Cap 12

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"Na hora da raiva, você perde a coerência, a razão, a compostura e até se bobear, a linha. O que fazer se nessa hora quem domina é a emoção, pura e irracional?"

- quem perdeu o juízo foi você seu imbecil, que me deixou plantada horas e horas, sozinha, a noite, te esperando. Eu não sou árvore que fica plantada o resto da vida. Então, não me peça satisfação de onde eu fui. Entendeu?- berrei com o dedo ainda apontado para a sua cara pregueada de raiva.
- você que é indeliquente e não carrega nenhum celular com você.
- eu sou o QUÊ?- gritei mais alto.
Eu estava completamente transtornada. E lembrando que eu não raciocinava quando ficava assim
- você é....
- não repita. Se você tem amor a vida. Não repita. Eu te mato, Kauã. Eu faço picadinho de você.
- para com isso! - ele berrou junto- eu tive uma emergência na delegacia e na consegui sair. Foi um inferno trabalhar lembrando que você estava me esperando. Não tinha como te avisar. Você não tem a merda de um telefone. Mas você sabia onde eu morava, porque não foi para casa?
Ele passou as mãos pelo cabelo, parecendo desorientado.
- Kauã, eu te conheço a menos de uma semana. Você me dá o bolo e acha que vou aparecer na sua casa?
Eu já estava mais calma e me afastei. A proximidade com o seu perfume não me fazia raciocinar direito.
- eu não te entendo, sabia. Eu abri meu apartamento pra você e falei que cuidaria de você. Que parte não entendeu?
- eu entendi todas as partes, inclusive a que cai de paraquedas na sua vida e sou um estorvo que você tem que lidar. Você não é nada meu. Não tem que zelar por mim!
Ele me olhou magoado. E zangado!
- Nicolle, eu não sei como você pode imaginar isso. Eu estou tentando viver longe de você sem morrer de preocupação. Eu não dormi a noite toda tentando te achar e agora usei o trabalho para entrar na fábrica e falar com você. E você vem me dizer que é um estorvo? - ele exclamou.
Suspirei e resolvi que estava na hora de colocar as coisas no seu devido lugar.
- o que você quer de mim? É sexo? É por uns dias? Eu preciso saber da verdade. Se vou ficar na sua casa por um dia, dois. Quantos dias você leva para se cansar de uma mulher?
Ele não respondeu e me olhou horrorizado.
- eu sou adulta e sei a muito tempo lidar com abandono e desprezo. Não precisa se preocupar em ferir meus sentimentos.- completei diante do seu silêncio.
Ele deu um passo à frente e levou a mão ao meu rosto, colocando uma mecha de cabelo atras da orelha. O toque fez um arrepio percorrer o meu corpo e tentei ignorar tudo que ele causava em mim. Eu dizia que era adulta, no entanto meu coração já estava em frangalhos imaginando sua resposta.
Eram poucos dias.
Mas era tão intenso, que ele significava para mim, muito mais do que eu poderia admitir.
- eu não sei o que fizeram com você. Nem quero imaginar para não enlouquecer. Não sei que formas de amor você conhece ou desconhece- seus olhos atravessavam minha alma- eu não quero só sexo. Eu nem sei o que eu quero, mas sei que você é importante pra mim. Sei que quero cuidar de você e me tem sido insuportável te ver machucada.
Ele me abraçou e me apertou contra o seu peito. Tão apertado, que me faltou o ar.
- não faça mais isso comigo. Vou te dar um celular. Não suma de novo. Se for necessário para que você entenda, não faremos sexo por enquanto. Eu só preciso que você compreenda.
- eu já compreendi. Acho que já podemos voltar a falar sobre dormirmos juntos- falei sorrindo.
Era uma brincadeira. Com um pingo gigante de verdade.
Ele sorriu e me olhou.
- você me faz sorrir, Nicolle. Isso é bom, muito bom. Você é um remédio para minha alma.
Um remédio próximo para vencer, pensei.
- agora que você já desvendou seu caso de desaparecimento, acho que devemos voltar ao trabalho.
- sim, acho que devemos, mas não antes de beija-lá de novo.
Não foi fácil nos separamos. Antes que ele fosse embora, enfiou um celular no meu bolso e me fez jurar andar com ele vinte e quatro horas do dia.
Voltei envergonhada para exercer meu trabalho e agradeci que ninguém prestava atenção suficiente em mim para notar meu constrangimento.
Quando estava saindo perto do anoitecer, exausta, alguém me chamou.
- pediram para te entregar esse papel- um estranho falou, me estendendo um pequeno pedaço de papel branco.
- obrigada.
Quando abri, tinha um telefone e um endereço.
Eu tinha um encontro marcado para o o outro dia. Acho que nenhum ser humano do mundo era capaz de causar mais encrencas que eu.
Guardei no bolso e decidi que no outro dia falaria com ele, desmarcando. E que o Kauã não descobrisse ou eu estaria ferrada.
Assim que coloquei os pés na calçada, já o avistei. Sorrindo pra mim.
Corri e voei no seu pescoço.
- meu Deus, tudo isso é saudade?- ele perguntou me enchendo de beijos e cambaleando.
- simmmm. Eu confesso que ainda fiquei com medo, você me deixou esperando, então....
Era brincadeira. Mas seu sorriso desapareceu e a cara de bit bull raivoso apareceu.
- eu estou brincando, Kauã- falei parecendo óbvia- é saudade pura.
- eu não sou fã de brincadeiras- ele disse ainda bravo.
- mas eu gosto. Então me aguente. Eu tenho um defeito terrível!
- não vejo como você seja capaz de ter defeitos.
As palavras se transformaram em silêncio e ele me olhou intensamente, segurando meu rosto nas suas mãos. Ele parecia minúsculo perto delas.
- mas eu tenho. Adoro fazer o que irrita as pessoas. Você acabou de cometer o pior erro da sua vida me contado que odeia brincadeiras. Vou fazê-las com frequência.
- sou capaz de aceitá-las. Se for para te beijar no final.
E lá estávamos nós, novamente nos beijando no meio da rua, como dois adolescentes.
- vem- ele falou abrindo a porta do carro, quando nosso agarramento foi ficando indecente demais para o horário- vou te levar para jantar.
- você e sua mania de só pensar em comer.
Antes que ele falasse coisas depravadas com duplo sentindo, entrei no carro e bati a porta.
- será que você pode me levar em um lugar antes?- pedi.
- se for a um motel no meio do caminho, eu aceito.
- Kauãaaa. Como você é malicioso. Não, não é um motel. Quando você me trouxe para o trabalho cedo, reparei que passamos em um parque de diversões na junção da avenida Getúlio Vargas com a rua Roraima. Vamos passar lá?
Juntei as mãos, rogando pelo pedido e olhei fazendo a maior cara de drama do mundo.
- nem morto - ele falou secamente.
Foi tão seco seu tom de voz, que nem retruquei.
Em um instante ele era fofo, no outro um verdadeiro troglodita.
Fechei a cara e não falei mais nada. Eu também sabia ser chata.
- não vai mais falar comigo?- ele perguntou depois de alguns minutos de silêncio.
- nem morta-falei secamente.
Ele tirou uma mão do volante e tentou pegar a minha que estava em cima da perna. Puxei-a e coloquei fora do seu alcance.
- qual é Nicolle, eu sou um delegado, respeitado da polícia. Você quer que fique brincando em um parque de diversões feito um idiota? Eu tenho uma reputação a zelar.
Continuei quieta. Muda. Paralisada.
- vai continuar sem falar comigo?- ele perguntou novamente, dessa vez, o seu tom de voz era mais suave.
- qual é Kauã, eu sou uma mulher, respeitada na sociedade. Quer que eu fique falando com um idiota? Eu tenho uma reputação a zelar.
Ele me olhou chocado. Eu sorri por dentro. Eu sabia ser muito má.
- você acabou de me chamar de idiota?
- sim. Economizei nos elogios. Posso piorar se você quiser.
Emburrei e assim fiquei. Até me dar conta que ele estava estacionando o carro em frente o parque. Bati palmas feito boba e o abracei. Muito!
- obrigada- distribui beijos por todo o seu rosto- te adoro por isso.
- me adora por te trazer no parque?- ele sorriu.
- sim. Te adoro por isso.
- e por eu ser um idiota?
- por isso também. Tenho uma queda por homens idiotas.
Seus lábios colaram nos meus e os dois estavam sorrindo. Eu estava feliz.
Me diverti como nunca. Comemos cachorro quente, fui em quase todos os brinquedos e ele, em nenhum. Única coisa que consegui fazer ele se interessar foi o tiro ao alvo. Resultado: eu estava com uma ursa gigante nas mãos que apelidei de Carina, lembrança da minha mãe.
Quando entramos no apartamento, os três, percebi que pela primeira vez eu não tinha pensado em nada que não fosse sorrir. Não tinha doença, não tinha meu pai, nada.
- eu preciso de um banho- falei.
- precisamos- ele completou.
Olhei para avaliar e sua camisa continuava impecavelmente branca. Eu estava descabelada e com roupa toda amassada. Mas não discuti.
- quem vai tomar banho primeiro? Pode ser que também você tenha mais de um banheiro e também se você quiser ir primeiro....a casa é sua- eu estava desembestando a falar, já nervosa com a possibilidade de tomarmos banho juntos novamente- eu não ligo de esperar. Eu tenho muita paciência e o banheiro é grande também....
- Nicolle, chega- ele me cortou- já sei que está nervosa. Pode ficar tranquila. Vamos tomar banho juntos. Dessa vez sem banheira e sem espumas!
Tranquila? Eu conhecia essa palavra? Qual era o significado mesmo?

Por um amor como dos livros (degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora