Me socializando com um idiota

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Como toda segunda-feira, acordei exausta. Meu corpo inteiro parecia pesar uma tonelada, e a luz que atravessava as cortinas finas do meu quarto só deixava a dor de cabeça mais intensa. "Merda", pensei, sentindo um aperto no peito. Por que eu sempre deixo os trabalhos para a última hora? Passei a madrugada inteira terminando aquele projeto de Publicidade. O prazo era até hoje, e, para piorar, esqueci de colocar o despertador. Restavam apenas 29 minutos para me arrumar.

Joguei as cobertas para o lado e senti o chão frio nos meus pés descalços. A adrenalina do atraso começou a me empurrar. Desci as escadas correndo, engoli um café rápido que queimou minha língua, e saí em disparada para o ponto de ônibus. Claro, o ônibus já tinha passado, e não havia tempo para esperar outro. O ar da manhã estava úmido e quente, grudando na minha pele como uma segunda camada.

Chamei um Uber, mas já eram 7:50 e o portão da faculdade fechava às 8:15. "Vamos, vamos, vamos..." murmurei, olhando para a tela do celular enquanto o motorista seguia devagar em um trânsito infernal. As ruas de São Paulo pareciam um labirinto sem saída, e eu tinha apenas 25 minutos para chegar. Se eu não estivesse lá antes da segunda aula, iria acabar com nota zero — e encarar recuperação de novo não estava nos meus planos.

Cheguei às 8:11, o coração martelando no peito como se quisesse fugir. Corri pelo corredor estreito e fui direto para o banheiro. Quando olhei para o espelho, a verdade se revelou em toda a sua glória: eca. A imagem refletida era de uma versão minha que eu nem queria reconhecer.

— Credo, Cler, parece que você foi atropelada por um caminhão e depois ressuscitou de um filme de terror — Chloe apareceu atrás de mim, rindo enquanto tentava arrumar seu próprio cabelo, que sempre parecia perfeito, mesmo em dias ruins.

— Eu sei. Acordei atrasada, perdi o ônibus, vim de Uber e fiquei até tarde fazendo o trabalho de Publicidade. Preciso parar de deixar tudo para a última hora.

— Isso, e talvez comprar um carro, né? Você já tem 25 anos, Cler. — Ela levantou uma sobrancelha, provocativa. — Já passou da hora.

Revirei os olhos, mas ela tinha razão. Meu cabelo estava uma bagunça, grudado na testa pelo suor, e o calor estava me destruindo. E, como se não bastasse, a TPM fazia questão de me lembrar de sua presença a cada passo que eu dava. Minhas cólicas tinham começado na noite anterior e ainda não me davam trégua.

— Chloe, por acaso você tem um absorvente aí? — implorei, tentando não parecer tão desesperada quanto estava.

Ela me jogou dois OBs com um sorriso sarcástico.

— Hoje definitivamente não é seu dia de sorte. Anda logo, não quero perder a primeira aula.

Entrei no primeiro box que vi, tentando ignorar o cheiro de desinfetante barato que impregnava o banheiro. Chloe tinha razão, hoje era um daqueles dias em que tudo o que pode dar errado, dá — e o que não pode, também.

Na sala de aula, sentei-me ao lado de Chloe. O professor Almeida já estava em pé, de braços cruzados à frente da lousa, olhando para a turma como um general antes de uma batalha.

— Atenção, pessoal! — disse ele, elevando a voz para se fazer ouvir acima do burburinho. — Lembrando que o prazo para entrega do projeto de planejamento de mídia é somente até hoje. Não haverá extensão de prazo, então quem entregou, entregou, e quem não entregou... — Ele fez uma pausa dramática, observando nossas reações. — Não entrega mais.

Uma onda de murmúrios percorreu a sala. Senti meu estômago revirar. Claro, só para aumentar o peso nas minhas costas.

— E as apresentações começarão na aula da semana que vem — ele continuou. — A ordem será aleatória. Então estejam preparados.

Dessa vez, o burburinho foi ainda maior. Eu podia ouvir vozes ao redor reclamando, uns se queixando da falta de tempo, outros da sorte que nunca favorece. O professor Almeida, com um olhar severo, bateu a palma da mão na mesa.

— Silêncio, por favor! — Sua voz ecoou pela sala, e o murmúrio cessou quase que instantaneamente. — Estamos no final do semestre, pessoal. Sei que não é fácil, mas vocês estão aqui para aprender a trabalhar sob pressão. Agora, foco na aula.


Saindo da faculdade, avistei o Jeep preto estacionado perto da calçada. Nicholas, o primo de Chloe, estava encostado na porta do carro, mexendo no celular. Ele veio buscá-la para irmos todos à casa dela discutir sobre o trabalho da aula de artes visuais.

Enquanto caminhava até o carro, senti o peso do cansaço nos meus ombros. "Estou exausta", pensei, e o fluxo constante de tarefas não ajudava. Parecia que quanto mais eu fazia, mais surgiam novas coisas para resolver. Final de semestre era sempre um caos, e eu me sentia afogada em meio a projetos, apresentações, e agora, essa entrega de última hora.

— Quanto você paga pro seu primo ser seu chofer? — Lucas, sempre provocador, não perdeu a oportunidade. — Ele não tem mais nada para fazer, não?

— Eu posso mandar ele voltar se você preferir andar até a minha casa, Lucas. — Chloe revirou os olhos enquanto acenava para Nicholas, que caminhava em nossa direção. — Obrigada por vir, você é um amor. — Ela deu um beijo rápido na bochecha dele. Nicholas apenas sorriu de lado, com aquele ar de quem estava em outro planeta.

— Lucas, Nicholas. Nicholas, esse é o Lucas. — Chloe fez as apresentações rápidas.

— Carro legal — Lucas comentou, um pouco enciumado.

— É do meu pai. Ele tem mais um, então deixou eu vir com esse — respondeu Nicholas, sem muito entusiasmo.

Eu observava Nicholas de relance. Ele tinha um ar descontraído, quase insolente, com a barba por fazer e uma jaqueta de couro que parecia quente demais para o clima. Mas o Jeep... era inegável, o carro tinha estilo.

— Parece combinar com você — acrescentei, tentando ser educada, mas sem muito interesse.

— Bem observadora você... — Ele me encarou com olhos curiosos. — Como é o seu nome?

— Cler — respondi, tentando parecer indiferente.

— Cler — ele repetiu, deixando meu nome escorregar lentamente pela boca, como se estivesse saboreando cada sílaba. O jeito que ele me olhava me deixava desconfortável, como se estivesse me despindo com os olhos. Um sorriso provocador apareceu em seu rosto. — Um nome bonito para uma garota bonita.

"Ok, retiro o que eu disse," pensei. "Ele não é apenas um cara com um carro bonito. Ele é um idiota com um carro bonito."

— Ah, obrigada — murmurei, sem saber bem como reagir.

No caminho para a casa de Chloe, o silêncio no carro era pesado, interrompido apenas pelas músicas que tocavam baixinho no rádio. Eu podia sentir o olhar de Nicholas em mim pelo espelho retrovisor, e cada segundo parecia se arrastar. Definitivamente, eu teria preferido andar.

Desarmando minhas defesasOnde histórias criam vida. Descubra agora