Devo estas páginas à caridade de eminente habitante do mundo espiritual, ao qual me
sinto ligada por um sentimento de gratidão que pressinto se estenderá além da vida presente. Não
fora a amorosa solicitude desse idumiraldo representante da Doutrina dos Espíritos – que
prometeu, nas páginas fulgurantes dos volumes que deixou na Terra sobre filosofia espírita, acudir
ao apelo de todo coração sincero que recorresse ao seu auxílio com o intuito de progredir, uma vez
passado ele para o plano invisível e caso a condescendência dos Céus tanto lho permitisse – e se
perderiam apontamentos que, desde o ano de 1926, isto é, desde os dias da minha juventude e os
albores da mediunidade, que juntos floresceram em minha vida, penosamente eu vinha obtendo de
Espíritos de suicidas que voluntariamente acorriam às reuniões do antigo "Centro Espírita de
Lavras", na cidade do mesmo nome, no extremo sul do Estado de Minas Gerais, e de cuja diretoria
fiz parte durante algum tempo. Refirome a Léon Denis, o grande apóstolo do Espiritismo, tão
admirado pelos adeptos da magna filosofia, e a quem tenho os melhores motivos para atribuir as
intuições advindas para a compilação e redação da presente obra. Durante cerca de vinte anos tive a felicidade de sentir a atenção de tão nobre entidade do
mundo espiritual piedosamente voltada para mim, inspirandome um dia, aconselhandome em
outro, enxugandome as lágrimas nos momentos decisivos em que renúncias dolorosas se
impuseram como resgates indispensáveis ao levantamento de minha consciência, engolfada ainda
no opróbrio das conseqüências de um suicídio em existência pregressa. E durante vinte anos convivi, por assim dizer, com esse Irmão venerável cujas lições
povoaram minha alma de consolações e esperanças, cujos conselhos procurei sempre pôr em
prática, e que hoje como nunca, quando a existência já declina para o seu ocaso, falame mais
ternamente ainda, no segredo do recinto humílimo onde estas linhas são escritas!
Dentre os numerosos Espíritos de suicidas com quem mantive intercâmbio através das
faculdades mediúnicas de que disponho, um se destacou pela assiduidade e simpatia com que
sempre me honrou, e, principalmente, pelo nome glorioso que deixou na literatura em língua
portuguesa, pois tratavase de romancista fecundo e talentoso, senhor de cultura tão vasta que até
hoje de mim mesma indago a razão por que me distinguiria com tanta afeição se, obscura, trazendo bagagem intelectual reduzidíssima, somente possuía para oferecer ao seu peregrino saber, como
instrumentação, o coração respeitoso e a firmeza na aceitação da Doutrina, porquanto, por aquele
tempo, nem mesmo cultura doutrinária eficiente eu possuía!
Chamarlheemos nestas páginas – Camilo Cândido Botelho, contrariando, todavia, seus
próprios desejos de ser mencionado com a verdadeira identidade. Esse nobre Espírito, a quem
poderosas correntes afetivas espirituais me ligavam, freqüentemente se tornava visível, satisfeito
por se sentir bem querido e aceito. Até o ano de 1926, porém, só muito superficialmente ouvira
falar em seu nome. Não lhe conhecia sequer a bagagem literária, copiosa e erudita. Não obstante, veio ele a descobrirme em uma mesa de sessão experimental, realizada na
fazenda do Coronel Cristiano José de Souza, antigo presidente do "Centro Espírita de Lavras",
dandome então a sua primeira mensagem. Daí em diante, ora em sessões normalmente
organizadas, ora em reuniões íntimas, levadas a efeito em domicílios particulares, ou no silêncio
do meu aposento, altas horas da noite, davame apontamentos, noticiário periódico, escrito ou
verbal, ensaios literários, verdadeira reportagem relativa a casos de suicídio e suas tristes
conseqüências no AlémTúmulo, na época verdadeiramente atordoadores para min. Porém, muito
mais freqüentemente, arrebatavamme, ele e outros amigos e protetores espirituais, do cárcere
corpóreo, a fim de, por essa forma cômoda e eficiente, ampliar ditados e experiências. Então, meu Espírito alçava ao convívio do mundo invisível e as mensagens já não eram
escritas, mas narradas, mostradas, exibidas à minha faculdade mediúnica para que, ao despertar,
maior facilidade eu encontrasse para compreender aquele que, por mercê inestimável do Céu, me
pudesse auxiliar a descrevêlas, pois eu não era escritora para o fazer por mim mesma! Estas
páginas, portanto, rigorosamente, não foram psicografadas, pois eu via e ouvia nitidamente as
cenas aqui descritas, observava as personagens, os locais, com clareza e certeza absolutas, como se
os visitasse e a tudo estivesse presente e não como se apenas obtivesse notícias através de simples
narrativas. Se descreviam uma personagem ou alguma paisagem, a configuração do exposto se
definia imediatamente, à proporção que a palavra fulgurante de Camilo, ou a onda vibratória do
seu pensamento, as criavam. Foi mesmo por essa forma essencialmente poética, maravilhosa, que obtive a longa série
de ensaios literários fornecidos pelos habitantes do Invisível e até agora mantidos no segredo das
gesuetas, e não psicograficamente. Da psicografia os Espíritos que me assistiam apenas se utilizavam para os serviços de
receituário e pequenas mensagens instrutivas referentes ao ambiente em que trabalhávamos. E
posso mesmo dizer que foi graças a esse estranho convívio com os Espíritos que me advieram as
únicas horas de felicidade e alegria que desfrutei neste mundo, como a resistência para os
testemunhos que fui chamada a apresentar à frente da Grande Lei!
No entanto, as referidas mensagens e os apontamentos feitos ao despertar, eram bastante
vagos, não apresentando nem a feição romântica nem as conclusões doutrinárias que, depois, para
eles criou o seu compilador, por lhes desejar aplicar meio suave de expor verdades amargas, mas
necessárias no momento que vivemos. Perguntarseá por que o próprio Camilo não o fez... Pois
teria, certamente, capacidade para tanto.
Responderei que, até o momento em que estas linhas vão sendo traçadas, ignoroo tanto
como qualquer outra pessoa! Jamais perquiri, aliás, dos Espíritos a razão de tal acontecimento. De
outro lado, durante cerca de quatro anos vime na impossibilidade de manter intercâmbio normal
com os Espíritos, por motivos independentes de minha vontade. E quando as barreiras existentes
foram arredadas do meu caminho, o autor das mensagens só acudiu aos meus reiterados apelos a
fim de participar sua próxima volta à existência planetária. Encontreime então em situação difícil
para redigir o trabalho, dando feição doutrinária e educativa às revelações concedidas ao meu
Espírito durante o sono magnético, as quais eu sabia desejarem as nobres entidades assistentes
fossem transmitidas à coletividade, pois eu não era escritora, não me sobrando capacidade para, por mim mesma, tentar a experiência. Relegueios, portanto, ao esquecimento de uma gaveta de
secretária e orei, suplicando auxilio e inspiração. Orei, porém, durante oito anos, diariamente,
sentindo no coração o ardor de uma chama viva de intuição segredandome aguardasse o futuro, não destruindo os antigos manuscritos. Até que, há cerca de um ano, recebi instruções a fim de
prosseguir, pois sermeia concedida a necessária assistência!
Prosseguindo, porém, direi que tenho as mais fortes razões para afirmar que a palavra dos
Espíritos é cena viva e criadora, real, perfeita! Em sendo também uma vibração do pensamento
capaz de manter, pela ação da vontade, o que desejar! Durante cerca de trinta anos tenho penetrado
de algum modo os mistérios do mundo invisível, e não foi outra coisa o que lá percebi. É de notar,
todavia, que, ao despertar, a lembrança somente me acompanhava quando os assistentes me
autorizavam a recordar! Na maioria das vezes em que me foram facultados estes vôos, apenas
permaneceu a impressão do acontecido, a íntima certeza de que convivera por instantes com os
Espíritos, mas não a lembrança. Os mais insignificantes detalhes poderão ser notados quando um Espírito iluminado ou
apenas esclarecido "falar", como, por exemplo – uma camada de pó sobre um móvel; um esvoaçar
de brisa agitando um cortinado; um véu, um laço de fita gracioso, mesmo com o brilho da seda, no
vestuário feminino; o estrelejar das chamas na lareira e até o perfume, pois tudo isso tive ocasião
de observar na palavra mágica de Camilo, de Victor Hugo, de Charles e até do apóstolo do
Espiritismo no Brasil – Bezerra de Menezes, a quem desde o berço fui habituada a venerar, por
meus pais. Certa vez em que Camilo descrevia uma tarde de inverno rigoroso em Portugal,
juntamente com um interior aquecido por lareira bem acesa, senti invadirme tal sensação de frio
que tiritei, buscando as chamas para aquecerme, enquanto, satisfeito com a experiência, ele se
punha a rir... Aliás, o fenômeno não será certamente novo. Não foi por outra forma que João
Evangelista obteve os ditados para o seu Apocalipse e que os profetas da Judéia receberam as
revelações com que instruíam o povo. No Apocalipse, versículos 10 e 11 e seguintes, do primeiro capítulo, o eminente servo do
Senhor positiva o fenômeno a que aludimos, em pequenas palavras: "Eu fui arrebatado em
Espírito, um dia de domingo, e ouvi por detrás de mim uma grande voz como de trombeta, que
dizia: O que vês, escreveo em um livro e enviao às sete igrejas..." – etc., etc.; e todo o
importante volume foi narrado ao apóstolo assim, através de cenas reais, palpitantes, vivas, em
visões detalhadas e precisas! O Espiritismo tem amplamente tratado de todos esses interessantes casos para que não se torne causa de admiração o que vimos expondo; e no primeiro capitulo da
magistral obra de Allan Kardec – "A Gênese" – existe este tópico, certamente muito conhecido dos
estudantes da Doutrina dos Espíritos: "As instruções (dos Espíritos) podem ser transmitidas por
diversos meios: pela simples inspiração, pela audição da palavra, pela visibilidade dos Espíritos
instrutores, nas visões e aparições, quer em sonho quer em estado de vigília, do que há muitos
exemplos no Evangelho, na Bíblia e nos livros sagrados de todos os povos." Longe de mim a veleidade de me colocar em plano equivalente ao daquele missionário
acima citado, isto é, João Evangelista. Pelas dificuldades com que lutei a fim de compor este
volume, patenteadas ficaram ao meu raciocínio as bagagens de inferioridades que me deprimem o
Espírito. O discípulo amado, porém, que, em sendo um missionário escolhido, era também
modesto pescador, teve sem dúvida o seu assistente espiritual para poder descrever as belas
páginas aureoladas de ciência e ensinamentos outros, de valor incontestável, os quais romperiam
os séculos glorificando a Verdade! É bem provável que o próprio Mestre fosse aquele assistente.../
Não posso ajuizar quanto aos méritos desta obra. Proibime, durante muito tempo, levála ao conhecimento alheio, reconhecendome
incapaz de analisála. Não me sinto sequer à altura de rejeitála, como não ouso também aceitála. Vós o fareis por mim. De uma coisa, porém, estou bem certa: é que estas páginas foram
elaboradas, do princípio ao fim, com o máximo respeito à Doutrina dos Espíritos e sob a invocação
sincera do nome sacrossanto do Altíssimo.Yvonne do Amaral Pereira
Rio de Janeiro, 18 de maio de 1954.
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Memórias de um Suicida
EspiritualCom orientação do Espírito Léon Denis, o autor espiritual Camilo Castelo Branco, sob o pseudônimo Camilo Cândido Botelho, descreve à médium Yvonne A. Pereira sua dolorosa experiência após a desencarnação pelo suicídio. O livro visa mostrar a miseric...