Em janeiro, já conscientes do seu pouco tempo de vida, seus irmãos vieram lhe visitar e trouxeram sua mãe, já frágil devido à idade avançada. Ela custou a reconhecer o próprio filho. Passaram longas horas juntos, conversando ou simplesmente dormindo, lado a lado. Foi aquele momento de eliminar qualquer rancor, mágoa ou mal-entendido que tenha existido. Foi a hora de falar tudo o que precisava ser dito, ouvir tudo o que precisava se ouvido e, principalmente, perdoar o que fosse preciso. E assim o fizeram.
Bravamente, ele surpreendia a cada internamento. Encontrava forças para voltar para casa. No hospital, encantava as enfermeiras com seu jeito divertido. Eu já não passava mais as noites em cadeiras improvisadas ou em sofás minúsculos. Dormia ao seu lado, no leito. Abraçados, como ele gostava e o deixava em paz. E ninguém, nem médicos, nem enfermeiros, jamais nos censurou por isso.
Tínhamos nossos segredos. Toda noite, antes de dormir, eu lhe servia biscoitos de chocolate que levava escondidos na bolsa. A transgressão lhe devolvia um pouco da jovialidade. As enfermeiras faziam vistas grossas, cúmplices da travessura. Mas elas sabiam que, por vezes, aquilo era a única coisa que ele conseguia comer com prazer.
A essa altura, já havia se desprendido dos ciúmes e, convencido do meu amor por ele, me libertou. Pediu que eu seguisse minha vida depois que partisse. Disse que trataria, lá do céu - ele tinha certeza que iria para algum lugar muito especial -, de escolher, pessoalmente, alguém que merecesse meu amor. E me fez prometer que eu seria feliz.
Ele falava que já não tinha mais medo de morrer, mas que preferia continuar vivendo. Ainda tinha um sonho: fazer amor mais uma vez comigo. E uma missão: participar de três eventos que viriam a seguir: minha formatura na faculdade, meu aniversário de 36 anos e a celebração do nosso 14º ano de união. E, tal qual viveu sua vida inteira, assim o fez.
VOCÊ ESTÁ LENDO
História de nós dois
No FicciónA série Anônimos conta histórias reais e impressionantes de personagens comuns. Domingo, 10 de abril de 2011, quase meia-noite... Sozinha, ali, naquele leito de hospital, me dei conta de que o amor da minha vida estava me deixando pra sempre. Já sem...