A constatação da iminente derrota para o câncer foi se dando aos poucos. Conversávamos muito sobre a doença, ele queria saber o que eram todos os novos nomes que constavam em seus exames e nos prontuários médicos, perguntava o que iria lhe acontecer, o que viria a seguir e foi preciso muita pesquisa e uma coragem franca para que pudéssemos lidar com essa nova fase de luta. Não podíamos deixar a doença ser maior que nós.
Seus ciúmes por mim ficaram ainda mais acentuados. Ele passou a me vigiar quando eu ia saía para minhas caminhadas. Reagia agressivamente quando alguém me tecia algum elogio. Ainda que sob protestos, consegui manter meus estudos. Nesse período, minha carga horária não era tão pesada. Trabalhava em média oito horas por dia e depois ia para a faculdade. E toda noite, ele fazia questão de me esperar com a janta pronta.
A consciência de que iria morrer e me deixar sozinha, disponível para outro relacionamento, começou a lhe atormentar. Percebia que isso estava lhe corroendo. Ele sentia a necessidade de fazer algo. Não podia sair da minha vida assim, como se nunca tivesse existido. E, com um largo sorriso, fez a surpresa: pediu que eu me casasse com ele.
Planejou uma grande festa. Escolheu lugar, dia e hora. Nós nos casaríamos em uma chácara, ao pôr do sol. Fez a lista de convidados. Todas as noites, quando eu chegava em casa, me contava em detalhes tudo o que havia idealizado durante o dia. Mas seu entusiasmo não durou muito. Não tínhamos dinheiro para aquilo tudo.
Certo do que queria, não desistiu, e se contentou com uma simples cerimônia civil. Novamente, foi ele quem providenciou todos os detalhes. Fez questão de ir comigo escolher meu vestido. Era um traje simples, verde, sua cor predileta. Casamo-nos na manhã do Dia de Santo Antonio, em 13 de junho de 2009, no cartório, com a presença de meus irmãos, minha mãe e quatro casais de amigos. Estava sacramentado. Após ler os votos, o juiz de paz, que por coincidência era pai da primeira esposa dele, pediu: "Quer falar alguma coisa?". E ele respondeu: "Eu tinha um discurso pronto, mas ela me pediu para não fazê-la chorar. Então não vou falar nada". E, emocionado, me beijou. Foi assim que consolidou o que queria: deixou-me uma aliança na qual gravara seu nome e fez questão que eu adotasse seu sobrenome. A própria aliança ele pretendia usar para sempre. E me fez prometer que isso aconteceria.
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História de nós dois
Non-FictionA série Anônimos conta histórias reais e impressionantes de personagens comuns. Domingo, 10 de abril de 2011, quase meia-noite... Sozinha, ali, naquele leito de hospital, me dei conta de que o amor da minha vida estava me deixando pra sempre. Já sem...