Parte 23

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Fiquei um tanto irritada. Era um trabalho considerável para abrir um cofre que eu nem sabia o que tinha dentro, muito menos se me seria útil. Mas já tinha estado em todas as salas, era aquilo ou nada.

Me senti febril novamente e encostei a testa no cofre. O metal estava fresco e suspirei, tentando começar o raciocínio. Minos queria saber quantas vezes havia torcido sua cauda para julgar cada um...bom, cada um nas figuras, certamente... E os números dos círculos do inferno a que as pessoas nas figuras fossem condenadas formariam a combinação do cofre. Direita e esquerda, direita e esquerda... Era o mais óbvio, mas de cima para baixo ou de baixo para cima? Não custava mesmo tentar ambos.

A primeira figura, a do topo. Estava na esquerda e mostrava o casal nu entrelaçado. O pecado era a luxúria, estava bem na cara e desse eu me lembrava bem, pois o livro mencionara Cleópatra. Era o círculo de número 2, onde os luxuriosos eram castigados por ventos violentos sem descanso.

A segunda, à direita, o homem que pisava na cruz. Não tão obvio quanto o outro... Bati minha testa contra o cofre, forçando a memória. Eu não tinha decorado o livro, oras!


Repassei os pecados maiores na mente. Para uma pessoa como eu, não religiosa, isso não era algo guardado com prioridade nas lembranças mas... Por fim, o pisar na cruz era certamente contra a religião, alguma religião pelo menos... Devia ser um herege. Ah, mas qual era o círculo?! Sei que queimavam em sepulturas ardentes, mas o número... 4? Não... 6, sim era 6 disso estou quase certa.

A terceira figura, à esquerda, o homem que estrangulava a mulher. Fácil, era um violento. O círculo era... Era um número alto, mas não o maior... seria o 8? Não, esse era para os falsários, não era...? Os violentos padeciam no círculo de número 7, mergulhados em sangue fervente.

Quarta figura, à direita, a mulher cuja boca transbordava comida. Bastante óbvio também, era a gula, e que eu me lembrasse não era um dos pecados mais severamente punidos... um número baixo, o 2 já foi... Acho que vinha depois, logo depois, era o círculo de número 3, castigados por...chuva de gelo e granizo, se bem me lembro.

Quinta figura, o bebê e o símbolo pagão. Certo, isso é um problema... Que pecado pode ter cometido um bebê? Não pode ser um pagão, pois nem ao menos tem escolha sobre sua própria vida que dirá suas crenças... Ah... certo, umas daquelas medonhas injustiças religiosas, um bebê no inferno por não ter sido batizado. Era o círculo mais brando, mas para mim ainda injusto. O círculo dos não-batizados, de número 1.

A última figura, a cruz invertida. Isso poderia ser muita coisa... O herege já tinha ido, será que poderia ser um número repetido? Achava que não, pois a figura era diferente. Cruz invertida, o símbolo do anticristo... Estaria a figura querendo representar o próprio diabo? Se fosse o caso, e eu achava que sim, esse seria o círculo dos traidores, onde padecia Judas e morada do próprio Lúcifer, o círculo de número 9.

Repassei os números, eufórica. Então, pelos meus cálculos, o código seria 2 para a esquerda, 6 para a direita, 7 para a esquerda, 3 para a direita, 1 para a esquerda e 9 para a direita.

Impressionadíssima com minha memória e agradecendo a todas as divindades das quais pude me lembrar por ser uma leitora compulsiva, girei a tranca do cofre pra lá e para cá, com as mãos trêmulas, seguindo o código descoberto.

Ouvi o barulho de pequenas engrenagens se movendo e esperei ansiosa que a porta do cofre se abrisse, porém embora não escutasse mais o barulho a porta continuava fechada.

Ouvi um novo barulho, como um flash de máquina fotográfica antiga, ao mesmo tempo em que uma luz saía da bolinha de vidro no cofre, me cegando por um momento e gritei de dor e susto. Um dos cortes em minha perna abrira, mais fundo do que nunca, e pingava sangue pelo chão.

- Mas... o que é isso...?!

Subconsciente: A origem do medoOnde histórias criam vida. Descubra agora