferno por isso. Cada palavra doía como uma facada, eu sempre fora seu bebêzinho, ele sempre fizera de tudo para me ver sorrir, e agora que me atacava com todas essas palavras, eu nem sabia o que pensar, como reagir. Mas o pior, foi quando eu percebi: meus pais não estavam desapontados pela minha orientação sexual, pelo seu próprio preconceito. Eles estavam desapontados com o que a sociedade iria pensar deles. Éramos uma família rica e influente na cidade, uma filha lésbica iria simplesmente destruir a reputação deles. Apesar de todos os problemas que tínhamos em casa, eles nunca queriam deixar transparecer, e se eu me assumisse para todos, seria algo fora do controle dos meus pais. Estragaria nossa "família perfeita".

- Papa, eu não posso mudar quem eu sou. Eu não tenho culpa, nasci assim, não há nada que vai me mudar. Queria que fosse diferente, queria que fosse mais fácil, mas não é. - me defendi finalmente, deixando que todas as lágrimas se esvaíssem do meu corpo.

- E é por isso que eu e a sua mãe conversamos, nós chegamos a um acordo. Não podemos te aceitar mais aqui, filha. - essa última palavra nunca me pareceu tão mentirosa antes. - Você é uma péssima influência pra Sofia, ela é apenas uma criança, não quero que você leve ela para o mesmo caminho que você seguiu. Por favor, só arrume a suas coisas e vai embora daqui. Pro nosso bem. - meu pai disse tudo isso mais calmo, e o que mais doeu, foi a sinceridade e a convicção vindas de suas palavras.

Não pude deixar de prestar atenção no "nosso" que ele disse. Tinha certeza que não estava incluída naquele "nós", sabia que eu não fazia mais parte daquela família. Apenas desisti de argumentar, abaixei minha cabeça e fui para o meu quarto. Arrumei minhas malas às pressas, chorando como nunca havia feito antes, desejando que tudo fosse mais fácil.

Logo, meu pai apareceu e me entregou um envelope com dinheiro, dizendo que tinha o suficiente para passar o mês mas que depois teria que me virar sozinha. Ele me deixou levar meu carro e tudo mais, só pediu para que eu não aparecesse nunca mais. Assim que fechei minha última mala, minha irmãzinha apareceu chorosa na porta do meu quarto me olhando atentamente.

- Kaki, mama disse que você vai embora. É verdade? - a pequena peguntou querendo muito que eu negasse sua afirmação. Eu abri os braços e minha baixinha pulou no meu colo. Ela tinha apenas cinco anos...

- É verdade Sofi... papa e mama acham que o que a mana faz está errado. Olha pra mim pequena – puxei seu rostinho o fazendo-a me encarar com seus olhinhos castanhos. - Promete pra mim que nunca vai deixar que eles te mudem. Que nunca vai fingir ser alguém que não é só por medo de como as pessoas vão reagir. Seja você mesma, Sofia. Sempre.

A menor apenas concordou com a cabeça, me abraçando. Mal eu sabia que impacto essas simples palavras teriam na vida da minha irmã.

Saí de casa sem rumo. Nem me despedi de meus pais, só joguei as malas no carro e dei a partida, dirigindo sem ter para onde ir, me sentindo sozinha e abandonada. Estava quase parando em um hotel na estrada para passar a noite quando me lembrei de uma pessoa. Uma família, na verdade.

Há mais ou menos dois anos, fui babá de uma garotinha que morava na minha rua. Ela tinha duas mães, e por essa razão se mudaram da cidade: puro preconceito, além da sexualidade, da raça de uma delas, que era negra. Nunca me esqueci delas e de como minha mãe ficou brava quando descobriu que a menininha que eu tomei conta era filha de um casal homossexual. Felizmente, ainda tinha o contato delas salvo no meu celular, e às vezes conversava com Dinah, uma das mulheres, já que havia contado para elas sobre o que se passava na minha cabeça.

Liguei para ela, e torci para que me atendesse. Logo a polinésia me atendeu, com uma voz de sono. Não havia reparado, mas já passava da meia-noite.

- Caralho, espero que seja realmente muito importante – atendeu a mais velha, pelo visto, muito paciente.

- Dinah? - perguntei, para confirmar.

- Até onde eu saiba sim, mas como o sono tá foda, não tenho muita certeza – pude ouvir bocejar.

- É a Camila, lembra de mim?

- Camila?! - peguntou entusiasmada, parecia ter se lembrado. - Como poderia me esquecer! Daquela cidazinha que mais parece o cu do capeta... Enfim, aconteceu alguma coisa?

- Na verdade sim... Meus pais descobriram que eu sou lésbica. Me expulsaram de casa e agora não tenho pra onde ir. Estava pensando... Eu não tenho ninguém Dinah, você se incomodaria se, tipo...

- Não precisa nem terminar. Eu também fui expulsa de casa quando me assumi com a Mani, então sei exatamente como está se sentindo. Vou te mandar o endereço agora mesmo, é bem-vinda para passar o tempo que for preciso aqui. Cuidado na viagem.

Eu ia agradecer, mas não deu tempo, já que a loira desligou na minha cara. Assim que Dinah me passou seu novo endereço e tudo mais, descobri que não era muito longe da estrada em que eu estava, então não demorou mais de duas horas para que eu chegassem na casa que dividia com a mulher.

Bem, talvez eu não estivesse tão sozinha quanto pensava.

Eclipse - CamrenWhere stories live. Discover now