Minha Amiga Virtual (Lésbico)

Um pouco mais de Thais e Lara

Difícil era saber que Lara iria se transformar em tão pouco tempo. Na faculdade, Thais conheceu alguém totalmente diferente, uma jovem tão doce, atenciosa, que ouvia, aconselhava, alguém que ela acabou se abrindo e confiando, mesmo o seu passado tão amargo.

Lembrara-se da época em que em horários de intervalo ela lhe lançava olhares, do outro lado da lanchonete, e Thais não entendia, ainda não caíra a ficha de que Lara estivesse afim.
Thais se sentia estranha, desconsertada quando isso acontecia. Por que justamente uma mulher ficaria olhando para ela daquela forma? Ela nunca deu a entender que fosse lésbica, aliás, ficar com uma jamais havia passado por sua cabeça.
Mas aquela garota que a olhava. com o canudo entre os lábios, dando aquele sorriso bobo mexia com ela de alguma forma.

Lara era uma negra linda, cabelos cacheados, com um brilho e volume na dose certa, dentes perfeitamente alinhados e brancos, e um corpo de dar inveja a qualquer modelo, seu busto chamava a atenção de qualquer pessoa, não era exagerado, mas era lindo proporcional ao seu corpo, olhos negros e expressivos, diziam exatamente o que ela queria a quem soubesse interpretá-los,  lábios volumosos, lindos, tal qual ela fazia questão de destacá-los com os batons mais lindos, cada dia um mais lindo que o outro. Thais cada dia mais reparava nela até que um dia, resolveu ir conversar com ela.

-Não tem outra mesa, tem alguém aqui com você? Caso não, posso me sentar aqui?
-Tem sim...-antes que ela pudesse terminar de falar, Thais ficou extremamente sem graça e já ia se retirando dali.
-Me desculpa, eu vou ficar ali pelo balcão mesmo.
-Hey, hey, calma, eu disse que tinha alguém, mas não disse quem, esse lugar tem dona sim, você uai!  - Aquele sotaque era lindo, Thais sentiu aquele uai entrando por seus ouvidos tão lindamente -Agora ele está ocupado por você.
-Então vou me sentar, uai! - brincou ela, imitando Lara.
-Impressão minha ou você está me imitando?
-Foi uma brincadeira, desculpa! Acho lindo esse sotaque. Obviamente é mineira né?
-Sou sim, mas ficou tão nítido assim?
-Esse uai não nega.
-Tipo o "tipo" de vocês paulistas, né?
-Isso é verdade mesmo!
-Adoro essas peculiaridades e características de cada região.
-Eu também adoro! Aliás, eu não me apresentei, me chamo Thais e você?
-Lara, prazer!
-O prazer é meu.
-Qual o seu curso?
-Arquitetura e o seu?
-Engenharia.
-Poxa, que legal. Adorei!
-Podemos fazer uma sociedade depois de formadas, não é verdade?
-Opa, claro!
-Até que enfim veio falar comigo né? - Lara era direta, não perdia tempo.
-Eu...eu - as palavras não saiam, Thais começou a gaguejar, disfarçou tomando mais um gole de suco, arqueou a sombrancelha e tentou disfarçar, por dentro estava roxa de vergonha - Como assim?
-Ah, sei lá, caso não tenha percebido, não é de hoje que venho te observando e você nunca me deu muita moral, mal me olhava, mas no fundo eu sei que percebia. Anda sempre na sua, sozinha. Por que?
-Sei lá, sempre fui muito tímida, não sei puxar assunto.
-Bobagem sua! Já não estamos conversando?
-Sim!
-Então é sinal de que sabe sim, ou estou conversando sozinha?
-Não. Que bom que não estou indo tão mal assim, então.
-De forma alguma. Que bom que você veio. Já estava ficando entediada de comer sozinha, minha namorada hoje sumiu o dia todo, não me respondeu uma mensagem e fico aqui fazendo vários nadas no intervalo. ela sempre me liga nesse horário. Vai ver está com algum problema em casa.
-Namorada?
-Sim, você se incomoda com isso?
-Não, de forma alguma. Só fico surpresa com a naturalidade com que falou. As pessoas costumam ter medo, vergonha de assumir o que são e muitas vezes até mentem, no caso de meninas até dizem que tem namorado e tals.
-E por isso ainda passamos por tanto preconceito, por pessoas que tem medo de assumir o que são, de se isolarem por medo da opinião alheia.
-Você tem razão. Que pecado existe em amar? Não importa quem, o que importa é o quanto você ama e faz o bem.
-Você é tão fofa! Se eu não tivesse namorada, já iria investir em você.
-Mas eu não sou lés...
-Pode parar! Não é?
-Não, eu nunca fiquei com uma mulher.
-Estou brincando! Mas independente de qualquer coisa, caso eu tivesse chance e fosse solteira, eu namoraria você fácil. Você é linda sabia?
-Assim me deixa sem graça.
-O que te deixa mais fofa ainda, mas eu vou parar de te deixar sem graça. Olha, eu preciso falar com meu orientador e combinei com ele para voltar um pouco antes do intervalo acabar, para conversarmos com mais calma, ele já até deve estar na sala. Preciso ir, mas por favor, fique com meu cartão. Eu posso esperar uma ligação ou mensagem sua?
-Cla..claro! - pegando o cartão, sem conseguir disfarçar o olhar de cima a baixo que deu em Lara. Era impossível não reparar em quão lindo e escultural era aquele corpo.
-Espero que seja em breve. Beijinho! Foi um prazer, paulistinha linda.
-O prazer foi todo meu, mineira educada. Vá pela sombra hein.
-Certo! - Saiu dali após dar um beijo na bochecha de Thais que sentiu seu rosto corar . Que sensação estranha era aquela. Poucas pessoas a tocavam, chegava a ser estranho aquilo que sentia. Após o trauma que tinha por conta da adolescência, o máximo que tinha de contato humano era raramente com sua tia ou algum exame médico de rotina.

Acabando a aula, pegou a chave do carro e foi para a casa, pensando na conversa com Lara. Era uma sensação boa, queria poder ter mais intervalos como aquele e com certeza iria chamá-la por mensagem, assim que chegasse em casa.

O cartão era de uma construtora, chamada "Ferracini Construtora".
Certamente ela deveria fazer estágio lá. Que legal, essa construtora era bem conhecida e certamente ela deveria ter se esforçado muito para chegar lá.

Ao chegar em casa pensou em chamá-la mas sua tia acabou a chamando para conversar um pouco e já passava de meia noite. Vai que por ventura Lara estivesse  dormindo, ou ainda na pior das hipóteses, estivesse com a namorada.

Foi para o banho e foi dormir.

...

Sua vida estava bem melhor depois que  o tio sumira dali.
Embora as lembranças fossem muito dolorosas, após a terapia, ter entrado na faculdade e a melhor e mais próxima convivência com sua tia a fizeram superar bastante.

Ainda acordada, pensou em Lara, em como ela conversava, em como era animada e desinibida, direta, lembrou de suas expressões, seu sorriso, a forma que gesticulava ao conversar. Era estranho, mas ela não parava de pensar em Lara e não sabia o motivo de pensar tanto. 

Queria poder ficar mais próxima, ser amiga dela, Thais não tinha uma melhor amiga, alguém que pudesse desabafar, conversar e Lara parecia alguém que se encaixaria perfeitamente nesse papel de melhor amiga.  Será que seria só amizade mesmo? Será que ela não misturaria as coisas? Afinal, era lésbica e Thais não, vai que ela quisesse algo mais sério?

"Quanta bobagem", pensou ela, mal tinha conversado com a garota e já estava criando mil possibilidades do que poderia ou não acontecer.

Acabou pegando no sono e sonhando com Lara. Era uma sensação tão gostosa pensar nela, e aquele sonho fora algo fora do comum, sonho que nunca havia tido com ninguém. 
Lara chegava na sala de aula, todo mundo já havia saído e Thais estava organizando algumas pastas no notebook, distraída, Thais não havia notado e Lara chegou silenciosamente. A sala não tinha um barulho sequer, e a passos lentos ela chegou por trás de Thais e respirou forte em sua nuca, antes de beijar delicadamente aquela mesma área. Thais se assustou, o coração ficou descompassado, teve até medo, mas no fundo havia sentido arrepios e uma sensação gostosa ao sentir aqueles lábios macios em sua nuca.

-Te assustei?
-O que é isso?
-Um beijo na nuca ué, nunca recebeu?
-Mas...na verdade...sei lá. Por que fez isso?
-Porque estou fascinada, estou desejando você. Não sacou ainda?
-Lara, eu não sou lésbica, não faz mais iss...

Rapidamente Lara a impediu de que concluísse a frase, já a envolvendo e beijando sua boca, segurando seu rosto com as duas mãos, foi um selinho longo e uma tentativa de ir além, de sentir aquela boca, mas Thais a empurrou.

-Você está louca? - Gritou Lara
-Você que está louca, nunca te dei liberdade para isso, conversamos um dia no intervalo e já se sente no direito de me beijar assim como se eu não tivesse que consentir? Eu não sou uma adolescente de balada para que chegue em mim dessa forma.
-Você gostou! Me deixa beijar você, eu sei que gostou, eu senti isso o primeiro toque. Me deixa cuidar de você. Eu vejo a forma que me olha, eu sei que você pode achar que não é lésbica, pode até não ser, mas sei que sente algo por mim e eu não sou só uma mulher, sou uma pessoa antes de mais nada.
-Lara, você está misturando as coisas. Eu gosto de conversar contigo, mas como amiga, nada mais. Não faça mais isso! Ah e antes que eu me esqueça, você namora.
-E daí?
-E daí? Você deveria respeitá-la. 
-Eu não aguento mais ela.
-É uma fase, pode ser só uma crise, casais passam por isso.
-Mas a falta de sentimento, quando o amor diminui, a paixão vai embora e você não sente mais desejo, isso não passa e isso eu tenho de sobra por você.
-Melhor parar por aqui, eu preciso ir. Fica bem, Lara. 
-Tha, volta aqui...
-Xau

Thais pegou seu material e saiu rapidamente dali, toda perdida, sem saber o que fazer. Lara ficou ali na sala, sentada, querendo entender porquê ela ficou tão assustada, e chateada com a situação.

...

-Meu Deus, que sonho foi esse? Eu não sou assim, não sou!

Thais acordou no meio da noite e foi lavar o rosto. Acabou perdendo o sono e ficou assistindo Orphan Black até o sono voltar.