Não ouse me entender | lésbico

1. Reencontros.

✧ Rose

O céu está nublado. É um final de tarde. Fecho os olhos sentindo a brisa fresca bater na minha bochecha, solto um forte suspiro. É estranho ver as coisas mudando tão rápido, a vida passado em um piscar de olhos. Alguns laços se desfazem e outros novos se formam mais forte ainda. Passei a maior parte da minha vida querendo saber o que aconteceu realmente na vida da minha mãe pra ela e o meu pai se afastarem da maneira que se afastaram. E eu ainda não consegui chegar em uma conclusão concreta. Não que eu esteja reclamando do relacionamento dela com a Leona, claro que não. Leona é um amor de pessoa e a maioria das coisas que eu aprendi, devo à ela. Corri tanto tempo atrás da verdade, que quando me deparei com ela não sou o que fazer.

Tudo aconteceu no 7º aniversário de morte da Sarah. A casa estava um silencio mortal — como de costume nesta data —. Mamãe ficou até tarde no trabalho e Leona chegou bem cedo para beber suas magoas. Era até estranho chegar em casa e vê-la embriagada no nível que ela estava, pois eu nunca a vi dessa maneira. Começamos a conversar, e ela começou a me contar tudo. Tudo que minha mãe não teve coragem de me contar todos esses anos. Contou-me como elas se conheceram, na guerra que era entre ela e o Paul. Contou-me também sobre o Ethan. Foi aí que ela soltou sem querer que ele é meu pai biológico. Então tudo começou a fazer sentido. Ela tentou retirar o que disse e até usou a desculpa que estava bêbada e já estava começando a falar besteiras. Eu até teria acreditado nela, se eu não visse a reação da minha mãe parada na porta, nos olhando com uma cara de "não era pra você saber dessa maneira". Minha cabeça ficou uma bagunça depois disso — poxa, eu só tinha 12 anos na época —, mas eu acabei aceitando mais fácil do que pensava essa história do Ethan ser meu pai biológico. Enchi minha mãe de perguntas, mas depois a única coisa que ela disse foi que quando eu tivesse idade o suficiente entenderia que essa história não é tão simples assim.

Meu avô nunca aceitou o casamento da mamãe com a Leona. As reuniões de família sempre acabavam em uma discussão besta e tínhamos que ir embora antes que a policia ou o manicômio fossem acionados. Os vizinhos não aguentavam mais, bom, e nem nós. Vovó já havia tentado diversas vezes faze-lo mudar de ideia, mas ele só não aceitava. Bem, isso foi até ele ficar doente — há dois anos e meio atrás — Ele teve que parar de trabalhar, acabou voltando para Nova York e foi diagnosticado com câncer no fígado. Ele teria que começar o tratamento imediatamente e se não fosse pela ajuda da Leona, bem, ele já teria morrido. Então, eles pararam de brigar tanto. Pelo menos eu acho.

Estou sentada em uma espreguiçadeira, observando as pessoas arrumarem a área da piscina para o aniversário da Leona. Mil coisas se passam na minha cabeça naquele momento, estar de volta em casa depois desses meses em Nova York é um pouco estranho. Há dois meses atrás, mamãe descobriu que Ethan vai ser solto, por causa de bom comportamento, e eu queria muito ter ficado feliz com essa noticia, pois eu gosto muito dele, de verdade. Por mais pequena que eu fosse, ainda conseguia lembrar de alguns dos nossos momentos juntos e guardo com muito carinho a girafa que ele havia me dado. Devo ter ido visita-lo umas três vezes na cadeia, depois do que descobri a verdade, mas por algum motivo eu nunca consegui falar nada. Ele ficou mais surpreso do que eu quando me viu pela primeira vez, mas isso é história pra outra hora.

Então, fui para Nova York nas férias, eu precisava daquilo. Mas desde que cheguei, tenho a sensação de que em qualquer esquina que eu poderia bater de frente com Ethan, e não sei se é isso que eu quero no momento.

— Rose. — uma voz interrompeu meus pensamentos — Rosy.

Solto um pequeno sorriso ao escutar meu nome pela segunda vez naquele sotaque britânico. Olho pra cima e lá está ele.