Domingo, 10 de abril de 2011, quase meia-noite... Sozinha, ali, naquele leito de hospital, me dei conta de que o amor da minha vida estava me deixando pra sempre. Já sem forças para lutar, ajeitei a mochila com as roupas dele debaixo do braço, da melhor maneira que consegui, e segui o médico. Simplesmente não conseguia mais sentir esperança. Eu era apenas dor.
Comovido, o médico permitiu que eu ficasse na unidade com ele. Logo a filha mais velha chegou, ao lado da mãe. Eu a havia chamado. Ficamos ali até o sol nascer, quando me pediram para sair. Sua filha ficou mais um pouco. Nenhuma alteração no quadro dele.
Era bem cedinho. Fui para casa tomar banho. Precisava ir ao cemitério, fazer o que esperava ser feito havia tempos e ninguém tivera coragem: reservar o terreno para o túmulo e definir alguns detalhes do velório e do sepultamento. Não fazia ideia de que tudo isso seria usado em tão pouco tempo.
Por volta das dez horas da manhã daquela mesma segunda-feira, a mãe das meninas me ligou e disse que eu precisava voltar ao hospital. A situação havia se agravado.
Não sei ao certo como cheguei àquele hospital, tampouco à sala em que ele estava. O médico me disse que o levariam para a UTI. Sua hora havia chegado. Nada mais podia ser feito. Ele seria sedado para ter algum conforto e para que a forte dor fosse amenizada. Mas ela não o deixaria tão fácil.
Ao nos despedirmos, já instalado no leito da UTI, ele me olhou profundamente, me beijou, e pediu para eu mandar um beijo a todos. Assim como fazia sempre que eu saía de casa. Ele sabia que iria descansar e não fez alarde. Estava sereno.
Ficamos na sala ao lado da UTI. Eu, suas duas filhas, a mãe delas e o namorado de uma das meninas. Nós cinco fizemos a vigília. Meus irmãos tiveram de ficar do lado de fora do hospital. E ali acompanhamos suas últimas horas. Sua agonia final. Os sedativos não faziam efeito, mas ele resistia bravamente. Revezávamos no leito de UTI. Ainda consciente, ele não permitia mais que o tocássemos. E não soubemos se era pela dor física, ou se apenas não queria mais ver o sofrimento em nosso rosto. E por isso paramos de impor nossa presença diante dele.
A primeira esposa, que foi traída tantos anos atrás, esteve o tempo todo ao lado das filhas, e, solidária, superiora e dona de muita dignidade, amparou também a mim naquele momento de dor. Foi minha amiga. Ofereceu-me seu colo. Fazia questão que eu soubesse que eu não estava sozinha.
Na madrugada do dia seguinte, todos consumidos pela dor e pela tristeza, algo aconteceu. Eles começaram a rezar e me chamaram para entrar no grupo. Nessa hora, a filha mais velha, que um dia havia me maltratado e questionado minha lealdade ao seu pai, me olhou e me pediu desculpas, e, naquele momento de desespero, perdoamos nossas diferenças e nos aceitamos pelo amor que nos unia a ele.
Às 7h40 da terça-feira, do dia 12 de abril de 2011, vencidas pelo cansaço, nós três - eu e as duas meninas - cochilamos simultaneamente. Eu estava sentada em uma cadeira e, ao recostar minha cabeça sobre meus joelhos, ouvi chamarem meu nome duas vezes. Acordei. Minha irmã, que naquelas alturas havia conseguido driblar a segurança do hospital e estava conosco, disse que ninguém naquela sala havia me chamado. Voltei a recostar a cabeça. Por pouco tempo. O suficiente apenas para que ele finalmente descansasse e pudesse então partir.
E partiu assim como viveu: lutando com todas as suas forças. Digno. Correto. Fiel.
VOCÊ ESTÁ LENDO
História de nós dois
No FicciónA série Anônimos conta histórias reais e impressionantes de personagens comuns. Domingo, 10 de abril de 2011, quase meia-noite... Sozinha, ali, naquele leito de hospital, me dei conta de que o amor da minha vida estava me deixando pra sempre. Já sem...