Meu sono foi leve, o barulho do trânsito noturno me manteve semialerta. Às vezes fechava os olhos e quando enfim pensava que conseguiria dormir, algo me puxava de volta. Se cheguei a sonhar, mal me lembro. As únicas imagens ainda presentes da noite passada foram, na verdade, uma lembrança de um dia de sol. Fazia tempo que Alice não tinha crises e acharam que seria bom levá-la a seu lugar preferido, a praia. Brincamos na areia, construindo castelos e juntando pequenas conchas. Meus pais também pareciam felizes, já que os programas em família eram raros. Papai tentava aproveitar ao máximo e com o jeito carismático que tinha era capaz até de fazer mamãe relaxar.
Quando levantei, arrumei o quarto para que tudo ficasse em seu devido lugar e minha presença fosse imperceptível, a não ser pela bolsa ao lado da cama com minhas coisas. Tonny permanecia no sofá, podia escutar a respiração forte e pesada dele. Não quis acordá-lo, então fiz um pouco de café, evitando fazer barulho. Com a caneca de café nas mãos, sentei na minúscula varanda que dava vista à rua e fiquei observando o movimento.
Só após algum tempo ele se levantou, deu um sorriso desajeitado e sumiu pelo apartamento. Voltou, com os cabelos molhados e um cheiro de colônia agradável. Trazendo um pouco de café consigo, juntou-se a mim e sentou na cadeira ao lado.
- Bom dia! - Dissemos no mesmo instante e rimos disso.
- É estranho não acordar em casa. - Falei primeiro.
- É estranho acordar com alguém em casa. - Retrucou. - Conseguiu dormir?
- Tentei, mas fez isso por nós dois, não é mesmo? - Sorri ao lembrar de sua imagem no sofá da sala, como se nada de ruim pudesse acontecer. Uma pena que os verdadeiros pesadelos aconteçam enquanto estamos acordados.
Apesar do lugar não estar tão sujo ou bagunçado, enquanto Tonny fazia algumas ligações, fui organizando tudo o que encontrava no caminho, como uma distração. Com o som de sua voz ao longe, podia fingir que não se tratava de mim ou do que tinha acontecido a menos de 24h atrás.
Coisas ruins acontecem o tempo todo, apesar de não pensamos que algum dia isso possa nos atingir. Até que esse dia chega e mesmo que você não queira que seja real, é. A vida é um jogo de perdas e ganhos, mas as últimas curvas só foram capazes de arrancar coisas de mim.
- Alguma novidade? - Perguntei ao sentar no sofá da sala.
- Algumas pessoas ligaram para saber como você estava. - Tonny ligou o televisor e assim que nossos olhos se voltaram ao que o jornal local apresentava na hora, senti um choque dentro de mim.
"Na manhã deste domingo(18), a polícia foi acionada pela filha do casal Allan e Nicole James, encontrados mortos na casa em que residiam. O casal foi morto a facadas, mas Laura James não sofreu nenhum dano físico. Ainda não se sabe exatamente o que aconteceu, já que declarações dada por vizinhos relatam que a família era bem reservada e nunca entrou em conflito com eles ou qualquer outra pessoa. A Divisão de Homicídios investiga quem está por trás desse cruel assassinato e esperamos que este caso seja solucionado." Foi tudo que consegui entender do que o repórter falava. Imagens da rua eram mostradas, assim com a frente da casa e a movimentação de policiais no lugar.
- Preciso ir até lá. - Falei mais alto do que esperava. - Preciso ir agora. - Levantei rapidamente, mas senti meu corpo sendo puxado de volta.
- Nós não podemos voltar lá, a casa está interditada e cheia de policiais.
- Você não entendeu? Isso não me importa. Preciso ir. - Relutei para me soltar de suas mãos e fui em direção à porta.
- Não vou deixar você ir sozinha. - Ouvi passos me seguindo.
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O que me resta?
Mystery / ThrillerApesar dos avisos, resolvi ir atrás. Estou tão perdida quanto da última vez. Ainda não sei o quê, como ou por quê aconteceu... Quem poderia fazer uma coisa dessas? Simplesmente não posso ficar parada. Afinal, o que me resta?