Cap 15

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Quando amamos, ficamos terríveis. Encontramos dragões em todas as esquinas, marcas de batom em todas as roupas e transformamos todos os perfumes em sinistro. Sorte, que esse detetive perde a força diante do abraço amado.

Calma Nicolle, você deve ter escutado errado!
Não poderia ser o meu ex kaua, gritando aqueles desaforos. Impossível. Não depois que ele me mandou embora da sua vida como se eu fosse um inseto.
Desencostei a cabeça do peito do Leandro e confirmei. Era ele, o senhor músculo, mas lindo do que nunca, me encarando com olhar de ódio.
Aproveitei a raiva que eu estava sentindo dele e de mim, por continuar achando ele lindo, e encostei novamente meu rosto no peito do Leandro. Aproveitei e passei os braços em seu corpo, me apertando em um abraço.
Eu queria que ele visse que estou bem, ótima na verdade. Ele só não poderia reparar em meus olhos vermelhos e no rio de lágrimas que deles escorriam.
- acho que para sua própria segurança, eu recomendaria que você se afastasse da minha mulher e saísse da minha frente.
Senti meus músculos tremerem de raiva. "Minha mulher"! Maldito, eu não era nada e nem dele!"
Empurrei o Leandro e já tomada pela rainha do ódio, o encarei. Apontei o dedo para o seu rosto de cachorro fofo e disparei:
- eu não sei se você já esteve de frente com psicopatas e algum serial Kiler. Eu não sei- balancei a cabeça feito louca- mas olha aqui, eu acho que você não entendeu bem. Eu vou matarrrrr você, kaua. Vou picar seu corpo gostoso e te colocar na mala. Então, some da minha frente agoraaa.
Ele fechou os olhos e respirou fundo, antes de responder.
- eu não vou discutir com você no meio de um restaurante e nem vou bater nesse cara, hoje! Só tem um porém, Nicolle. Eu não gosto que me desobedeçam. Então, se afaste agora é venha comigo. Você sabe que vai ser o melhor.
O quê? O melhor? Pra quem?
Não resisti. Gargalhei em meio às lágrimas. Um risada sinistra e cheia de sarcasmo.
Olhei para o Leandro, que parecia indignado.
- me desculpe, será que você me dá um minuto? Eu vou ali fora matar alguém e já volto pra terminaremos o jantar.
Ele sorriu sem graça e assentiu.
Sai marchando para fora do restaurante e fui seguida pelo infeliz que iria morrer.
Assim que botei os pés na calçada, já disparei.
- não estamos mais no meio do restaurante. Então já posso te matar. Qual o seu problema, cara? Não cansa de me machucar?
- você que não se cansa de me desobedecer, Nicolle. Eu disse pra você que ia viajar e que voltaria amanhã. Simples assim.
Ele cruzou os braços e senti vontade de esmurra-lo por ser tão arrogante.
- meu Deus! Olha o que você faz comigo. Você me usa, abusa e depois joga fora. Para. Eu não quero que você me faça sofrer, kaua. Eu não aguento mais sofrer......
Perdi a voz. Eu queria sumir, matar ele, beijar e....
- eu não quero te ver sofrer. Eu quero cuidar de você.
- Cuidar? Eu que preciso te dizer agora: que formas de amor você conhece ou desconhece? Se esse é o seu "cuidar", eu fico imaginado o seu descuidar. Qual é a graça de me fazer chorar? O que você ganha com isso?
Cruzei os braços e esperei sua resposta.
- eu nunca ganho nada, Nicolle. Eu sempre perco, esse é o problema.
Fiquei sem palavras diante da sua afirmação. Olhei por traz do ódio aparente do seu olhar e vi uma tristeza profunda, que vinha da alma. Tinha alguma coisa muito terrível acontecendo com ele. Tive certeza disso.
- vamos fazer o seguinte, kaua. Que tal se você continuar seguindo sua vida e me deixar em paz? Eu já tenho problemas suficientes e não preciso de um cara casado e com filhos para complicar minha situação.
Ele ficou imóvel e me olhou atônito.
Dei uma risada baixa, que quase saiu como um choro. Ha! Eu tinha descoberto seus segredos. Covarde.
- você entendeu tudo errado. Não tenho mais mulher e não tenho mais filho.
- eu vi a foto. Não se deixa uma foto daquelas quando você se separa de uma mulher, a não ser que Ainda a ame muito.
- estamos separados sim. Por uma eternidade. Estão mortos Nicolle.
- ah, meu Deus!- coloquei a mão sobre a boca, chocada.
Me senti uma idiota e sem coração, procurando um buraco bem profundo para se esconder. Senti minhas bochechas queimarem. Eu estava constrangida e tocada.
- me desculpe, eu não....não imaginava...
- será que podemos conversar em outro lugar?- ele pediu, já recuperando o controle. Sua voz já era firme e mandona como sempre.
- eu estava em um encontro, então....
Tudo bem. Ele tinha perdido a família, mas isso não justificava o fato de ter me tocado da sua casa como uma barata, depois de me levar para a cama.
- se não for agora lá dentro do restaurante e acabar com essa palhaçada, vou te jogar nas costas e te carregar daqui. Você decide.
Ele franziu a testa e cruzou os braços, esperando minha decisão.
- nossa, como você é amável. Me impressiona como me dá sempre boas opções.- falei irritada- vou lá, me despedir do cara, só porque você já estragou meu encontro.
- isso não era um encontro- ele afirmou.
- ah, mas era mesmo. Um ótimo encontro, por sinal.
Quando ele deu um passo para frente, querendo cumprir sua promessa de me carregar a força, sai correndo para dentro do restaurante.
Me sentindo péssima, me aproximei da mesa em que o Leandro estava sentado, olhando para o teto. Ele abriu um sorriso quando me viu.
- Leandro, eu quero te pedir desculpas. Meu irmão é muito ciumento. Lamento, mas vou ter que ir embora. Ele veio me avisar que uma tia minha está doente.
- tudo bem, Nicolle. Você tem muitas tias. Entendo.
Deu um sorriso sem graça e assenti.
Sem mais nada a dizer, dei um tchau de longe e sai, em direção à perdição da minha vida e a condenação da minha alma.
Quando me deparei novamente com ele na calçada, sua cara nao era nada amigável.
- entra no carro.
Tá, simples assim. "Entra no carro". Hurg!!!'
- não fique me remendando, Nicolle. Odeio isso.
Droga!
Eu tinha falado em voz alta? Eu disse, ele me tirava do controle.
- o que você não odeia, Kauã?- perguntei o encarando, enquanto ele ligava o carro.
- no momento nada. Daqui a alguns minutos, quando minha raiva por você passar, você continuará sendo a única coisa no mundo que eu não odeio.
Aiiiii, foi bruto, mais foi muitooo fofo!
Depois dessa declaração, decidi ficar quieta. Porém, minha boca nunca foi muito obediente.
- onde você vai me levar?
- para o meu apartamento.
- eu não vou para a cama com você hoje.....e acho que....nunca mais.
- existem outros lugares que se pode fazer sexo, Nicolle. Se você não quer, dispensaremos a cama hoje e vamos explorar outros locais do apartamento.
Um sorriso malicioso se formou em seus lábios. Era o primeiro do dia. Eu não sabia se o matava pelo comentário, se respirava novamente ou se sorria por ver ele sorrindo.
- só não vou te matar, porque você sorriu e o seu sorriso, definitivamente, mexe comigo.
- e você, definitivamente é a única pessoa que consegue me fazer sorrir. Não faça mais isso, por favor, não saia da minha vida sem me consultar. Eu preciso de você pra sorrir.
Aquilo era uma declaração de amor? Parecia que sim.
Tomada por uma alegria repentina, liguei o som do carro e passei o resto do percurso cantando.
Assim que entramos no apartamento, as coisas começaram a ficar estranhas novamente. Ele ficou sério e eu preocupada.
- vou pegar uma bebida. Você quer alguma coisa?- ele perguntou, já tirando a camisa.
- você tem oxigênio na geladeira? Ou então, pode ser água mesmo.
Abri meu melhor sorriso e o esperei lançar um olhar de reprovação. Então, ele gargalhou, fazendo todo o sangue do meu corpo voltar a circular e minha bochechas queimarem.
- você é um presente na minha vida, tenha certeza disso.
Depois desse comentário, ele saiu para pagar as bebidas. Qual era o problema a dele? Ele fazia uma declaração dessas e sumia.
Resolvi xeretar. Tirei os sapatos e comecei a andar pela sala, percebendo pela primeira vez outras coisas que não fosse uma parede de músculos.
Ele tinha outros porta retratos com a foto da mulher e do filho. Ele parecia tão diferente. Não era o mesmo Kaua de hoje. Mesmo na foto era visível que ele não tinha preocupações e era feliz.
Peguei uma das fotos na mão, querendo absorver aquelas informações. Eu queria aquele kaua da foto comigo. Não esse mar de ódio que ele se afundava a todo o tempo.
- era um domingo, como todos os outros- escutei ele falar e coloquei correndo o porta retrato no seu devido lugar.
- me desculpe.
Ele estava com um copo de uísque nas mãos e me encarava profundamente.
- todos os domingos, era uma festa. Era o único dia que eu não me afundava no trabalho. A empresa do meu pai era a minha vida, mas nos domingos eu me permitia aproveitar a minha família. Acordávamos bem cedo, tomávamos café da manhã juntos. A Ana me mimava, fazia meu bolo preferido e eu era acordado pelo Arthur, pulando em cima de mim na cama e me enchendo de beijos.
Senti meu peito apertar pela imagem e dei alguns passos, querendo me aproximar dele.
Ele esticou as mãos, me impedindo.
- me deixa falar tudo, ou não vou conseguir.
Assenti. Empurrei algumas almofadas do sofá e me sentei, abraçando meu corpo. Eu estava angustiada pelo que viria a seguir.
- pode dizer, não vou me aproximar.
- se você se aproxima, sinto vontade de esquece tudo e me afundar em você, como sempre acontece.....mas não dá. Preciso que você saiba....Aquele domingo era mais especial. Era aniversário de casamento. Fazia 4 anos que estávamos casados e a Ana queria ter feito uma viajem. Qualquer lugar seria perfeito para ela. Mesmo com todo o dinheiro que tínhamos, ela se contentava com a minha companhia e a do filho. Eu era tão egoísta, sempre querendo mais, sempre buscando mais. Discutimos na semana anterior, eu não quis. Tinha que trabalhar, não podia me ausentar do trabalho por uma semana. Tantos contratos para fechar, tanto dinheiro em jogo. Eu cheguei até a cogitar isso com meu pai. Ele me olhou horrorizado- ele fechou os olhos, como se estivesse sofrendo de dores. Dores na alma- "Kauã, você sabe que sua ausência aqui uma semana equivale a várias cifras, meu filho". Essas foram suas palavras. E eu concordei, eu achava que ele tinha razão.
"Voltei para casa e discuti com minha mulher. Ela como sempre fingiu esquecer no outro dia e se conformou. O domingo era a prova de que ela me amava muito mais do que eu merecia. Ela fez de tudo para me fazer feliz. E tudo que eu fiz foi convidar ela para almoçar em uma cidade vizinha. Era esse o meu presente de casamento- ele deu um sorriso cheio de tristeza - eu nem presente tinha comprado pra ela, porque eu sempre estava muito ocupado.
Lágrimas acumuladas nos meus olhos escorreram. Ele falava aquilo com tanta dor, que não consegui me conter. Eu queria correr até ele e arrancar aquilo tudo.
Ele não me olhava mais. Tinha a atenção no copo.
- entramos no carro e como o Arthur estava um pouco gripado, ela preferiu ir com ele no banco traseiro. Ele fazia manha e conseguia tudo que queria com ela. Não tinha coração mais bondoso que o da Ana. Então, quando estávamos quase chegando, meu celular tocou. Era meu pai, pedidinho sobre uns documentos da empresa. Ele era pior que eu quando o assunto era trabalho. Quando fui pegar o celular, não vi um cavalo no meio da pista. Por reflexo, puxei a direção. O carro virou na pista, a parte traseira bateu no cavalo e depois capotamos.....
Quando seus olhos se cruzaram com os meus, estavam banhados de lágrimas.
- eu matei minha família, nicolle. Eu não posso sorrir, porque não tenho esse direito. Eu sou um assassino.
Ele colocou as mãos sobre o rosto e soluçou.
E eu o amei tanto naquele momento e solucei junto, percebendo que não poderia mais ficar com ele. Como eu poderia ficar com alguém que já tinha sofrido tanto com a perda, sabendo que os meus dias estavam contados?
Era o fim!

Por um amor como dos livros (degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora