Confissões

196 50 36
                                    

"Não se mete, fica na sua.", repetia  para si mesmo.

- Posso ver?- pediu, após algum tempo.

Dani não respondeu, era a primeira vez que alguém descobria o que ela fazia e não sabia ao certo se isso era bom ou ruim.

- Foi mal, eu não quero me intrometer na sua vida.

Dani sentiu as lágrimas arderem nos olhos, claro que ele não queria se intrometer, ninguém queria, ela mesma não queria.

Rafa ouviu-a chorar baixinho.

-Eu passei um ano num sítio para recuperação de viciados em drogas.- confessou ele.

Dani olhava para o chão, não sabia o que falar, podia parecer egoísmo e talvez fosse mesmo, só que não sabia lidar nem com a própria vida como podia falar qualquer coisa sobre a vida dos outros?

E o silêncio entre eles que antes era um bálsamo agora tornou-se flagelo, doido e doído...

Dani estendeu o braço para ele.

Antes de puxar a manga da blusa para cima, Rafa olhou-a nos olhos. Foi a primeira vez que ela sentiu-se vista, notada.. de verdade.

Os cortes não eram profundos, mas eram muitos. Diversas marcas, alguns cicatrizados outros quase. Ele acariciou as cicatrizes com o polegar, ela continuava chorando baixinho,fitando o chão.

Após um minuto ele abaixou a manga da blusa dela. Dani virou novamente de costas. Rafa também.

Silêncio bálsamo...

- É foda...-disse ele.- A vida tinha que vir com um manual de instruções.

Dani sorriu, estranho alguém dizer isso.

- Em caso de dúvidas ligue zero oitocentos Deus.-continuou ele.

-Por que Deus?

- Não foi Ele que nos criou? Pois então. Produto com defeito é responsabilidade do fabricante.

- E se o defeito for por uso inadequado?

- Aí ferrou.

Os dois riram.

- O que  você usava?-perguntou ela.

Rafa respirou fundo antes de responder:

- Cocaína.

Silêncio flagelo.

Rafa lembrou-se de tudo o que fizera pela droga e sob o efeito dela, das risadas quando estava bem louco, das lágrimas quando estava tendo uma overdose e dos gritos da mãe de não morre. Sim foi preciso ver o filho tendo uma overdose para a mãe perceber que o garoto precisava de ajuda.

Foi difícil se livrar do vício, na verdade ele nem sabia se tinha se livrado mesmo, sabia que evitava a droga para não ter que passar por tudo mais uma vez. Coragem ou covardia?

-É...-disse ela- É foda mesmo.

Rafa esboçou um sorriso mais pela forma como ela falou do que pelo que falou.

- Eu já fumei um baseado.-confessou ela- Foi na sétima série, no banheiro da escola, mas engasguei e tossi sem parar, minhas colegas ficaram apavoradas... por fim alguém nos entregou, fiquei três dias suspensa e meus pais fizeram um sermão daqueles. 

Silêncio bálsamo.

- Aminha avó diz que adolescentes são crianças brincando de serem adultos.- disse ele.

- Talvez ela tenha razão. Algumas brincadeiras divertem outras machucam.

Faz Parar...Onde histórias criam vida. Descubra agora