Cap 6

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"Não importa as distâncias, sejam elas emocionais, físicas ou sociais. Se é amor, vai acontecer"

Trabalhar eu trabalhei. Agora, me concentrar foi tarefa impossível.
Quando o expediente terminou, fui correndo ao banheiro ver o que conseguia fazer com minha aparência.
Soltei os cabelos, passei um batom nos lábios e agradeci por ter um pó na bolsa. Alisei minha roupa e olhei para o espelho, analisando o resultado. Meu rosto estava em três cores agora: verde, roxo e o bege de pó. Meus cabelos estavam achatados como se eu tivessem passados o ferro. Minhas roupas estavam amassadas por um dia exaustivo de trabalho. Enfim, eu estava pronta se fosse para ir em um baile de Halloween.
Que droga! Me deu vontade de desistir, mas pelo que eu conhecia do kauã, ele estaria me esperando na frente do portão da fábrica e eu não conseguiria fugir dele. Até porque eu não queria. Isso era bem contraditório.
Bom, ele que tinha pedido pra me ver, então teria que se contentar com isso.
De longe já o avistei. Deveriam fazer um retrato dele e colocar na praia de Copacabana. Com toda certeza, atrairia milhares de mulheres turistas só pra vê-lo. Era uma forma de empreendedorismo, sabe. Um banner gigante do senhor músculo, à frente um barzinho, servindo tequila a moda kauã. E uma loja de souvenirs, todos as lembranças com as fotos dele.
Era um exagero! Eu sei. A doença já afetava meus neurônios.
Mas ele estava encostado no carro, com as penas sobrepostas, os braços cruzados e aquela camisa branca.....se eu fosse sua namorada, compraria uma camisa branca para cada dia da semana. Na cama seria camisa branca e cueca. Na praia, camisa branca e sunga. Nas festas, camisa branca e gravata borboleta.
- Nicolle, você está bem?- ele perguntou me olhando profundamente.
- tendo pequenas vertigens, pensamentos indevidos e ideia malucas- falei sorrindo- efeitos colaterais dos medicamentos que tomei para o pé- completei.
Eu era uma verdadeira catástrofe perto dele. Olha o que eu estava dizendo.
- posso saber o teor dos pensamentos indevidos?
- NÃO!- falei mais rápido do que o normal- coisa novas sobre trabalho.
- e o que no trabalho pode ser considerado um pensamento indevido se você não estiver dormindo com o chefe?
Fiquei pink!
- coisas como, como.....odiar seu chefe!
- vamos fingir que eu acredito. Até você ir embora, descubro.
Ele abriu a porta do carro e fez sinal para que eu entrasse.
Assim que me sentei,ele me encarou antes de sair.
- já te disseram que você conta mentira muito mal, Nicolle?
- não, eu acho que não- falei sendo sincera.
Eu sabia disso, mas ninguém precisou me dizer. Até porque, eu nunca contava mentiras antes de conhecê-lo.
- então vou ser o primeiro a te explicar. Toda vez que você conta mentira- ele deu partida no carro e saímos, não sei para onde- você pisca excessivamente, você gagueja e passa a mão pelos cabelos. Para completar, você abre a boca, como se buscasse palavras e elas saem em forma de frases mal formuladas.
- eu não tinha prestado tanta atenção em mim, dessa forma. Me parece que em três dias, você já tem um diagnóstico da minha pessoas. Mais alguma coisa a acrescentar?-perguntei ironicamente.
- várias coisas a acrescentar.
Ele mexeu no som e colocou uma música triste para tocar.
- você sorri, mas seus olhos não. Tem alguma coisa por trás do seu olhar que eu ainda não decifrei, mas perpassa tristeza. Estou descobrindo ainda.
Eu estava perplexa. Ninguém sabia tanto sobre mim. E ele era um estranho. Olhei inconformada e sem conseguir pronunciar nenhuma palavra.
- tem mais esse detalhe. É muito fácil te surpreender e te deixar sem palavras. E eu adoro fazer isso.
Eu o encarei em silêncio, até ele estacionar o carro em um restaurante que fica perto do trabalho. Era nunca tinha ido lá.
Assim que adentramos o restaurante, ele escolheu uma mesa em um canto reservado. Puxou a cadeira para que me sentasse e se posicionou na minha frente. Tentei ficar relaxada e sorrir, mas estava difícil.
Isso me parecia um encontro e eu nunca tive um encontro em toda a minha vida. Eu sei, não é normal para uma garota de 21 anos.
Os diversos problemas da minha vida, juntando a minha timidez, a minha falta de amigos e dinheiro para sair, resultaram nessa aberração.
- o que você quer comer?- kaua perguntou com o cardápio nas mãos.
- o que você escolher, eu como.
- essa não é a resposta certa, Nicolle.
- não?
Olhei confusa.
- não. Você deve sempre ter suas escolhas, nunca se submeter a dos outros e isso começa desde a comida que você come.- ele falou autoritário.
- eu gosto muito de massa. Pode pedir lasanha pra mim.- respondi sem graça.
- ei! Não fique triste1- falou percebendo que meu sorriso se apagara.
Era muito difícil compreender ele. Um hora estava sendo gentil e no mesmo instante se tornava aquele delegado que me criticava.
- eu não estou triste. Eu nunca fico triste.
Olhei para ele que sacudia a cabeça.
- todo mundo fica triste e eu tenho o dom de fazer as pessoas se entristecerem.
Não dissemos mais uma palavra até que a comida não foi servida. O silêncio era constrangedor e eu ficava remoendo sobre seu dom de deixar as pessoas tristes. Será que ele era como meu pai? Porque ele sim tinha essa façanha.
Se tinha algo em mim que as pessoas sempre comentavam, era a facilidade com que eu sorria. Não tinha um dia sequer que eu não fazia isso. E se tinha uma coisa que meu pai sempre conseguia era apagar esse sorriso.
- você não vai comer?- ele perguntou observando que eu mexia na comida e pouco ingeria.
- eu não sou de comer muito.
Eu estava cada dia conseguindo me alimentar menos. Eu não tinha fome.
- você não comeu nada. É diferente de não comer muito. Quer me contar o que anda acontecendo?
Ele me olhou preocupado e levou algumas garfadas na boca enquanto esperava minha resposta.
- não tem nada acontecendo.
- eu não acredito em você, já disse. Olha o que você está fazendo, mexendo no cabelo e abrindo e fechando a boca sem parar.
Que droga! Ele era muito observador.
Ele suspirou, me tirando do devaneio.
- vamos esclarecer algumas coisas. Isso é o que?
Apontei para nós dois.
- estamos em um restaurante, jantando.
- jura? Achei que estivemos em um zoológico, dando comida para os bichos.
Soltei os ombros, desanimada.
- você quer classificar o nosso jantar? Acho que podemos dizer que é um encontro.
Sorri. Isso mesmo, eu sorri feito uma idiota. Eu estava gostando de ter um encontro com um troglodita. Onde ficava minha lista, meu amor como dos livros? Ele passava bem longe.
Ele continuava sério. Ele nunca sorria. E ficava tão lindo quando fazia isso. Não que ele estivesse feio. Longe disso.
- você tem encontros sempre?
Eu não seria mais uma na sua lista. Ou talvez eu nem seria uma. O pensamento me deixou triste. Eu estava com sérios problemas mentais, juro, não era normal ficar babando por alguém como eu estava fazendo.
- eu tenho encontros sempre. Mas eles não acontecem em restaurantes.
- não? E onde você gosta que esses encontros aconteçam.
- na minha cama.- ele constatou satisfeito.
Sim Nicolle, na cama dele sua mula!
Revirei os olhos e senti meu rosto queimar.
- você quer um encontro comigo na sua.....sua....
- cama, Nicolle.- ele completou a frase- acho que esse é o fim dos encontros. O restaurante é o meio para este fim.
Simples assim. Muito simples. A não ser pelo fato de que eu nunca tinha ido para cama com ninguém, ele era um estranho que conhecia a dois dias, era mais bruto que um cavalo, e eu estava de Calcinha bege. Constatei que a Calcinha era o maior problema. E não, não era fio dental. Estava mais para fita adesiva.
- eu não vou para a cama com você, HOJE!
O hoje saiu com um ênfase desnecessário. No entanto, seria um desperdício estar morrendo e não ir para cama com aquele homem.
- eu sei.- ele falou calmamente.
Estendendo sua mão na mesa, ele alcançou a minha e a apertou.
- sabe? Mas este não é o meio para o fim?
- seria. Se você fosse com todas as outras mulheres que saem comigo. E você não é. Hoje o que vamos fazer, vai ser trocar alguns beijos e abraços. Se você permitir posso deslizar lentamente minha mão sobre a sua bunda, sutilmente.
Ele falou com um brilho nos lábios e o desenho de um pequeno sorriso malicioso no rosto.
Eu tinha parado de respirar e suspirei. Eu SUSPIREI!
Assenti, um pouco insegura. Eu queria a sua mão na minha bunda? Neguei com a cabeça. Eu não sabia.
- sim ou não?
Ele me fitava esperando a resposta.
Então soltou minha mão, se levantou e arrastou a cadeira, colocando ela do meu lado.
Sentando bem próximo a mim, ele colocou a mão no meu rosto e me fez olhar para ele.
- você é muito tímida Nicolle. Isso me deixa em uma situação difícil.
Desviei os olhos, frustrada. Eu sabia que conseguir um namorado seria difícil e decepcionar o meu par no primeiro encontro foi desanimador.
- me desculpe. Eu não sei como agir e você pode me levar para casa agora. Não vou mais estragar sua noite.
Suas sobrancelhas se arquearam, obviamente tentando entender o que acabava de sugerir.
- te deixei em uma situação difícil. Eu não sei como agir e estou estragando tudo- expliquei.
Então, pela primeira vez, ele gargalhou.
Eu achei que morreria nesse momento. Quando ele o fez, seus olhos quase fecharam, seus dentes brancos e perfeitos ficaram visíveis, covinhas apareceram nas suas bochechas e o som? O som era perfeito.
Mesmo ele rindo de mim, eu estava gostando. Relembrando que eu estava afetada mentalmente.
- Nicolle, a situação difícil que você me deixa, é pelo fato de que talvez eu não possa nunca mais me levantar dessa cadeira e tenhamos que transformar essa mesa em uma cama.
Enfim a ficha caiu. Eu era pior que aqueles orelhões antigos, que você tinha que dar um soco do lado para completar a ligação.
Eu não fiquei vermelha. Não tinha como ficar, já que eu estava pink. Tentei sorrir.
Ele se aproximou do meu rosto e deixou nosso lábios muito próximos. Senti seu perfume novamente e parei de respirar de novo. Talvez eu não morresse por conta da leucemia. Eu teria um infarto antes.
- eu nunca sorri. Antes de você, eu nunca encontrei motivos. Eu nunca sonhei com nenhuma mulher e tenho feito isso nos últimos três dias.
Seus lábios encostaram nos meus, em um selinho delicado. E ali permaneceram.
Nossas respirações estavam irregulares.
- tudo que eu quero fazer é cuidar de você. Sorrir com você e sonhar com nos dois. E isso é algo novo, assim como tudo pra você. Eu sou virgem em relacionamentos, já algum tempo.
Dessa vez, sem hesitar, ele me beijou. Seus lábios foram agressivos e sua língua pediu passagem para dentro da minha boca. Suspirei e me deixei ser abraçada por ele.
Eu nunca tinha beijado. Mas descobri que gostaria de fazer isso todos os dias e horas que restavam da minha vida!

Por um amor como dos livros (degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora