Pecados do avô e sangue do irmão

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A alguns meses atrás Luz apareceu para dizer que "Deus está puto, mas não sabe com o que". Vocês nunca entenderiam o significado de Deus assumindo que não sabe alguma coisa então não me esforçarei tentando explicar, mas para resumir, Ele não é onisciente.

Esse aviso veio em agosto, quase perdi meu ano letivo viajando o mundo escondida de minha família para tentar descobrir o que emputecia o Divino. No final descobri que o problema estava mais perto que eu gostaria.

Deus não sabe sobre um monte de coisas, mas se tem uma coisa que o deixa absurdamente puto é um certo livro que nem nome tem. É um livro o qual batizamos entre nós de Manual do Fuzuê. Esse livro é uma espécie de portal inventado nem Deus sabe quando por sabe-se lá quem por motivos ainda mais obscuros. O grande problema é que raramente alguém o usa para fazer algo que preste. Quase sempre fazem algo para desmoronar a ordem natural do Universo, que Deus tanto ama. Ele sempre fica sabendo que alguma coisa está fodida, mas nunca exatamente o que. Você não conhece Deus, mas tenho certeza que consegue imaginar como fica seu humor nessas horas. E isso se agrava pelo fato de que além Dele não saber o que está errado, quando descobre não pode fazer nada. E, antes que me esqueça, Deus está longe de ser onipotente, porém, pasme, Ele realmente é onipresente, o que significa que sente tudo de errado que acontece, mas geralmente nada pode fazer, como sentir coceira dentro do gesso.

Estou com minhas amigas Fé e Devoção, andando no meio de alguma savana africana, atrás de alguma pista sobre a fonte do mau humor de Nossa Suprema Divindade. A uns vinte metros a minha direita vejo um casal de leões fornicando, mais ao longe um rio com várias zebras e rinocerontes bebendo água e no horizonte o Sol se despede num dos poentes mais lindos que já vi em minha vida. Devoção faz uma piada suja com a cara da leoa, Fé a repreende e o tanto de mosquitos me atazanando é o que mais incomoda. Bem que Fé poderia virar uma daquelas roupas de apiário ou algo assim.

Eis que Luz aparece com semblante visivelmente abatido:

- Tenho uma notícia muito triste. Encontramos a origem do distúrbio, é o Manual.

- Como isso pode ser triste, Luz? Agora podemos sair do National Geographic Channel e resolver o problema – Diz Devoção eufórica.

- Não é simples assim e dessa vez será bem desagradável. Catarina, o problema é seu avô.

- Como assim "meu avô"? Explica direito!

Não posso acreditar nisso. Como meu avô seria um problema?

- Calma, moleca, eu explico – Luz tenta apaziguar - Seu avô está com o Manual do Fuzuê, fazendo coisa errada. Deus mandou a gente ir lá agora para resolver.

- Calma Catarina – Fé tenta apaziguar – estarei ao seu lado – como eu odeio quando ela fala esse jargão, ainda mais agora.

Não consigo acreditar nisso. Haroldo! Meu irmão está com meu avô passando férias no sítio. Começo a chorar pensando em seu nome. "Calma", alguém pediu quando as lagrimas desceram em meu rosto. Sinto o abraço reconfortante que só Fé conseguia me dar, fecho meus olhos e espero que Devoção nos leve até a chácara de meu avô.

Já é noite e sinto meu coração pesar como nunca. Um ar nojento vem de dentro da casa e irrita meus pulmões, me causando ânsia.

A porta está lacrada com algum feitiço, mas não reconheço seu autor. Percebo como ele é poderoso. Devoção segura minha mão, "derruba a porta" ela diz, e juntas a chutamos com toda nossa força. A porta estilhaça e ouço uma risada muito alta vindo da sala. É a voz de meu avô. Não, só parece ser.

- Entrem aqui, meninas! Já cheguem tirando a roupa, pois na casa do Velho Antunes é Carnaval adiantado – Ele berra e ri de forma embriagada, mas sei que não é bebida que fala por ele.

- Vô, o que ta acontecendo aqui? – Tento manter a calma enquanto me aproximo da porta. Quando entro na sala sinto meu coração partido. Tão triste que nem consigo chorar.

Vejo duas meninas, com não mais de quinze anos, Haroldo e meu avô. Os quatro estão nus e fornicando no chão. Se eu fosse uma menina normal isso me seguraria por algumas décadas num tratamento psicológico, mas eu não posso me permitir ser normal e a situação não se trata da simples depravação de um velho pervertido. Os olhos dele são a coisa mais aterrorizante que já vi e sinto minha alma se desfazer. Fé me abraça e vira minha armadura. Posso sentir como ela começa a sofrer em meu lugar.

Meu avô ri insanamente enquanto continua seu ato vil com a garota menor. Meu irmão e a outra garota parecem nem tomar conhecimento da cena e continuam o coito. Os garotos não estão normais, seus olhos parecem mortos e os corpos se movem mecanicamente.

- Catarina, você virou uma mulher muito vistosa, não quer se despir dessa sua amiguinha frígida e vir aqui provar do piu-piu do vovô? Faço com você igual fazia com sua mãe, quando seu pai estava longe demais para cuidar da mulher. Acho até que você é filha minha e não dele – e continua rindo.

Eu sei o que devo fazer. Devoção segura minha mão, beija minha face e diz:

- É melhor fazer agora para acabar logo com isso – Ela vira uma lança curta toda feita de um metal tão polido que seu reflexo é mais forte que a luz incidida sobre ela.

- Isso, suas putinhas, matem um "velho indefeso"! Espeta essa vadia no meu cu – Ele fica de quatro com a bunda virada para mim – Vem, suas safadas, mostra como são pervertidas e me fodam com toda força!

O desgraçado não para de rir. Sinto mais nojo dessa cena grotesca que tristeza pelo que farei.

- Fale onde está o livro – ordenei.

- O livro da sua avó? Lambe meu cu que eu falo – Eu o chuto com toda minha força, fazendo com que bata a cabeça na parede. A criatura ri sem sentir qualquer dor pela minha investida.

Ele se levanta e para de rir armando uma carranca séria e terrivelmente assustadora. Com uma voz grave, aveludada e carregada uma força descomunal, emite sons aparentemente complexos, que não sei dizer se seriam ou não uma linguagem.

Sinto Devoção apertar minha mão e gritar na minha orelha "AGORA". Empurrei a lança para o coração do velho e Devoção não consegue entrar nem dois centímetros. Ele fica quieto, abre um sorriso perturbador enquanto parece me derreter com seu olhar.

- Foi bom para você? – Ri de maneira seca e suave. Minhas mãos parecem feitas de gelatina e quase largo Devoção. Não desisto, empurro com cada vez mais força, até que a carne cede. Enquanto a lança aos poucos o atravessa vejo escorrer sangue por sua boca. Ele fecha os olhos lentamente e quando os abre estão normais.

- Obrigado mocinha - sussurra engasgado, já com sua voz natural. Seu corpo amolece e caiu a meus pés, criando uma poça de sangue. Fé chora baixinho e pela primeira vez Devoção fica calada. Elas se desmaterializam. Fé chora como uma criança enquanto Devoção nos abraça.

Estou com medo de olhar para os garotos. Uma das meninas tosse baixinho, quando Fé se recompõe e pede carinhosamente "vai olhar seu irmão". Abaixo a seu lado, ele está desmaiado junto das garotas, não parecem nada bem. Respiram com dificuldade e estão muito pálidos.

- Tudo ficará bem – Diz Luz, enquanto ajeito os garotos nos sofás e os cubro com mantas e lençóis que pego num dos quartos.

É hora de voltar para casa. Em breve meus pais receberão uma ligação dizendo que meu irmão está internado num hospital e eu devo estar com eles nesse momento. Eles esquecerão do meu avô. Acreditem, essas coisas são feitas direto. Todas as pessoas que conhecem meu avô se esquecerão dele. Um dia algumas se lembrarão que ele existiu e se perguntarão onde está. Nesse momento lembrarão que ele morreu dormindo, bem velhinho e de um lindo velório. Se você tiver lembranças confusas sobre alguém de quem deveria recordar perfeitamente ou se ficar muito tempo sem pensar numa pessoa especial pode ter certeza, foi feito com você.

Não entendo o que aconteceu com meu avô. Será que elefoi possuído? A quanto tempo? Seria verdade o que disse de minha mãe? Porque umser tão poderoso se deixou matar tão facilmente? O que ele realmente fazia comHaroldo e as meninas? Por que o fez? Onde está o Manual do Fuzuê?    

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