Dias atuais
Ver o sangue escorrer pelo ralo me fez querer vomitar, não tive coragem nem de tirar a roupa, apenas entrei no banheiro e abri o chuveiro, ficando embaixo dele do jeito que tinha chegado da delegacia. Esperei que além de levar o sangue, pudesse levar a dor embora. Mas ela continuava lá, apesar das manchas do vestido terem se tornado menos intensas. Quis segurar o choro, mas as lembranças foram más comigo, todas elas me cercaram.
Foram quase trinta minutos assim, sentada no azulejo do box do banheiro de Tonny. Sem forças para tirar a própria roupa. Se Alice pudesse me ver, diria que estava sendo dramática mais que o necessário. Mas meus últimos pilares desmoronaram.
- Tá tudo bem aí? Precisa de ajuda? - Perguntou Tonny, dando leves batidas na porta.
- Estou quase saindo. - Respondi, sem ter a certeza que tinha escutado.
Reuni todas as forças e puxei o vestido para baixo, me livrando finalmente dele. Enquanto a água caia sobre mim, enxaguei todo o corpo, me certificando estar completamente limpa. O único shampoo na prateleira era um masculino, óbvio, mas não me preocupei com o cheiro que meu cabelo teria depois de usá-lo.
O apartamento era pequeno, mas bem aconchegante. Mudou-se pra cá, sozinho, no início da faculdade. Vim poucas vezes aqui.
Parada em frente ao espelho fixado no guarda-roupa do quarto de Tonny, vi o reflexo de uma menina cansada, a cor esverdeada dos olhos que papai tanto dizia parecer o mar, estavam sem brilho. As olheiras de noites mal dormidas nem se comparavam com aquelas de um dia inteiro em lágrimas.
Das roupas que ele trouxe da minha casa, decidi colocar a legging preta e uma blusa de listras. Com os cabelos ensopados, que molhavam as costas do tecido, senti o frio parecer mais intenso. Vi o blusão de Tonny pendurado no cabide e o peguei, perto dele estava o pôster pregado na parede com imagem da via láctea e ri ao lembrar o quanto ele gostava do universo.
- Com fome? - Perguntou, quando me juntei a ele na cozinha.
- Um pouco.
- Um pouco? A última vez que comeu, foi pela manhã. - E ele tinha razão.
- Tá, mais que um pouco. - Sorri para ele.
- Fiz minha especialidade. -Tirou a travessa de vidro do forno, de forma bem desajeitada - Macarrão com queijo.
- Até que a aparência está razoável. - Provoquei-o.
- Razoável? - Disse, tirando o papel-alumínio de cima e deixando o aroma invadindo o compartimento.
Prosseguimos o jantar em silêncio, senti um pouco das minhas forças se reerguendo, acho que a comida tem esse poder. Depois de esvaziarmos completamente a travessa que tinha macarrão, sentamos no sofá e ele ligou o televisor. Estava passando um filme de ação e ele parecia realmente entretido. Tentei não pensar em como o dia tinha começado. Senti meus olhos pesarem e um bocejo veio antes que pudesse perceber.
- Está com sono? - Pergunto Tonny, olhando para mim.
- Sim.
- Quer que eu prepare a cama? - Começou a se levantar.
- Não, eu fico com o sofá mesmo. - Estiquei as pernas.
- Claro que não, nunca faria isso com você. Eu durmo no sofá.
- Tem certeza?
Não quis que se preocupasse em ajeitar a cama para que eu pudesse dormir, então eu mesma troquei os lençóis e coloquei minha bolsa ao lado da cama. Assim que me deitei, ele bateu a porta.
- Posso entrar? - Perguntou, ainda do lado de fora.
- Sim. - Tonny entrou e sentou ao lado da cama.
- Queria te desejar uma boa noite. Sei que hoje foi muito difícil, mas eu estarei sempre ao seu lado, independente do que aconteça. - Disse, beijando minha testa.
- Obrigada, por tudo. - Agradeci de todo coração.
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O que me resta?
Mystery / ThrillerApesar dos avisos, resolvi ir atrás. Estou tão perdida quanto da última vez. Ainda não sei o quê, como ou por quê aconteceu... Quem poderia fazer uma coisa dessas? Simplesmente não posso ficar parada. Afinal, o que me resta?