O segundo ano de tratamento foi de muito sofrimento. Toda noite, ele pedia, desesperado, que eu não lhe deixasse morrer. E eu, desolada, não sabia o que dizer. Muito menos o que fazer.
Decidimos conhecer e encarar nosso inimigo. As primeiras tentativas de conversa foram fracassadas. Apenas chorávamos. Aos poucos, uma ou outra palavra saía entrecortada em meio às lágrimas. E assim, com muita insistência, fomos vencendo o pranto e conseguimos trazer o problema à luz. Levamos semanas até que o assunto já não nos assustava mais. Estávamos novamente em pé diante do que nos esperava.
Ele ainda tinha certeza da vitória. Mas as crises de dores começaram a ficar frequentes e ele teve de fazer sessões de radioterapia. Elas aceleraram seu enfraquecimento. E as reações à quimioterapia ficaram mais evidentes e severas.
O sintoma que mais nos afligia era a falta de apetite. Passava dias sem conseguir comer, o que aumentava seu desgaste físico e reduzia sua qualidade de vida.
Começamos uma romaria médica. Além do oncologista, ele era acompanhado por nutricionista, neurologista, endocrinologista, urologista, psicólogo, cardiologista, o qual também lhe fazia sessões de acupuntura para ajudar a aliviar a dor. Entre outros especialistas que iam surgindo conforme os sintomas lhe consumiam. Eu fazia questão de levá-lo a todas as consultas. Precisava saber o que estava havendo. Porque sabia que ele iria querer as explicações. E eu tinha a obrigação de não lhe deixar dúvida alguma.
Ele tentava manter sua rotina de trabalho, mas agora entrecortada com alguns dias de repouso em casa. E eventualmente alguns no hospital, devido às crises de dor. Sua fragilidade física começou a ficar aparente. Seus cabelos caíram e os novos que nasciam vinham branquinhos. Sua pele envelheceu. Sua aparência preservada por seu espírito jovem cedeu e a nossa diferença de idade ficou evidente. Até demais. Na rua, muitos achavam que ele era meu avô.
Seu bigode grosso e preto começou a ficar falho e os fios, grisalhos. Com uma gilete, tirou o ornamento do rosto. Aquilo o abalou profundamente, pois dava adeus a uma marca que ostentava desde os tempos de garoto e que tanto lhe envaidecia.
Aos poucos sua debilitação física foi vencendo o otimismo. As crises de dores cada vez mais intensas e mais frequentes iam desgastando sua esperança. Apenas sua fé crescia. A fé e o amor que nutria por mim. Esse ganhou nova dimensão. E foi nosso alicerce durante toda a batalha. A última de nossa vida juntos.
![](https://img.wattpad.com/cover/86969412-288-k476962.jpg)
VOCÊ ESTÁ LENDO
História de nós dois
No FicciónA série Anônimos conta histórias reais e impressionantes de personagens comuns. Domingo, 10 de abril de 2011, quase meia-noite... Sozinha, ali, naquele leito de hospital, me dei conta de que o amor da minha vida estava me deixando pra sempre. Já sem...