Julgamento

24 2 19
                                    

Olhos frios. Foi a primeira coisa que Kenner realmente notou quando o Príncipe Elin ergueu seu rosto e olhou para eles cara a cara. Seus olhos azuis até possuíam alguma beleza, mas eram frios e calculistas, e havia uma maldade bem visível, não só maldade, mas um prazer por ela. Enquanto Elin examinava Kenner com o olhar ele se sentia como se fosse um pedaço de carne, um objeto, que Elin analisava, se perguntando qual a utilidade e se deveria simplesmente cortar o objeto ou jogar fora. Eram olhos de psicopata, de forma resumida, e sua expressão doentia não era escondida pelos seus cabelos claros, quase brilhantes, e pela falsa gentileza no rosto. 

Kenner torceu a cara em uma careta de desprezo e olhou nos olhos de Elin (apesar de estar de capuz ainda). Não se curvaria perante aqueles cabelos loirinhos, mas uma coisa em Elin realmente fazia um calafrio percorrer o corpo de Kenner.

- Por que vocês mataram os meus guardas? Por que fizeram isso? - Perguntou ele, irritantemente fingindo ser gentil.

- Perdoe-me, Príncipe Elin. - Respondeu Wilh. - Mas o senhor me conhece! Eu sou Wilh, de Naltis, mensageiro e escriba de Aquens!

- E por que você matou meus guardas, Wilh? Pensei que éramos amigos. - Falou ele como se estivesse ofendido.

-Não fomos nós, foram bandidos que estavam nos perseguindo. Depois eles fugiram, e os guardas nos encontraram.

- E posso saber, Wilh. - Disse ele estreitando os olhos claros. - O que você faz aqui depois de quase um ano? Aquens nos informou que havia um mensageiro desaparecido em nosso território, e que ele o queria de volta. E agora você aparece meses depois, com cinco guardas mortos e uma criança encapuzada! - Ele apontou para Kenner. O Príncipe Elin não era muito mais velho que Kenner, devia ter uns dezenove anos, mas agia como se tivesse uns trinta.

- E posso saber o que você está fazendo sentado no trono de Yken? - Perguntou Kenner, desafiador. Lorde Bryr, o Comandante da Guarda, chutou a canela de Kenner. "Au", pensou ele.

Enquanto isso Elin estava com o maxilar tenso, e piscando constantemente. Ele parecia nervoso com o desafio de Kenner, muito nervoso, e Kenner sentia como se a qualquer hora ele pudesse gritar: "Cortem as cabeças!". Mas ele só falou, ainda gentilmente, porém com ódio no olhar enquanto mirava Kenner:

- Meu pai está doente faz um tempo, de uma gripe que vem assolado nosso reino, e nos últimos meses quem reina em Garmeth sou eu.

"Ah, que beleza!", pensou Kenner, mas não falou nada.

- Mas e quanto à você? - Perguntou ele lentamente. Kenner nunca deixava de acompanhar aqueles olhos frios, que agora se estreitavam perigosamente. - Tire o capuz, deixe-me ver seu rosto. 

- Eu sou muito feio, príncipe, iria ferir sua visão delicada. - Explicou Kenner, provocando uma risada por parte de um dos conselheiros sentado ao lado de Elin, mas que foi silenciado quando Elin desembainhou sua espada, uma fina e ágil lâmina prateada com o punho dourado, e em um movimento rápido a cabeça do conselheiro que havia rido estava caída no chão. Os outros conselheiros fitaram o príncipe, horrorizados, e olharam com horror o corpo sem cabeça, cambaleando em sua cadeira, as mãos movendo em alguns espasmos que logo cessaram.

- Por favor, Lorde Bryr, mande seus homens levarem essa carcaça para fora de minha vista. Não, espere! Olhe para isto no chão, criança. - Falou ele para Kenner, que continuou encarando Elin. - Olhe! - Ordenou Elin, e um dos guardas de Lorde Bryr forçou Kenner a olhar para a cabeça decapitada no chão. 

- Duvido que o seu rosto seja mais feio do que isso. - Continuou o príncipe como se nada tivesse acontecido, limpando o sangue da lâmina com um pano que um serviçal havia acabado de trazer e a embainhando de volta. - Mas pode ficar mais feio. Eu posso abrir seu rosto com minha espada e dar ao meu grifo para comer. Afinal, você matou meus guardas. Porém eu sou piedoso.

Kenner duvidava disso. O príncipe fez um sinal e alguns homens de Bryr recolheram o corpo e a cabeça.

- Mestre Serkis não importava muito mesmo, podemos achar outro Administrador do Tesouro. Sempre tem um ganancioso querendo o cargo. - Disse Elin olhando com desprezo para os outros conselheiros na mesa, que baixaram as cabeças e não o desafiaram.

- Agora, voltando onde estávamos. - Falou ele, felizmente para Kenner ignorando o pedido anterior para Kenner tirar o capuz. - Sim, a punição deles! Wilh, você poderá ser perdoado, afinal, é um amigo de meu pai. - Ele sorriu. Kenner sabia que na verdade ele só iria manter Wilh vivo para agradar ao rei Aquens. 

- Quanto ao seu companheiro, você pode até não ter matado os guardas, mas não acredito nele. Onde você o conheceu, Wilh?

- Ele me salvou. - Revelou Wilh. - Agora sirvo a ele, e peço que meu mestre seja solto.

- Mas então você quebrou o juramento ao seu rei, além de ser acusado de matar guardas! Wilh, você está sujando a sua ficha! - Falou ele, de novo fingindo gentileza. - Eu tento te ajudar, Wilh, mas assim não dá! Acho que terá de passar um tempo nas masmorras de Erden. Quanto ao outro, que ele morra. Enforcado? Não, primeiro quero interrogá-lo! Depois, acho que sim, enforcado! O que você acha, criança?

- Não me chame de criança, meu nome é Mercenário. - Falou Kenner com raiva.

- Muito bem então, terei um encontro com você na câmara de tortura, Mercenário! - Respondeu o príncipe, com uma risada. - Você vai adorar as minhas técnicas! Diga-me: você gosta das unhas ou prefere sua língua?

Foi nessa hora que se ouviu uma tosse, bem forte, de alguém bastante doente. E um homem de meia-idade entrou na sala, carregado por dois serviçais. Seu estado era péssimo, e ele usava uma coroa dourada com asas de grifo em miniatura na cabeça. Era Yken, rei de Garmeth.

- Me disseram... (tosse forte)... Que Wilh estava aqui. Não podia deixar de vir!

O Príncipe pareceu embaraçado.

- Wilh está sendo julgado, pela morte de cinco guardas e traição ao seu rei. - Falou friamente Elin, desta vez muito sério, e não com o sorriso psicopata com que estava segundos antes.

- Dane-se o julgamento! - Exclamou Yken depois de uma forte tosse. - Wilh é convidado de minha casa! Isso é uma ordem de seu rei! - Ele parecia furioso de repente com seu filho, o máximo de "furioso" que alguém pode ficar naquela situação. - Venha, Wilh, venha! Faz muito tempo que não conversamos! 

Wilh caminhou até o rei, timidamente, para a revolta do príncipe.

- Rei Yken. - Falou ele se curvando. Aparentemente havia bastante amizade entre os dois. - Trago saudações de o Mercenário, meu novo mestre, e peço para que ele seja liberado de seu julgamento.

- Novo mestre, é? - Yken deu uma espiada em Kenner, erguendo um sobrancelha. - Receio que ele tenha que ser julgado, Wilh, está sendo condenado por um crime.

- Não foi ele. - Insistiu o nirian.

Yken deu de ombros. 

- Muito bem, acredito neste nirian. Essa é a palavra do rei, o nirian e o pequeno ser humano que se diz " O Mercenário" estão soltos, estão ouvindo? Elin?

Os conselheiros e guadas ali todos concordaram, e Elin acabou concordando, de muita má vontade, mas não sem antes dar um último olhar cortante para Kenner.

O rei tossiu de novo.

- Já não estou mais tão novo! Preciso voltar para a cama. Enquanto isso, quero que serviçais arrumem quartos para os meus novos hóspedes. E Elin, já basta de me substituir por hoje, deixe os problemas com o Conselho agora. Falando nisso, onde está Mestre Serkis?

- Mestre Serkis foi embora, pai. - Falou Elin, não citando que ele havia cortado a cabeça do pobre homem.

- Que pena, eu gostava dele (outra tosse forte). Encontrarei vocês no jantar, Elin, quero você e Wilh no jantar, e o ser chamado Mercenário se Wilh desejar. Esta noite Wilh me informará com as notícias do mundo, já que meus próprios mensageiros sempre estão longe!

- Mas é claro. - Sorriu Wilh.

O Príncipe passou por Kenner e Wilh, olhando com desprezo principalmente para Kenner, mas não falou nada. Pelo menos ele ainda não governava totalmente, apesar do que ele havia falado, ele só estava substituindo Yken temporariamente, mas o velho Yken ainda era o rei. Isso era bom, por que se Elin fosse o rei de Garmeth, o mundo dos humanos entraria no caos.


O MercenárioOnde histórias criam vida. Descubra agora