No dia seguinte, a ideia de encontrá-la era tão sólida quanto antes. E até mesmo a possibilidade de sermos pegos por estarmos sendo vigiados parecia mínima em comparação a chance de finalmente montar o quebra-cabeça que se transformou minha vida.
Enquanto Tonny trabalhava para encontrar Rosa Castilho em seu notebook, me permiti demorar um pouco mais para me arrumar. Sentindo que esse dia seria melhor que os outros, que talvez finalmente algo faria sentido. Coloquei um básico vestido azul-marinho, revelando em minha pele que mesmo morando em uma cidade litoral, nem sou capaz de lembrar a última vez que fui à praia.
Me juntei a ele na sala, já sabendo que tinha conseguido o endereço pela expressão de indecisão em seu rosto.
- E se realmente tiver sido ela? Isso vai ser perigoso, não quero que se machuque. - Tentou, pela última vez, me convencer a não ir.
- Sei que já fez demais por mim, vou entender se não quiser ir comigo. Mas não vou perder a oportunidade de descobrir o que aconteceu. - Eu precisava dele para ir, mas jamais exigiria que fizesse isso. E ele foi, mesmo que não concordasse.
Foram cerca de 30 minutos para chegar até Rosa. Uma casa simples em uma rua isolada e quase sem movimento. Pequena demais para que houvesse mais alguém morando com ela.
- Laura, o que faz aqui?- Rosa abriu a porta assim que dei a primeira batida. Estava de saída, mas assim que nos viu, recuou novamente. Sua aparência não era muito diferente da última vez que lhe vi, apenas mais cansada. Devia estar com pouco mais de trinta anos. Os cabelos curtos e ruivos ainda eram tão belos como antes.
- Precisamos conversar. - Tentei parecer segura.
- Entrem, por favor. - Abriu um pouco mais a porta, com uma expressão não muito satisfeita em nos ver. Tonny segurou minha mão e entramos juntos. - Então, como me acharam?
- Isso não importa muito. - Tentei desviar o foco da pergunta. - Quando chegou e por que não nos avisou que estava na cidade? - Lancei um sorriso receptivo, mesmo sabendo o quão forçado aquilo parecia.
- Me mudei há pouco tempo, em torno de dois meses. As coisas ficaram difíceis por onde morávamos, achei que teria melhores oportunidades por aqui.
- Entendo. - Respondi, já não sabendo como chegar aonde queria.
- Oh, me desculpe. Como fui tola! Sinto muito pelo que aconteceu com seus pais. - Me deu um abraço rápido.
- Eu também. - Lamentei.
- Mas o que você queria conversar comigo? - Olhei para Tonny, implorando por ajuda.
- Eu sei que você trocou mensagens com meu pai. - Dei uma pausa, pensando no que falaria logo depois. O rosto de Rosa demonstrava surpresa, assim como o de Tonny - Por quê?
- Nos esbarramos pelo centro da cidade. Foi um alívio ver um rosto conhecido e logo decidimos manter contato.
- Rosa, por favor, não minta para mim. Você já se envolveu com ele? - A abordagem direta parecia a mais lógica a se seguir.
- Pensei que nunca teríamos essa conversa. - Soltou um riso nervoso. Me fazendo temer sua resposta - Tive que começar a trabalhar cedo para ajudar em casa, era uma jovem de 17 anos sem experiência alguma. Quando me falaram que sua família precisava de uma babá, a ideia de cuidar de duas meninas me parecia muito agradável. Muitas já tinham rejeitado o cargo, Alice era esquizofrênica e chegava a ser agressiva. Precisei aprender muita coisa para cuidar dela.
- Então? - Incentivei, para que prosseguisse.
- Sua família passou por muitos problemas, sua mãe não sabia muito bem lidar com isso. Sofreu de depressão pós-parto e isso a distanciou de todos. Seu pai, às vezes, contava-me as dificuldade em lidar com sua mãe e estar presente na criação de vocês, já que ele trabalhava bastante. Sei que parece clichê, mas não pude evitar me apaixonar por ele aos poucos, parecia tão frágil e cansado.
- Espero que essa não seja a sua justificativa. - Não pude evitar o comentário.
- Você não entende. Ele me dava atenção, a atenção que nunca recebi de ninguém. Era gentil e parecia se preocupar comigo. Eu pensei que não passaria disso, era errado e talvez fosse só coisa da minha cabeça. Mas aos poucos a gente se envolveu e eu não me importava em ser seu escape.
Ouvir aquilo era tão desconfortável e constrangedor, nunca pensei que meu pai fosse capaz de fazer isso com nossa família.
- Como você pôde? - Falei, brava e decepcionada.
- Eu era jovem e não pensei nas consequências daquilo. E você não tem noção do quanto sofri quando vocês se foram e eu fiquei. Ele havia me deixado. - Sua voz assumia um tom triste.
- Você se envolveu com um homem casado e achava normal enganar minha mãe enquanto trabalhava para ela? Que tipo de doente é você? Não me surpreende tê-los matado daquela forma. - Me aproximei ainda mais dela, mesmo sentindo as mãos de Tonny me segurando.
- Eu sou a doente? - Debochou, me deixando mais irritada. - Pensa que eu não via as coisas erradas que vocês faziam? Eu que me livrei do gato que vocês mataram, sua irmã era má.
- Não ouse falar assim de Alice. - Gritei.
- E você ainda vem a minha casa insinuar que matei seus pais? Eu o amava, só eu fui capaz de amá-lo. Mesmo ele me deixando, eu ainda via um futuro em que estivéssemos juntos. Longe de todas vocês. E Alice? Uma parte de mim ficou feliz quando soube que ela morreu.
Só percebi o que estava fazendo quando senti minha mão latejar pelo impacto causado ao bater em seu rosto.
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O que me resta?
Mystery / ThrillerApesar dos avisos, resolvi ir atrás. Estou tão perdida quanto da última vez. Ainda não sei o quê, como ou por quê aconteceu... Quem poderia fazer uma coisa dessas? Simplesmente não posso ficar parada. Afinal, o que me resta?