Assédio na sorveteria

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Clara percebeu que Nathaly não estava em sala de aula. Achou estranho que Abasi também não estava. No intervalo entre uma aula e outra, à caminho do bebedouro, passou diante da sala da coordenação e viu um casal saindo de lá. A mulher chorava muito, amparada pelo marido que falava baixinho: - Calma, a Nathaly vai voltar para casa.

Clara se assustou com aquilo e num impulso, entrou na coordenação, deixando Miss Joy assustada:

-O que houve com a Nathaly? Onde ela está? Aconteceu alguma coisa? – perguntou Clara sem esperar a resposta de cada uma de suas perguntas.

- Calma mocinha! Porque está tão ansiosa por saber o que aconteceu com Nathaly? Está sabendo de alguma coisa que nós desconhecemos? – perguntou Miss Joy.

- Não, claro que não! Só que ela é minha amiga e ouvi aquele casal saindo daqui falando o nome dela, e percebi também que ela não está na escola hoje! E Abasi também! – deixa escapar Clara.

- Aqueles são os pais de Nathaly. O que eu posso dizer é apenas que ela não dormiu em casa. Mas, provavelmente deve estar na casa de alguma amiga ou quem sabe de um namorado. Já tomamos as providências junto ao Xerife. Eu não vejo o que pode estar relacionado o fato de Abasi também não ter vindo a aula hoje. Você sabe que ele é novo na escola, tem algumas dificuldades em se deslocar até aqui pois mora longe, e quando seu pai não pode trazê-lo nem deixar a pick-up com ele, fica difícil para ele vir às aulas. Abasi mora numa fazenda no meio do nada – disse Miss Joy empurrando carinhosamente Clara para a porta de saída da coordenação. - Acalme-se Clara. Se souber de alguma coisa que possa nos ajudar, venha conversar, certo?

- Certo, Miss Joy – disse Clara tentando parecer menos assustada e ansiosa.

No final da aula, Clara foi até o estacionamento e percebeu um sedã preto com dois homens vestindo ternos escuros parado perto de sua pick-up. Ela estranhou a dupla mas continuou seu caminho observando o movimento dos dois discretamente. Porém, ao se dirigir para casa, percebeu pelo espelho retrovisor que o mesmo carro saiu do estacionamento como que começando a segui-la. Ela aumentou a velocidade e o carro preto também acelerou. Diminui e o carro também diminui. Já estava nervosa com a certeza de que estava sendo seguida. Mas, inesperadamente e para sua sorte, seu algoz no reluzente Ford GT-40 veio em alta velocidade, passando por sua pick-up, fazendo com que ela freasse com uma "fechada". Era Elvis, mas uma vez a assediando. Clara ainda pode perceber o carro preto passando por eles vagarosamente e indo embora. Ao mesmo tempo que ela estava odiando a presença de Elvis, ele foi sua salvação daquela suspeita de estar sendo seguida. Elvis saiu de seu carro, indo até a janela da pick-up:

-Então Clara, vamos tomar um sorvete? Estou com o resto do dia livre, e talvez pudéssemos nos entender.

-Elvis, não me leve à mal, mas já disse que não quero sair com você. Tenho certeza de que você não se contentaria somente com um sorvete.

-O que é isso, gatinha, não sou este monstro que pintaram prá você! Vai ser só um sorvete e mais nada. Queria me desculpar pelo jeito que falei com você esta semana. Você nem precisa vir no meu carro. Sabe onde é o Joni's Ice Cream Parlor? Estou indo prá lá. Que tal? Hum, acho que você gosta de baunilha. Ou seria chocolate? Ou talvez do pistache? – perguntou Elvis tentando ser engraçado.

- Está bem, eu topo só se tiver o de blueberry. Mas será só esta vez, ok? – disse Clara, talvez retribuindo o fato de Elvis tê-la livrado, mesmo sem saber, daqueles estranhos que a estavam seguindo.

Elvis saiu em disparada, dando sonoridade ao seu nível de testosterona no ronco do possante motor e no cantar dos pneus, deixando Clara para trás.

Quando ela chegou ao Joni's, Elvis já havia ordenado um belo sorvete de blueberry enquanto ele esperava seu waffles com sorvete de chocolate. Ela sentou-se e foi logo dizendo:

- Então Elvis, o que você tem a me falar? O que quis dizer com aquela conversa sobre meu pai? – perguntou sem medo iniciando a conversa com o assunto que mais a preocupava.

- Calma menina, experimenta seu sorvete! Assim você está sendo indelicada comigo! – disse Elvis enquanto inclinava seu corpo fazendo espaço para a garçonete que trazia seu pedido. Clara pode ver que Elvis tentou olhar por sobre o decote da jovem que também trocou olhares com ele.

- Hum! Parecem deliciosos! - disse ele referindo-se mais aos seios da garçonete do que aos sorvetes servidos por ela. - Vamos comer? Me fale mais sobre você, Clara. Sei que veio de Houston pois seu pai trabalha faz muito tempo nas empresas do meu velho. Mas queria saber sobre você.

- Olha, Elvis. Sou muito diferente das meninas fúteis que só vivem de aparência, mas não tem nada na cabeça. Pretendo terminar meu curso e ingressar na faculdade de jornalismo. Tenho um canal no Youtube que já tem milhares de inscritos e pretendo continuar este trabalho. Minha mãe é jornalista, uma apaixonada pela profissão e acho que tenho a mesma garra dela para isto. Quanto ao meu pai, parece que você já tem informações mais do que suficientes para tentar me convencer a ficar com você. Eu me dedico aos estudos ao contrário de uns que usam o esforço de outros para fazer os trabalhos acadêmicos e tirar notas altas. E pretendo ser alguém usando meu esforço sem ter que viver à sombra de meus pais.

- Opa garota! Assim você está me ofendendo!

- Ora, Elvis. Você não tem com o que se preocupar. Seu pai é um homem rico, mesmo que você não consiga concluir seu curso, você irá ser rico o resto de sua vida só com a fortuna que seu pai irá deixar prá você! Com certeza ele quer que você faça administração ou algum tipo de engenharia para ir trabalhar na empresa dele. E é óbvio que ele deposita em você a possibilidade de substituí-lo um dia, não é?

- Sim, garota. Mas enquanto este dia não chega, vou fazendo aquilo que ele não conseguiu fazer: aproveitar a vida.

- Para você, aproveitar a vida se resume em usar o poder do dinheiro para se dar bem com meninas e com os bobos que vivem ao seu redor? Você acha que isso tem valor?

- Pelo que eu saiba, todos os garotos que eu conheço sonham com esta possibilidade. E vou dizer mais. Com o dinheiro e o patrimônio que meu pai tem, mesmo depois que ele morrer, ou até mesmo se for impedido por velhice, vou continuar a aproveitar tudo o que ele deixou. É tanto dinheiro que posso viver como um príncipe até o final dos meus dias.

- Quer dizer que você, na verdade, não se importa com a empresa nem com os milhares de funcionários que trabalham lá, como meu pai, por exemplo?

- Garota, assim que eu puder, vendo a empresa. Interessados não faltam. Já imaginou o seu amiguinho aqui com alguns bilhões de dólares no bolso?

- Você me dá nojo. E também não sou sua amiguinha. Vou embora daqui. Mas antes quero deixar claro que se continuar a me assediar e ameaçar, vou contar para o meu pai, o seu pai, ao diretor da escola e principalmente ao xerife – disse ela levantando-se fazendo sua taça de sorvete cair sobre a mesa.

- Wow, wow, wow! Espere aí, garota! Assim você me obriga a ser mais rigoroso! - Disse ele tentando esquivar-se do sorvete derretido que insistia em escorrer em sua direção. Quando levantou a cabeça, viu que Clara não estava mais ali. Apenas a garçonete com alguns panos para limpar toda a sujeira, insinuando-se a Elvis com seu decote propositadamente com um botão à mais aberto.

O amor que caiu do céuOnde histórias criam vida. Descubra agora