Capitulo 14 - Triagem da C.R.U.E.L.

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Estava a correr, tinha que correr. Não sabia porquê nem para onde. Limitava-se a seguir quem ia à sua frente. Olhou para trás e viu a mãe a carregar uma bebé. Já as reconhecia de outros sonhos. O seu pai dava-lhe a mão enquanto corriam sem parar, todos com uma expressão completamente aterrorizada. Há sua volta desenrolavam-se uma série de acontecimentos como roubos, lutas e até famílias a chorar sobre corpos inanimados.
Um ou dois quarteirões mais há frente chegaram ao seu destino. Um campo de refugiados meio à rasca sem muitas condições mas era o único sítio para onde podiam ir sendo que a casa tinha sido invadida por ladrões que se recusavam a sair.
Joana agarrava-se à sua boneca velha de flanela já meio desfeita recusando-se a guarda-la na sua pequena mochila azul marinha que ela tanto estimava.

- Anda. - Disse-lhe o Pai dando-lhe a mão. Joana tinha que correr para acompanhar os passos do pai, a mãe seguia atrás com a sua irmã enrolada num cobertor rosa com um nome bordado na ponta mas a Joana do sonho ainda era demasiado nova para ler e a Joana a sonhar não teve tempo para o fazer pois com um abanão pararam de andar colocando-se no fim de uma longa fila.

- Pai? - Joana olhou para cima para o seu pai que tentava espreitar por cima das pessoas à sua frente com um ar ansioso. - Pai! - chamou ela outra vez agarrando nas calças do pai e puxando-as mas este nem olhou para a criança.

À medida que a fila avançava Joana ia conseguindo ver o que a esperava. Era uma grande tenda com autocarros cheios de poeira atrás. Entre a fila e a tenda encontravam-se, para além de uma linha de homens e mulheres armados, cinco mesas de metal cada uma com vários tubinhos com algo vermelho e líquido lá dentro, seringas, papéis, ligaduras e uma maquineta que Joana apenas tinha visto uma vez, há cerca de um ano, quando a sua irmã tinha nascido e tinham ido ao hospital. Não se lembrava bem de como as coisas eram antes de tudo aquilo. Parecia distante. Já lá iam dois anos.

Por detrás de cada uma dessas mesas encontrava-se um homem ou mulher de bata branca com uma máscara a tapar-lhes a cara e um ar sério sem um único sorriso. Perguntam-se como se pode ver a existência ou a ausência de um sorriso se a cara está tapada, bem, está tudo nos olhos e mesmo uma criança de três anos consegue entender isso. Joana agarrou-se mais à boneca desviando o olhar para o chão.

Estava quase na vez deles. A fila até estava a andar rápido. Uns eram mandados embora, outros eram deixados passar. Uns chateavam-se, outros choravam, outros sorriam.

- NÃO! Eu estou bem! Não vê?! - Gritou um homem baixo, de pele escura junto de uma das mesas - Eu estou bem!

O homem levou as mãos à mesa com força deitando abaixo alguns frascos com o líquido vermelho.

- Não! Por favor eu imploro! - gritou assim que uma mulher armada levantou a arma na sua direção.

- O senhor está infetado. - foi a última coisa que a senhora de bata disse antes de a guarda disparar.

Joana escondeu a cara na perna do pai e manteve os olhos cerrados até ouvir o barulho de algo a embater no chão, seguido de algo a ser arrastado.

A sua irmã começou a chorar e a sua mãe fazia os possíveis para a acalmar.

- Próximo! - O pai de familia puxou as três para junto da mesa livre onde uma senhora de cabelos negros e olhos verdes os esperava.

- Bom dia. Nós/ - mas a senhora não o deixou terminar.

- Só aceitamos crianças.

- O-Ok. - parecendo atrapalhado o pai olhou para as filhas e para a mulher.

- Idades? - perguntou a senhora numa voz monocórdica. Joana, que passara aquele tempo a observar a senhora perguntava-se como é que uns olhos tão bonitos podiam parecer tão vazios e transparentes.

- Três e um.

- Ótimo. A mais velha.

A criança não se mexeu.

- Não tenho o dia todo. - disse a senhora.

Joana olhou para os pais que a incentivaram a chegar-se à frente.

Voltou a olhar para a senhora e chegou-se à mesa, esta estendeu-lhe a mão.

Joana olhou para ela sem saber bem o que fazer.

- Mão.

Joana levantou a mão pousando-a em cima da da senhora.

- Palma para cima.

Meio desconfiada assim o fez. A senhora agarrou-lhe a mão com força e assim que viu a agulha Joana desatou a chorar.

- Mãe! Mãe! Pai! - gritou desesperada.

A senhora puxou-lhe o braço chegando a manga da camisola mais para cima.

- Já és crescidinha. - Disse e sem mais demoras esperou a agulha do seu pequeno braço.

Joana esperneou nos braços do pai e gritou vendo o líquido vermelho encher a seringa.

Assim que tudo acabou, escondeu-se num abraço do pai.

A senhora colocou um pouco do sangue na maquineta e passados uns segundos apitou e mostrou uma luz verde.

-  A mais nova, se fazem favor.

A mãe deu um passo em frente e o processo repetiu-se com a mais nova.
A senhora colocou parte do sangue da sua irmã na máquina e segundos depois esta apitou e mostrou uma luz verde como a sua.

A senhora escreveu algo numa folha e pegou em dois tubinhos onde colou dois papéis brancos com algo que Joana não conseguia ler.

- Hmm esses não são os nomes delas. - disse a mãe de Joana ao observar a senhora.

- Agora são. - foi tudo. Esta deitou o resto do sangue nos respetivos tubos e fez sinal para alguém atrás de si chamando dois guardas.

Antecipando o que iria suceder Joana agarrou-se à perna da mãe.

A senhora entregou duas folhas a um dos seguranças e apontou para a pequena família.

O mais alto dos dois deu um passo em direção a Joana que gritou de imediato.

- Não quero ir! Não me deixem! - chorava ela em plenos pulmões.

- Vai ter que ser... - disse o pai - Nós adoramos-te. Isto é para o teu bem. Lembra-te disso.

Aos poucos largou a perna da mãe e agarrou a mão do segurança apertando com força outra que tinha a boneca com pequenas lágrimas escorrendo pela sua cara.

Viu os pais despedirem-se da bebe e a entregarem-na.

- Toma conta dela. - disseram-lhe antes de ser puxada pela mão para dentro da tenda.

Aconteceu tudo muito rápido. O súbito movimento da guarda à sua esquerda despertou a sua atenção. Os seus pais caíram no chão de pedra um atrás do outro.

- Não! MAMA! PA/ - um segurança tapou-lhe a boca e a porta da tenda fechou-se.

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