O Juramento

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4 ANOS MAIS TARDE

Era o aniversário de quatorze anos de vida de Kenner, e naquele dia de manhã, o pai o dissera:

- Hoje à noite, conversarei com você. E chegará a hora de você se tornar o dono de Nekren.

Nekren era o nome da espada que Petal prometera ao filho tantos anos atrás, e Kenner não poderia estar mais empolgado. Afinal, não se tratava somente de ganhar uma espada fantástica, mas também de que Kenner se tornaria um homem depois daquele dia, e não mais um garoto.

Ele ficou o dia todo se divertindo com os amigos da vila. Foi parabenizado pelos guardas da vila, os homens de seu pai, que comemoravam dizendo que em breve Kenner seria um guerreiro como eles. Agora haviam poucos guardas, apenas cerca de vinte. Kenner se lembrava de uma época em que haviam quarenta, mas pouco a pouco eles foram sendo convocados pelo rei de Garmeth para a guerra contra os Gorgols, e pouco a pouco o número deles foi diminuindo.

- Não se preocupe, Kenner. - Disse Ranval, um experiente guerreiro de seu pai, e que Kenner chamava de tio por serem bastante próximos. - Você poderá matar muitos Gorgols ano que vem ao nosso lado. E então os guerreiros que perdemos estarão vingados.

Mas quando Kenner perguntava o que iria acontecer de fato após ele receber a espada, todos os guerreiros se entreolhavam, e diziam que não sabiam, o que não convencia ele. Desde o início, eles estavam escondendo alguma coisa dele.

E então, chegou o fim do dia, e o sol começou a se por. Kenner admirava o sol no mesmo local onde há muitos anos o pai havia lhe mostrado Nekren pela primeira vez. "Agora, eu vou saber o segredo de toda a minha vida. " - Refletiu ele, com orgulho. - "Todo tempo eu senti que eles escondiam alguma coisa de mim, e agora sou homem o suficiente para descobrir o que é."

Então Kenner pensou ter ouvido alguém o chamar. Foi correndo até a vila. Então, com confusão, percebeu que um fio de fumaça subia do pequeno vilarejo. E não havia ninguém o chamando, mas sim gritos.

Uma mão gélida envolveu o coração de Kenner, e um calafrio percorreu seu corpo. "Um incêndio?", pensou. Mas não podia ser um simples incêndio. O garoto começou a correr, desesperado, em direção à sua casa. Ao entrar na vila se deparou com Lair, o filho de um aldeão e grande amigo seu, caído no chão sobre uma grande poça de sangue.

- Lair? - Perguntou ele desesperado balançando o corpo em vida. - Lair?

Mas ele não tinha tempo de ficar parado. Pelas suas lições, sabia o que estava acontecendo, mesmo nunca tendo passado por isso. Estavam sendo atacados, e ele precisava salvar quem pudesse, e Lair já estava morto. As lágrimas rolavam pelo seu rosto enquanto ele corria.

O barulho era ensurdecedor. Kenner podia ouvir espada se chocando contra espada, os gritos dos aldeões desesperados, o rugido de fúria dos guardas da vila enquanto se lançavam para a morte. Os inimigos eram numerosos, vestiam acessórios de batalha, portavam boas armas, e havia o símbolo de um corvo se alimentando da carcaça de um animal em seus escudos. Kenner não reconhecia aquele símbolo, e nem desejava reconhecer. Passou por um guerreiro barbudo do inimigo, que desarmava um dos guardas e enfiava a espada em seu coração, mas não podia ajudar. Todas as casas ao redor pegavam fogo e os aldeões tentavam em vão fugir das espadas dos inimigos recém-chegados.

Kenner entrou em sua casa sorrateiro, pelos fundos, e lá dentro estavam seu pai, Petal, e sua mãe, Rayhla. Seu pai estava com Nekren desembainhada em toda a sua glória, e a segurava, voltado contra a porta, determinado.

- Kenner! - Disse Rayhla, sua mãe. - Rápido, filho, saia daqui!

- Kenner! - Rugiu o pai ao ouvir a mãe dizer seu nome. - Fuja! Você não pode ficar aqui, muita coisa depende de você!

- O que? - perguntou Kenner, mas ouviu-se uma batida contra a porta.

- Se esconda! E não saia daí! - Ordenou Petal, e Kenner fez o que o pai o havia ensinado a fazer, obedecer. Ele se enfiou em baixo da mesa, trêmulo.

E então a porta cedeu. Primeiro entrou um guerreiro com um machado na casa, e este foi recebido com um golpe de espada de Petal na testa. Aquilo fez os outros hesitarem, mas dois juntos pressionaram contra a porta, e Petal acabou sendo empurrado para trás. Ele se ergueu, bloqueando o golpe da lâmina do primeiro, e desviando do golpe do segundo, abrindo uma ferida no peito do primeiro com um contra-ataque. Porém o segundo o acertou, com uma estocada nas costelas, exatamente como Petal sempre acertava Kenner nas lutas de brincadeira. Mas aquilo não era brincadeira. Petal se afastou, sangrando, e tentou lutar, mas o inimigo simplesmente afastou sua espada com um golpe, e Nekrens caiu no chão.

Aquele homem era um lorde, percebeu Kenner pelas suas roupas. Eram equipamentos de um lorde, uma armadura brilhante, uma grande espada incrustada com ouro e um elmo com penas de grifo, animais fantásticos que viviam mais ao sul.

- Darlon. - Disse Petal, reconhecendo o homem. - O que você está fazendo aqui? Não está com o seu rei traidor?

- O meu rei manda lembranças, lorde Petal. E eu lhe darei a sua cabeça em uma bandeja.

- O seu rei tem gostos estranhos. - Disse Petal, agonizando com o ferimento, mas ainda desafiador. Então Petal olhou para o homem, subitamente suplicante.

- Faça o que quiser comigo. Mas não machuque minha esposa. - Kenner percebeu que ele não falou nada sobre ele, para mante-lo escondido.

Darlon encostou sua espada no peito de Petal. Kenner fechou os olhos.

- Encontrará sua esposa em breve no Mundo Além Deste. - Disse ele, e Petal rugiu, furioso, apenas para ofegar em seguida quando a espada de Darlon atravessou seu peito.

Kenner sentia que deveria fazer alguma coisa, mas nunca havia passado por uma situação do tipo, e o horror daquele dia o havia deixado paralisado, incapaz de se mover. E ele apenas conseguiu olhar enquanto Darlon avançava e matava sua mãe com um golpe de espada, sem nenhuma piedade. Ele gravou o rosto de Darlon: pele morena, olhos negros cruéis, uma velha cicatriz de guerra no rosto. Kenner nunca mais esqueceria aquele rosto.

Darlon então, após acabar com a a matança, olhou ao redor, e por algum milagre, não encontrou Kenner. Cuspiu no corpo de Petal, e depois saiu da casa. Kenner permaneceu debaixo da mesa, paralisado, enquanto um guerreiro de Darlon entrava pela porta, provavelmente para saquear o corpo de Petal. O guerreiro não viu o garoto, e examinou o corpo de Petal no chão, e acabou encontrando Nekrens. Nekrens, a espada de Kenner, ou pelo menos seria a sua espada hoje.

- Olha o que temos aqui! - Disse o guerreiro, satisfeito com a bela espada.

Kenner então despertou do estado de choque. Quando o guerreiro se curvou para pegar a espada, ele saiu de baixo da mesa e meteu uma forte joelhada nas costas do homem, empurrando-o para frente.

- Mas o que? - O guerreiro protestou ao receber o golpe. Kenner pegou Nekrens, e assim que o ele se virou o garoto enfiou a espada com força em seu peito. O homem olhou para o sangue escorrendo de seu corpo, incrédulo, e sua pele aos poucos começava a ficar pálida, até que com um último gemido sua vida foi embora. Era o primeiro homem que Kenner matava.

O garoto então, assustado, puxou a espada de seu corpo com dificuldade, e depois se ajoelhou ao lado do corpo do pai.

- Pai. - Falou ele, virando o corpo de Petal, que parecia frio e muito pálido. Mas ele ainda estava vivo, e respirava com dificuldade.

- Filho... - Falou ele, ofegando. - Fuja daqui... Le... Leve Nekrens.

- Não pai, eu não vou te deixar. - Disse ele segurando a cabeça do pai. - Nem a minha mãe.

Agora Kenner chorava, nitidamente.

- Filho... Apenas... Jure.

- O que pai?

- Jure, meu filho... Jure que você se tornará o rei de Tahrl.

- Eu juro pai. - Disse ele decidido, mesmo não sabendo o que aquilo significava.

Então, com um suspiro de alívio, Petal morreu. Kenner tentou reanimá-lo, mas de nada iria adiantar. Ele havia perdido tudo, seu pai e sua mãe, sua vida, mas o juramento ao seu pai seria mantido.

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