III "Homem, conhece­te a ti mesmo"

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Outros cursos fazíamos, não menos importantes para a nossa reeducação, alternadamente
com o da Moral estatuída pelo insigne Mestre Nazareno. Um deles prendia­se à Ciência Universal, cujos rudimentos nos deram, então, a conhecer — dois anos depois de iniciados no curso de Moral
Cristã —, através de estudos profundos, análises tão penosas quão sublimes!  E nestas mesmas
análises entrava a necessidade de estudarmos a nós próprios, aprendendo a nos conhecermos
intimamente!  Exames pessoais melindrosos eram efetuados com minúcias aterrorizantes para o 
nosso orgulho e para a nossa vaidade, paixões daninhas que nos haviam ajudado na queda para o 
abismo, ao mesmo tempo  em que, sendo as aulas mistas, adquiríamos o duplo ensinamento de
dissecar também o caráter, a consciência, a alma, enfim, de nossos pares, como de nossas irmãs de
infortúnio, o que nos conferia valioso conhecimento da alma humana! 
Era lente dessa cadeira magnífica o venerando educador Epaminondas de Vigo, Espírito 
cuja rigidez de costumes, virtudes inatacáveis e energia inquebrantável, infundiam­nos mais que
respeito, verdadeira impressão de pavor! Em sua presença sentíamos, desnudados dos disfarces de
quaisquer atenuantes inventadas pelos sofismas conciliatórios, o peso vergonhoso da inferioridade
que nos assinalava, o opróbrio da incômoda situação de responsáveis por delitos degradantes, pois
dominava as potencialidades da nossa mente a convicção de que não passávamos de rebeldes cuja
insensatez obrigava obreiros abnegados do Mundo Espiritual a sacrifícios permanentes afim de
conseguirem elevar­nos das trevas em que nos precipitáramos. Ora, a vergonha que açoitava
nossos Espíritos em presença de Epaminondas era um suplício, novo e inesperado, de natureza
absolutamente moral, porém, superlativa, que se apresentava nesta segunda fase da nossa situação 
de suicidas em preparo de futuras realizações reparadoras. O emérito educador  auxiliava­nos a esfolhar a própria consciência, levando­a a
desdobrar­se até às recordações remotas das sucessivas migrações terrenas que tivéramos no 
pretérito! Quando perscrutava nossa alma, devassando­a com o olhar cintilante de forças psíquicas
quais baterias de irresistíveis energias, profundos abalos sacudiam os refolhos do  nosso ser, ao 
passo que desejos aflitivos de fuga precipitada, que nos acobertasse de sua presença, como da
nossa própria, alucinavam nossos sentidos! Enquanto Aníbal de Silas, com a ternura consolatória do Evangelho, acendia em nosso seio fachos beneficentes de confiança no porvir, clareando o 
âmbito de nossas vidas com as alvissareiras possibilidades de redenção, Epaminondas arrancava
lágrimas de nossos corações, renovava angústias ao obrigar­nos a estudos no imenso livro da
Alma, arrastando­nos a estados de sofrimentos cuja intensidade e aterradora complexidade, absolutamente inconcebível à mente humana, faziam­nos atingir os limites da loucura! Por  essa
razão o temíamos, e éramos dominados por um sentimento forte de pavor, a par  de angústias
irreprimíveis, que subíamos, diariamente, as escadarias da Academia para com ele aprendermos os
primórdios da terrível disciplina exigida igualmente de antigos iniciados das Escolas de Filosofia e
Ciências do Egito e da Índia: o reconhecimento da inferioridade pessoal para o método da elevação 
moral pela auto­educação! 
No entanto, tais aulas eram tão necessárias ao nosso desenvolvimento psíquico quanto o 
eram as de Aníbal! Eram mesmo o seu prosseguimento, como passaremos a expor mais adiante. Havia, porém, um terceiro curso, o  qual se resumia no ensaio da aplicação, na vida
prática, dos valores adquiridos durante os estudos e observações dos cursos anteriormente
mencionados. Em vez, porém, de nos instruírem para uma "prática profissional", como se diria em
linguagem terrena, esse terceiro aprendizado, orientado para a prática da observância das Leis da
Providência, que, havia séculos, infringíamos, tinha por mentor o lente Souria­Omar e
desenvolvia­se, geralmente, fora do santuário, isto é, do recinto da Escola, de preferência na crosta
da Terra e nos domínios inferiores do nosso Instituto. Aos domingos repousávamos. Ainda mais não éramos que indivíduos cujas faculdades
espirituais pouco  desenvolvidas e, ainda mais, abaladas pelo traumatismo vibratorial provocado 
pelo suicídio, não permitiam labores continuados, como  víamos exercerem nossos devotados
instrutores, que jamais se achavam ociosos. Descansávamos, portanto, divertíamo­nos mesmo,
tomando parte em reuniões fraternas efetuadas pelas vigilantes ou  visitando, em caravanas
amistosas, outros Departamentos da Colônia, inferiores ao nosso, assim revendo velhos amigos e
antigos mestres, como Teócrito, e, dessa forma, prestando solidariedade e conforto a irmãos mais
desditosos do que nós, que se encontrassem, por sua vez, naquelas dependências conhecidas. Nem
assim, como vemos, deixávamos totalmente de exercer atividades. Aprendíamos, ainda! 
Progredíamos em conhecimentos obtendo, nas citadas reuniões, noções de Arte Clássica
Transcendental, de que eram dignos expoentes não apenas nossos mestres, como outros que
caridosamente nos visitavam, e até nossas vigilantes, que ensaiavam com eles nova modalidade de
servir a Deus e à Criação, isto é, utilizando­se do Belo, empregando a Beleza!... pois convém
acentuar que nossos mestres, em sendo cientistas, também se revelavam estetas, enamorados da
Suprema Beleza que se origina do Sempiterno Artista! 
Vejamos, não obstante, em que consistiam as tão importantes quanto apavorantes aulas do 
eminente preceptor Epaminondas de Vigo, o qual, como sabemos, fora mestre de iniciação em
antigas Escolas de Doutrina Secreta, na Índia como no Egito. Em um dos encantadores palácios da Avenida Acadêmica instalava­se a Escola de
Ciências da Universidade do Burgo da Esperança. Majestoso e severo em suas linhas arquitetônicas, ao lhe penetrarmos os umbrais
acometia­nos a impressão de que ali se venerava Deus com todas as forças da Razão, da Lógica e
do Conhecimento!  Sopros de indefiníveis convicções abalavam nossas potências anímicas,
fornecendo­nos a intuição de nossa própria pequenez em face da Sabedoria, ao passo que fortes
emoções infundiam­nos singular respeito pelo Desconhecido que ali depararíamos, levando­nos às
raias do terror! Lembrávamos então de Aníbal. Sua recordação arrastava para nossas lembranças a
imagem dulcíssima do Mestre de Nazaré, a quem em toda a Colônia denominavam o Mestre dos
Mestres, o Magnífico Reitor da Espiritualidade! Sentíamo­nos, então, encorajados, certos de que
estávamos sob sua dependência, efetivamente abrigados em seu redil, por Ele amados e por ele
mesmo protegidos. Exatamente idêntico ao recinto do Santuário onde se ministrava a Ciência do Evangelho, o novo Sacrário apresentava a diferença de ostentar o célebre preceito grego ornamentando em
fulgurações adamantinas o cimo  da tela indispensável, em todas as aulas, para a captação das
vibrações do pensamento: "Homem!  Conhece­te a ti mesmo!" antecedendo a uma não menos
célebre sentença cristã cuja profundidade e excelsitude ainda revolverá o mundo terrestre e suas
sociedades, espécie de autorização do verbo Divino para os trabalhos que se desenvolveriam sob a
invocação de suas Leis: "Ninguém entrará no reino de Deus se não renascer de novo." Tornava­se evidente que os educadores por que nos víamos dirigidos subordinavam seus
métodos às normas estatuídas por Jesus de Nazaré, ao qual inequivocamente demonstravam
venerar como orientador e chefe do movimento impetrado não apenas em nosso favor, como da
Humanidade toda. Que se tratava de iniciados cristãos de alta classe moral não tínhamos, pois, nenhuma dúvida. E se eram filósofos, cientistas, pesquisadores, sociólogos, pedagogos eméritos, como mais tarde tivemos ocasião de verificar, também era fora de dúvida que era na sublime
Escola de Moral e Fraternidade estabelecida pelo Cristo de Deus que extraíam modelos e métodos
para exercerem, entre os homens encarnados e os Espíritos em trânsito, as elevadas aptidões que
possuíam.
Intrigados com tudo quanto nos era dado observar, acometiam­nos, por vezes, vertigens, ao raciocinarmos sobre a realidade da vida que em além­túmulo deparávamos, quando julgáramos
nada mais existir depois que o último bocado de argila ocultasse nosso corpo inerte das vistas
humanas! 
Pressentindo, porém, logo da primeira vez, acontecimentos importantes em torno de nós
próprios, ouvimos que discreto e sugestivo tilintar de uma campainha advertia­nos, atraindo nossa
atenção. Respeitoso silencio  dominou  o recinto. Dir­se­ia que todos os pensamentos se
entrelaçavam na conjugação fraterna de sentimentos homogêneos, enquanto ondas fluídicas
harmoniosas de Mais Alto desciam em jorros de bênçãos iluminativas, protegendo, inspirando os
sacrossantos trabalhos que se seguiriam. Levantou­se Epaminondas de Vigo. Pela primeira vez "ouvimos" sua voz! 
Enérgica, positiva, intrépida, imperiosa, a palavra do novo mestre, daquele que afrontara
outrora o suplício da fogueira por amor aos alevantados ideais da Verdade, estendeu­se pelo salão imenso, vibrando sob as abóbadas que nos abrigavam e como que se decalcando para sempre nos
meandros de nossas almas, acordando­nos as faculdades para novas conquistas morais, mentais,
intelectuais e espirituais! 
Franzino, modesto, venerável com suas barbas longas, que traziam a imaculada brancura
de luminosidades transcendentes, aquele ancião que nos fora apresentado dois anos antes, e em
quem supuséramos a vacilação da decrepitude, agora surgia aos nossos olhos surpresos em atitudes
varonis, qual gigante da oratória, expondo  as bases de uma Doutrina Renovadora até então 
desconhecida para nós, e cujos fundamentos se assentavam na Ciência Universal! 
Inicialmente explicou­nos que cumpria, com efeito, recebermos, em primeiro lugar, os
ensinos morais expostos nos Evangelhos do Redentor, a fim de que, ao encanto de suas palavras
remissoras, adquiríssemos critério suficiente para, só então, atingirmos outros esclarecimentos que, ministrados à revelia da reeducação moral fornecida por aqueles, resultariam estéreis senão mesmo 
nulos, se se não tornassem, antes, prejudiciais! 
A moral divina do Cristo Jesus, porém, saneando, de algum modo, nossa mente e, portanto, nosso caráter, de muita vileza que nos congestionava as faculdades, havia, naqueles dois
anos de aplicação incansável, predisposto  nosso "eu"  para, agora, receber o prosseguimento do 
curso que nos favoreceria habilitações para reerguimento  moral decisivo!  Que, por essa
circunstância, somente agora nos fora dado  entrar em contacto com ele, Epaminondas. Que
faríamos sob sua direção um curso leve, rápido, por assim dizer  preparatório, de Ciência
Universal, denominada, em antigas idades — Doutrina Secreta —, e outrora apenas ministrada a
mentalidades muito  esclarecidas e muito fortes, aptas, portanto, pelas virtudes de que dessem
provas, de penetrarem mistérios de ordem divina, que se conservam, invariavelmente, ocultos às
inteligências vulgares, ociosas ou presunçosas. Que, nos tempos remotos, anteriores ao advento do 
Missionário Celeste, os ensinos secretos só eram ministrados a indivíduos que, durante dez anos, pelo menos, dessem as mais rigorosas provas de sanidade moral e mental; que, em idêntico espaço 
de tempo, demonstrassem, deforma inequívoca, a própria reforma interior, isto é, o domínio das
paixões, dos instintos, dos desejos em geral, das emoções, pela Vontade iluminada com as santas
aspirações do  Bem e os testemunhos das Virtudes. Mas que, com a descida do Mestre
Complacente das Esferas de Luz às sombras da Terra e às regiões astrais inferiores do mesmo 
planeta, fora popularizado o ensino secreto, porquanto sua Doutrina, uma vez firmando­se no 
coração da criatura, habilitá­la­ia a vôos longos no terreno científico­psíquico!  Ainda porque a
Doutrina Messiânica trouxe à Humanidade esclarecimentos outros, rejeitados pelos homens, onde
expressava Ele os valores imortais da Ciência Psíquica! Que, desde então, decretos divinos haviam
ordenado que se desse do ensino secreto a todas as criaturas terrenas como a Espíritos em trânsito 
nas regiões astrais inferiores que circundam o Planeta, pois o Pai Supremo, condoído das
amarguras humanas, oriundas da ignorância, desejava fossem todos os seus filhos iluminados pelo 
sol das Verdades Eternas! Que lutas insanas começaram então os prepostos da Luz a sustentar com
os condutores das paixões inferiores, luta áspera e constante, que se estendia por quase dois mil
anos, e que de todos os recursos já haviam lançado mão os obreiros do Messias a fim de instruírem
os rebeldes com as Verdades Celestes, que teimam em não aceitar! E que, por isso mesmo, novos decretos haviam descido de Mais Alto, para que o Ensino fosse ministrado mais ostensivamente, com toda a eficiência possível, bem assim a maior clareza, não a um ou a dois de boa­vontade, mas
à Humanidade toda, como a todos os Espíritos errantes que desejassem aprender, fossem virtuosos
ou  pecadores, pois que urgia auxiliar a regeneração do gênero humano, já que estava iminente
rigorosa seleção, por parte da Providência, entre os Espíritos e os homens pertencentes aos núcleos
terrenos, porque o planeta sofreria em breve o seu  parto de valores, expulsando para mundos
inferiores os incorrigíveis desde há dois mil anos, para conservar em seu seio apenas os mansos e
os pacíficos
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, os de boa­vontade, para, então, estabelecer­se, não só no planeta como em seus
continentes astrais, aquela era de progresso sonhada pelo Mestre da Galiléia, presidida pelo 
socialismo fraterno estatuído nos áureos códigos da sua Doutrina! Que, por isso mesmo, iríamos
também receber os rudimentos do Ensino Secreto, rudimentos, apenas, o bastante para nos
fortalecermos para a eficácia da reparação que devíamos à Lei, pois éramos ainda muito frágeis, mentes traumatizadas pela violência do ato que exorbitara da Lei da Natureza, caracteres viciados
pelo abuso  de séculos e séculos submersos no demérito da materialidade!  Que o Ensino seria
concedido gradativamente, de acordo com nossas capacidades, sendo por essa razão  que nos
dividiam em turmas homogêneas. Que a Doutrina Secreta em sua plenitude só a conheciam o 
Senhor Jesus de Nazaré, que era Uno com Deus Pai, e seus Arcanjos, falange de auxiliares, como 
que ministros, que eram unos com Ele! Que, pois, começava esse Ensino na Terra, em parcela
diminuta para os homens imersos nas sombras do Princípio, e ascendia em progressão sem limites
até o Infinito do Seio Divino! Por isso mesmo, era chamado ao citado Conhecimento — Ciência
Universal — e que nós outros, míseros suicidas, ínfimos cidadãos do Universo de Deus, párias das
sociedades do Astral, para quem se tornava necessário criar sempre colônias de abrigo, éramos
convidados a partilhar da assembléia luminosa da Verdade, porquanto fora justamente a falta dos
mesmos ensinamentos que nos levara, de queda em queda, até à calamitosa situação da queda
máxima através do suicídio!  E que ele, Epaminondas, em nome de Jesus Nazareno, a quem
deveríamos o ressurgimento de nossas almas para a redenção, e em nome de Maria, sua Mãe, a
quem devíamos o amparo recebido até o momento presente, concitava­nos ao rigor de um ensaio 
para severa iniciação, mais tarde, nos mistérios, pois, da nossa boa­vontade, do nosso valor na
aplicação do experimento presente, dependeriam os êxitos futuros. Vibrante e fecunda até ao deslumbramento, como bem poderá o leitor entrever, essa peça
oratória arrebanhou  nosso sincero interesse; sendo com legítima admiração que, intimamente, ovacionamos o catedrático apenas suspendera o exórdio magnífico. Exprimindo­se em português
clássico, fulgurante para portugueses e brasileiros, e em espanhol sadio e puro para espanhóis, Epaminondas de Vigo fazia fulgir a palavra em inflexões suaves e melodiosas, ou  vibrantes e
fortes qual se um hino literário, que bem poderia parecer  também musicado, se ele o tivesse
desejado, nos deliciasse a audição e a sensibilidade. Encantados, eu, Belarmino, João e mais os
amigos brasileiros Raul e Amadeu, que se haviam incluído em o nosso antigo grupo, mal
chegáramos ao Burgo da Esperança, logo nos sentimos atraídos para o novo monitor, e ansiosos
pelas lições que se seguiriam.
E supúnhamos que idênticas impressões animavam os demais colegas, porque
percebíamos sorrisos de satisfação e lidimo interesse esvoaçarem pela assistência. Entretanto, o aprendizado científico seguiu  curso  normal, alternando­se com o que
vínhamos antes recebendo e mais os conhecimentos práticos através das aulas do eminente Souria­  Omar.
Assim foi que o respeitável ancião ministrou­nos o  encantamento de presenciarmos o 
nascimento e progressão, lenta e esplendente, do próprio Globo Terrestre! O que superficialmente
conhecíamos (permitam­me que assim me expresse ante a magnificência do que, então, me foi
concedido apreciar) através dos códigos de Ciência terrestre, isto é, da Geologia, da Arqueologia, da Geografia, da Topografia, o ilustre instrutor levantou da dobagem dos milênios para nos ofertar 
como o presente descrito em cenas vivas, em atividades reais, como se houvéramos participado, com efeito, do nascimento e crescimento da generosa estância do sistema solar  que um dia nos
abrigaria, protegendo nossa ascensão para o Infinito, auxiliando­nos no aperfeiçoamento do germe
divino que em nós outros, Homens, como nela própria, também palpita! Tudo  presenciamos: a
centelha em ebulição, as trevas do caos, os aguaceiros e dilúvios aterrorizantes, os grandes
cataclismos para a formação dos oceanos e rios, o maravilhoso advento dos continentes como o 
nascimento das montanhas majestosas, cadeias graníticas eternas como o próprio globo, tão 
conhecidas e amadas por aqueles que na Terra têm feito ciclo de progresso: os Alpes
sombranceiros quais monarcas poderosos desafiando as idades, os Pirineus graciosos, o Himalaia e
o Tibet venerandos, a Mantiqueira sombria e majestosa, todos, em épocas diversas, surgiram do 
berço  diante de nossos olhos deslumbrados, arrancando lágrimas de nossas almas, que se
prosternavam, tímidas ante tanta grandeza, tanta beleza e majestade!  Mas, antes disso, em
prosseguimento feérico de maravilhas, a luta dos elementos furiosos para o crescimento do 
pequeno  continente do céu, o oceano conflagrado em convulsões pavorosas, sacudindo o seio 
nascente do mundo imerso em solidão, o cataclismo dos ventos e tempestades a que nada poderá
fornecer ao homem idéia aproximada... assim como os primeiros sinais de movimento e vida no 
leito imenso das águas convulsas, a vegetação, fabulosa e tétrica, no gigantesco  volume das
proporções... os dinossauros monstruosos, os lagartos de forma e força inconcebíveis à delicadeza
corporal do Homem, os mastodontes, a Pré­História! 
Era um livro tenebroso, imenso, magnífico, Epopéia Divina da Criação, desferindo alguns
poucos acordes da sua Imortal Sinfonia através do Infinito do Tempo, da Eternidade das Coisas! E
nesse livro soletrávamos o a b c da Iniciação, gradativamente, pacientemente, às vezes empolgados
até ao delírio; de outras, banhados em lágrimas até ao temor, mas sempre ávidos e encantados, ansiosos por mais conhecimentos, lamentando mais do  que nunca nossas diminutas forças de
suicidas, que nem a terça parte nos permitia entrever do programa excelso ofertado pela Natureza! 
Um desfile indescritível de períodos genesíacos patenteou­se à nossa observação, à
análise elucidativa e sadia, durante o qual, diariamente, se radicava em nosso Espírito o respeito, a
veneração por Aquele Ser Supremo e Criador a quem havíamos negado, de quem descrêramos pela
dobadoura dos séculos, mas a quem agora rendíamos graças, apavorados e ínfimos que nos sentíamos frente à sua Grandeza, ao passo que também felicíssimos ao nos reconhecermos seus
filhos, herdeiros da sua glória eterna! 
Aqui, eram a flora e a fauna imensa na variedade das espécies; além, a geologia rica de
atrações e encantos, povoando o seio do globo com a multiplicidade mirífica dos minerais; acolá, o 
infindável laboratório do  planeta, o oceano com seus infusórios prodigiosos, seus infinitos
depósitos de vida, de criação, de espécies, de riqueza incontestavelmente divina, e tudo à mão do 
Homem, tudo criado para ele, mas que ele despreza conhecer, vivendo, como vive, engolfado nas
trevas da animalidade através dos milênios, incapaz, por isso mesmo, de tomar posse desse paraíso 
que para ele mesmo o Senhor ideou e criou com toda a amabilidade do seu amor infinito de Pai, com toda a força da sua mente poderosa de Supremo Criador! 
E assim surgiu, em lições sempre seqüentes e habilmente parceladas, a idade do Homem, a divisão das raças, a suprema glória do planeta abrigando, finalmente, a parcela divina que, um
dia, deverá refletir a imagem e a semelhança do seu Criador! 
Durante longos anos ininterruptos, diariamente soletramos esse livro assombroso cuja
intensidade e magnificência comumente nos causavam vertigens levando­nos a adoecer e à
necessidade de haurirmos novas energias mentais ao contacto dos clínicos incumbidos de nossa
vigilância, sendo o próprio Epaminondas um dos mais dedicados à causa do nosso 
restabelecimento... E hoje, às vésperas de nossa volta aos proscênios dessa mesma estância, que
agora conhecemos desde o seu  nascimento, apenas averiguamos que nada pudemos aprender 
ainda, que apenas soletramos as primeiras letras do plano material terreno! 
De que forma, porém, poderiam Epaminondas e seus acólitos ministrar tais aulas,
tornando visível no presente o que os milênios devoraram no pretérito?!... Como reedificar com
tão real pujança, a ponto de apavorar­nos, as idades primitivas do planeta, os períodos devastados
pelo Tempo?!... É que vivemos todos em plena Eternidade, somos cidadãos do Infinito, e para a
Eternidade o que existe é o momento presente, sem ocasos, sem lapsos! Ela, a Eternidade, vive
dentro do presente, porque justamente é esta a sua particularidade! 
Das ondas luminosas do éter  invisível, ou  seja, dos arquivos do Infinito como dos
sacrossantos depósitos da Eternidade, extraía Epaminondas a matéria grandiosa para as aulas
fornecidas. As imagens que se eternizaram, retidas nas ondas vibratórias do éter luminoso, a
reprodução do que se passara na Terra desde a sua criação, guardada, fotografada, impressa nas
vibrações da Luz como a paisagem na fragilidade de uma bolha de sabão, eram selecionadas pelos
magos da Ciência Transcendente, captadas e transportadas até nosso conhecimento através de
processos e aparelhamentos cuja sensibilidade e potência magnética já hoje o homem não ignora
totalmente. Poderia Epaminondas, ao confabular  com um igual, reportar­se ao passado 
dispensando aparelhamentos. Nós outros, no entanto, não os dispensaríamos, a menos que o 
abnegado monitor apoucasse ainda mais as próprias possibilidades a fim de tornar­se
compreensivo, enquanto  avolumasse as nossas, torturando­nos até ao sacrifício, o que seria
dispensável. O certo era que uma equipe de magos especialistas no serviço e artistas da palavra e
da sugestão, vasculhavam o éter com seus poderes de atração científico­transcendente, à procura do que convinha, e estampava­o na tela sensível através de sugestões poderosas, e tudo com
perfeição tal que era como se a tudo quanto víamos houvéssemos realmente assistido! Processo 
vulgar no Mundo Invisível, essa forma de captação da imagem, dos acontecimentos, levará um dia
o homem à mesma possibilidade, como  ao conhecimento dos próprios planos do Astral
intermediário. Uma coisa única acelerará tal conquista da Ciência para a Humanidade: —  o 
domínio da Moral nas suas sociedades, o império da Honradez! 
Não deixarei de citar o espetáculo sublime da marcha harmoniosa dos astros, proporcionado que nos foi ele durante o  prolongamento dos mesmos estudos, agora, porém, obedecendo não mais aos processos circunscritos a um recinto acadêmico limitado, mas a
excursões em pleno Espaço, viajando através do Infinito, como universitários em curso prático. Nossas forças, no entanto, muito limitadas, não nos permitiram a contemplação feérica dos
mundos estelares no conjunto surpreendente da sua grandeza. Como estímulo, apenas, facultadas
nos foram visões mais ou  menos aproximadas dessa esplendente grandeza, através de
aparelhamentos diferentes, apropriados para o descortino da Astronomia, de que recebíamos
pálidos convites. Nossas observações e estudos, portanto, não ultrapassaram conhecimentos senão 
relativos aos nossos irmãos de sistema, permitindo­nos as mais belas aquisições a que nosso estado 
poderia aspirar, o que muito já nos encantava e satisfazia... Até que passamos ao estudo de nós
mesmos, jóias que somos, todos nós, as Almas, do escrínio sideral, futuros ornamentos da Corte
Universal em que se imprimiu o selo sagrado do Pensamento Supremo, e para quem tudo, tudo foi
imaginado e criado pelo Pai Amoroso que de coisa alguma necessita, que nada quer senão que nos
amemos uns ao outros! 
Explicou­nos o mestre, convincentemente, pelo decorrer  do aprendizado, a tríplice
natureza humana, provando praticamente sua tese com análises levadas a averiguações em torno 
de nós mesmos e de outrem, o que surpresas, por vezes muito ríspidas para nossos preconceitos e
orgulhos arraigados, nos traziam. Esse mesmo estudo entrevíramos no Departamento Hospitalar, onde o asilado abeberava rudimentos de sua própria qualidade de Espírito, sem, todavia, atingir os
pormenores que em Cidade Esperança se desdobravam para nós. Expôs ele a realidade das vidas sucessivas, suas leis, suas conseqüências benéficas, sua
finalidade magistral, sublime, sua inalienável necessidade para a gloriosa evolução do ser! 
Apontou­nos a jornada espinhosa do Espírito nessa ascensão sublime para o Alto, submetido ao 
trabalho dos renascimentos e renovações em corpos carnais, dos estágios no Além, dos labores
ininterruptos num e noutro plano! Não era, todavia, sem emoções por vezes muito chocantes que
víamos rasgarem­se, através de tais estudos, os campos da Vida Espiritual, a qual só  então 
começamos e compreender com a devida eficiência, pois suas realidades, não raro muito amargas, derribavam velhas convicções filosóficas, destruíam arraigados preconceitos religiosos
acomodatícios, modificavam conceitos científicos que as tradições e também o orgulho cego do 
fanatismo materialista haviam ensinado a conservar e homenagear! 
A fim de bem conhecermos certas particularidades da personalidade humana partíamos, então, com nossos mestres, em caravanas de estudos práticos. Souria­Omar era o catedrático dessa
nova modalidade, fazendo­se acompanhar de adjuntos lúcidos e igualmente versados. Visitávamos os Departamentos Hospitalares, observando, quais acadêmicos de Medicina, a constituição dos
corpos astrais dos nossos irmãos ali detidos, coadjuvados por  Teócrito, que tudo nos facilitava,
fraternalmente assistidos por nossos amigos Roberto e Carlos de Canalejas. Descíamos à Terra, periodicamente, visitando­a durante anos consecutivos, em estágios
de algumas horas, pelos hospitais e Casas de Saúde, estudando o fenômeno dos desprendimentos,
sempre assistidos por eminentes individualidades da Pátria Espiritual, assim como pelas casas
particulares e até prisões, à espera de sentenciados à pena capital, pois devíamos enriquecer a
mente com análises em torno de todas as modalidades do fenômeno da separação de um Espírito 
do seu  temporário invólucro carnal, desde o  feto, expulso ou  não, voluntariamente, do órgão 
gerador materno, até o condenado pela justiça dos homens à morte no patíbulo! Cada caráter, cada
personalidade ou gênero de enfermidade, como a natureza do desprendimento, nova aquisição de
esclarecimentos, através de estudos minuciosos e sublimes! Era bem certo que jamais assistimos a
qualquer cena de assassínio, ou  catástrofe. Chegávamos sempre após o drama, a tempo de
colhermos a necessária elucidação. Freqüentemente era­nos imposto o  doloroso dever de acompanharmos o  desligamento 
penoso, envolto em trabalhos de repercussões aterradoras, muros a dentro de um campo santo! 
Então, era ali que Souria­Omar discorria suas aulas magistrais, catedrático genial, digno de ser 
ouvido por discípulos prosternados e reverentes! E, sob o farfalhar das galhadas onde mimosos
passarinhos pipilavam à noite, enternecidos a sonharem com a alvorada, ou à sombra augusta dos
ciprestes folhudos e majestosos, pela calada da noite bordada de estrelas, como aos resplendores
do Astro Rei, eis que recebíamos as anotações do antigo mestre de Alexandria, com ele
aprendendo o fenômeno magnífico da Alma que se despoja da armadura que a enclausurava, para
retornar à liberdade dos páramos espirituais! Não nos poderíamos, no entanto, muitas vezes, furtar 
a vivas impressões de sofrimento, durante tão augustos espetáculos! O aprendizado implicava a
contemplação de muitas desgraças alheias, dores superlativas, intraduzíveis angústias, misérias e
desesperações diante das quais corriam nossas lágrimas, arfava doloridamente nosso seio, compungiam­se nossos corações. Mas era também preciso  aprender, com esses espetáculos, o 
domínio das emoções, impor serenidade às forças mentais como ao sentimento, tratando, antes, de
refletir, a fim de aplicar esforços no sentido de auxiliar e remediar situações, sem perder tempo 
precioso com lamentações estéreis e lágrimas improdutivas. Semelhantes impressões atingiram o 
seu  clímax  quando nos vimos obrigados à observação dos desprendimentos prematuros
ocasionados por suicídio! 
Então, a loucura que nos atacara outrora subia das profundidades anímicas para onde
haviam sido relegadas e irrompiam a contragosto nosso, afligindo­nos com o  espectro de um
pretérito que se transmutava em presente!  O tono abominável de nossas passadas raivas
avolumava­se na febre de reminiscências malvadas, desorientando­nos, fazendo­nos resvalar para
a alucinação coletiva! Era quando toda a energia, toda a caridade e sábia assistência de nossos
Guardiães entravam em ação, impondo silêncio às nossas emoções, repelindo veementemente
nossas truanices alucinatórias, chicoteando, ao contacto benévolo de suas terapêuticas fluídicas, as
excitações mentais provenientes das recordações, até que o presente se impusesse!
Voltamos, destarte, ao Vale Sinistro, integrando as caravanas de socorro, fiéis ao 
aprendizado sublime, e, ali, chorando sobre nossa mesma desgraça, tivemos ocasião de assistir 
irmãos nossos imersos na mesma situação de calamidade que tão bem conhecíamos, examinando­  os, com nossos mestres, a vermos se estariam em condições de alçarem até ao Departamento da
Colônia que lhes caberia. Piedosamente falávamos­lhes, encorajando­os, consolando­os. Mas não 
éramos compreendidos, passávamos anonimamente... E foi assim que soubemos ter sido nós, outrora, também benevolamente assistidos por outrem, sem que nossas precárias condições o 
suspeitassem... De todos os conhecimentos que gradativamente adquiríamos, cumpria­nos apresentar 
pontos construídos por nós próprios, criar exemplos em teses que muito honrariam os institutos
terrenos, caso quisessem adotar  os mesmos ensinos para esclarecimento e moralização de seus
alunos; extrair análises, tudo o que viesse provar nosso aproveitamento na iniciação do psiquismo. Forneciam­nos para tanto álbuns belíssimos, cadernos e livros lucilantes quais flocos de estrelas, e
até aparelhos melindrosos, aos quais nos ensinavam acionar, para que também aprendêssemos a
projetar  para outrem as exemplificações que criávamos, ou  mesmo as análises extraídas dos
exemplos fornecidos pelos mestres durante as aulas práticas na Terra ou em outra localidade de
nossa Colônia. Daí a criação de minhas novelas e a ansiedade de ditar obras aos médiuns, pois, durante as aulas práticas existia permissão para fazê­lo, sempre que um e outro trabalho por nós
composto conseguisse aprovação dos maiorais; daí nosso sacrifício de tentarmos, durante cerca de
trinta anos, escrever algo, que a um só tempo testemunhasse a Deus nosso reconhecimento pelo 
muito que Sua Misericórdia nos permitia e o desejo de relatar  aos nossos irmãos de infortúnio, encarcerados nas dores terrenas, o que o Além lhes reservava. Para tal cometimento não haveria
necessidade de sermos escritores, porque o aprendizado com nossos mentores nos educava o 
sentimento, equilibrando­nos o raciocínio de molde a conseguirmos servir à Verdade que nos
rodeava! 
Muita aplicação e devotamento exigiam esses estudos transcendentes, porquanto eram
vastíssimos os campos de observação, como grandiosos os motivos diariamente deparados. Convém enumerar as palpitantes matérias estudadas e auscultadas por nós outros até onde
nos permitiram as forças mentais que possuíamos: — Gênese planetária ou Cosmogonia — Pré­História — A evolução do ser  — Imortalidade da alma — A tríplice natureza humana — As faculdades da alma — A lei das vidas sucessivas em corpos carnais terrenos, ou reencarnação  — Medicina Psíquica — Magnetismo — Noções de magnetismo transcendental — Moral Cristã — Psicologia — Civilizações terrenas
Alternados com as aulas de Evangelho, tais estudos apresentavam correlação íntima com
aquelas, o que nos impelia a melhor compreender e venerar a sublime personalidade de Jesus
Nazareno, ao qual passamos a distinguir, tal como faziam nossos instrutores, como o chefe
supremo da Iniciação, pois, com efeito, em todos os compêndios que consultávamos, buscando 
elucidação na Ciência, deparávamos lições, claros ensinamentos, atos e exemplos daquele Grande
Mestre, como padrão máximo  de sabedoria e verdade, modelos irresistíveis, bússolas que nos
convidavam a seguir para atingirmos a finalidade sem os desvios oriundos do engodo e das falsas
interpretações. Como por mais de uma vez já esclarecemos, nossos estudos eram enriquecidos com a
prática e a exemplificação. Esse pormenor, porém, que implicava até mesmo realizações que
testemunharíamos futuramente, durante a renovação imprescindível de um corpo carnal, nem
sempre fornecia satisfações ao nosso coração. Ao contrário, freqüentemente ocasionava grandes
angústias, arrancando de nosso seio lágrimas pungentíssimas e mesmo momentos tenebrosos de
desesperos que nos abatiam, levando­nos a enfermar. Situações criticas, vexames se avolumavam
sobre nós, como veremos, sem que a tão desagradáveis resultados nos pudéssemos eximir, porque
tudo era seqüência da bagagem moral inferior que conosco transportáramos para o Além­túmulo. Logo no primeiro dia de aula, terminada que foi a fulgurante peça oratória, expusera o 
venerando Epaminondas de Vigo, lançando uma advertência que nunca mais se apagaria do nosso 
senso íntimo:
"— Nenhuma tentativa para o reerguimento moral será eficiente se continuarmos presos à
ignorância de nós mesmos! Será indispensável, primeiramente, averiguarmos quem somos, donde
viemos e para onde iremos, a fim de que nos convençamos do valor da nossa própria personalidade
e à sua elevação moral nos dediquemos, devotando a nós próprios toda a consideração e o máximo 
apreço. Até aqui, meus caros discípulos (ao contrário de Aníbal, que nos mimoseava com o terno 
tratamento de irmão, Epaminondas só nos permitia a cerimônia de um trato disciplinar), tendes
caminhado cegamente, pelas etapas das migrações na Terra e estágios no Astral, movimentando­  vos em círculo vicioso, sem conhecimentos nem virtudes que vos induzissem a progresso 
satisfatório. Engolfados nos desejos impuros da matéria, passivos aos impulsos cegos das mais
danosas paixões ou  embrutecidos na ganga obscura dos instintos, tendes ignorado, propositadamente, graças à má­vontade, ou absorvidos por criminosa indiferença, que ao nosso ser 
o Todo­Poderoso enalteceu com essências que Lhe são próprias, as quais nos é dever cultivar sob 
as bênçãos do progresso, até que floresçam e frutifiquem na plenitude da vitória para que fomos, por isso mesmo, destinados!..." 
Disse­o e, indicando um dos penitentes que se achavam mais próximos, nas
arquibancadas, fê­lo penetrar  o círculo em que se erguia a sua cátedra e agrupavam­se, concentrados e mudos, os adjuntos. Determinou  o acaso, ou  a própria clarividência do lente, que a escolha atingisse nosso 
companheiro de grupo, Amadeu Ferrari, um brasileiro de origem romana, natural do interior do 
Estado de S. Paulo, o qual, segundo passamos a conhecer nessa mesma hora, suicidara­se aos trinta
e sete anos de idade, julgando possível escapar  à vergonha da prisão, devido a certos feitos imprudentes, bem como à ameaça de um câncer que começara a intumescer­lhe a região glótica. Pô­lo à sua frente e interrogou, demonstrando autoridade:
"— O vosso nome, caro discípulo?..." 
Súbito mal­estar dominou a assistência, advertindo­a de algo muito grave que a atingira. Quiséramos fugir, furtando­nos à responsabilidade terrível da aprendizagem que se nos afigurou,
repentinamente, grandiosa demais e por demais delicada para a ela nos devotarmos para sempre! 
Tivemos a intuição de que se iriam passar coisas irremediáveis, que marcariam era nova em nossos
destinos, e tivemos medo! Epaminondas de Vigo apareceu­nos então qual juiz inflexível que nos
julgaria, arrastando­nos até onde depararíamos o tribunal temível de nossa própria consciência, e
profundo terror nos inspirou sua presença venerável, enquanto a figura jovial e terna de Aníbal de
Silas, com suas exposições alvissareiras em torno da Boa­Nova, que tão bem nos haviam
consolado, desenhou­se à nossa imaginação, produzindo funda saudade do seu verbo manso que
carinhosamente rememorava os feitos sublimes do Meigo Nazareno. Mas o ancião advertiu­nos, em aparte precioso e enérgico, surpreendendo­nos com o  conhecimento, que demonstrou, das
impressões em nossa mente suscitadas:
"— Lembrai­vos de que o Senhor Jesus de Nazaré, a quem invocais neste momento, é o 
Grande Mestre que nos inspira, e que, sob  Seus auspícios, é que vos ministramos os Ensinos
Sagrados que engrandecerão os vossos Espíritos para a conquista dos méritos futuros, pois é Ele o 
chefe supremo de nossa Escola e distribuidor de nossa Ciência!..." 
Voltou­se para o paciente em expectativa e repetiu:
"— Vosso nome, pois?!..." 
"— Amadeu Ferrari..." 
"— Onde residíeis antes de ingressardes nestes sitios?..." 
"— Na cidade de XXX... no Brasil..." 
"— Por que procurastes abandonar vosso destino, cuja finalidade deve ser a unidade com
Jesus, nosso Redentor, confiando­o à ilusão de um suicídio?!... Não sabíeis que praticáveis um
crime contra Deus Pai, porque contra vós próprio, visto que é certo que todos trazemos centelhas
do Criador em nós?... Julgáveis, porventura, poder aniquilar os elementos de Vida existentes em
vós, essa Vida que justamente é eterna porque a recebestes do Eterno Criador?..." 
Visivelmente contrafeito, esquivou­se Amadeu através do sofisma, único recurso que lhe
ocorreu na melindrosa situação:
"—  Felizmente, senhor, foi apenas um pesadelo. .. uma alucinação... Eu  não me pude
matar, embora o desejasse, pois que estou vivo!... Vivo! Vivo! Louvado seja Deus, estou vivo!..." 
Mas, senhor de uma serenidade desconcertante, que a nós outros irritaria se não 
estivéssemos sinceramente dispostos a nos deixarmos conduzir, insistiu o sábio ancião:
"— Reitero a interrogação, Amadeu Ferrari: por que desejastes desaparecer da presença
de vós mesmo como de vossos semelhantes, quando o poema do Universo cantava ao vosso redor 
o sacrossanto dever dos compromissos, como  a excelsa beleza da existência humana, que deve
habilitar a Alma para o reinado da Imortalidade?"
"— Senhor... É que... eu desanimei... eu... sim... Mas responderei aqui, em presença de
toda essa assistência?... Estarei, pois, novamente defrontando um tribunal?..." 
"— Existe, sim, um tribunal e todos vós o defrontais: é a vossa consciência, que inicia o 
despertar  da longa letargia que há séculos a mantém chumbada às mais deploráveis
inconseqüências! E imprescindível é que eu, autorizado pelos poderes máximos do meu e vosso 
Redentor, vos oriente a fim de que, examinando­a, aprendais a vos despojardes do orgulho que vos
tem cegado  desde muitos séculos, impedindo que reconheçais a vós próprios e, portanto, a
soberania das Leis que regem os destinos da Humanidade!" 
"—  Senhor, a miséria, a enfermidade, o desânimo, foram a causa... Cometi uma falta
grave, frente a tão  dolorosas circunstâncias... Não tive outro recurso a não ser o que fiz... A
prisão... a doença..." 
"— E esse ato — suicídio — lavou  a nódoa de que vos havíeis contaminado antes?... Considerais­vos inculpado, honesto, honrado após o mesmo ato?..." 
"—  Oh!  Não!  Não pude fugir à responsabilidade dos atos que pratiquei!  Sinto­me
desonrado por ter  lançado mão de quantias que me foram confiadas... muito embora o fizesse
tentando recuperar  a saúde, pois a ameaça tenebrosa de um câncer desorientava­me, justamente
quando estava prestes a realizar  um consórcio  cuja expectativa era a minha razão de ser... A
quantia era avultada... eu era bancário... A prisão ou a morte... O câncer, o roubo, pois era roubo... O ideal de amor desmoronado! Preferi o suicídio!... Sei que foram grandes crimes... Mas sinto­me
ainda confuso, apesar  de muito já me ter esclarecido, ultimamente... Por  que, oh!  Por  que fui
colocado em tão desgraçadas circunstâncias?... A confusão turbilhona em minha mente... Intuições
pavorosas segredam­me um passado do qual tenho pavor... Oh! Jesus de Nazaré! Misericórdia!... Eu tremo e vacilo... Não compreendo bem..." 
"— Pois ireis compreender, Amadeu Ferrari ! É imprescindível que o compreendais!" 
Acenou para dois adjuntos que aguardavam suas ordens. Fizeram sentar o penitente diante
da tela espelhenta, colocando­lhe, em seguida, um diadema idêntico ao usado pelo mestre para as
dissertações. Pairava pelo ambiente sincera emoção religiosa. Sentíamos que um grandioso,
sacrossanto mistério desvendar­se­ia, naquele instante, ao nosso entendimento, e contritos e
temerosos aguardávamos, enquanto benéficas influências envolviam o momento sagrado que
vivíamos.Epaminondas voltou­se para a assembléia de discípulos e conclamou:
"— Ficai atentos! A história desse vosso irmão é também a vossa história! Suas quedas
mais não representam que as quedas da própria Humanidade em lutas diárias com as próprias
paixões! Pela mesma razão não deveis comentar o que ireis presenciar, antes observai a lição que
vos será fornecida como exemplo, do qual extraireis a necessária moral para aplicá­la em vós
mesmos... pois será útil lembrar que sois todos almas decaídas a quem a iniciação em princípios de
moral elevada e redentora trata de conduzir aos pórticos do Dever!" 
Postou­se de braços alçados para o Infinito, em atitude de prece e concentração fervorosa. Acercaram­se os adjuntos, como  a auxiliarem mentalmente seus intuitos. Poderosa corrente fluídica estabeleceu­se, envolvendo em ondas fortes a assembléia de pecadores, que se deixava
estar atenta e respeitosa. Até que, de súbito, ordem singular ressoou  em tom enérgico, que não 
admitiria tergiversação! 
Epaminondas de Vigo impunha a Amadeu Ferrari a volta ao pretérito, isto é, minucioso 
exame de consciência passando em revista os feitos de suas passadas migrações terrenas, a fim de
que compreendesse em toda a sua plenitude a razão das circunstâncias dolorosas em que se vira
colocado, circunstâncias às quais não se resignara e que, para solvê­las, comprometera­se ainda
mais com um ato de desonestidade e suicídio! 
Em sentido retrospectivo, passando do suicídio para o início da existência, eis que fomos
depará­lo em bem diferentes condições! Era bem verdade, pois, que residiam, em uma encarnação 
anterior, os motivos daquela pobreza que desafiara todos os esforços para se remediar, de vez que
Amadeu fora obstinado no trabalho e na força de vontade; daquele câncer que o torturava com
garras invencíveis, corroendo­lhe a língua e a garganta lentamente; daquele repúdio de amor que
absorveu suas últimas forças, incompatibilizando­o definitivamente com o desejo de viver! 
A cortina do presente descerrou­se... O primeiro véu da Consciência foi suspenso a fim de
que, no proscênio de uma outra existência terrena, drama imenso fosse revelado, drama que não 
atingiu apenas a uma ou  duas personalidades, mas a uma coletividade, implicando mesmo uma
raça heróica e sofredora! 
Amadeu  Ferrari apareceu­nos descrito por sua própria mente no ano de 1840, como 
traficante de escravos negros de Angola para o Brasil... Era, então, de nacionalidade portuguesa, e
daí nossa afinidade com ele. Em viagens reiteradas, enriquecia no comércio abominável, não se
poupando trabalhos à frente da torpe ambição de retornar milionário à metrópole, infligindo 
martírios incontáveis aos míseros que arrecadava em sua livre pátria para escravizar a outros tantos
ignóbeis comparsas das mesmas desvairadas ambições!  Na truculência de instintos desumanos, cevava­se no mau  trato  aos negros, ordenando chicoteá­los pela mais insignificante falta ou 
mesmo por nenhuma, infligindo­lhes castigos cuja fereza bradava aos céus, tais como a fome e a
sede, a tortura e a separação das famílias, pois que vendia, aqui, os filhos, acolá a mãe, mais além, o pai... os quais nunca mais, nunca mais se encontrariam a não ser mais tarde, no Além­túmulo, morrendo muitos destes desgraçados atacados pela nostalgia —  e pelas saudades dos seres
amados! Certa vez, na fazenda que lhe era própria, aviltara jovem escrava negra, mal saída da
infância. E porque o desventurado pai da desgraçada, velho escravo de sessenta anos, num
momento de suprema desesperação, louco de dor, diante do cadáver  da filha que procurara na
morte encobrir a vergonha de que se sentia possuída, bradasse seu vil procedimento, acusando­o 
pelo suicídio da moça, mandou que feros capatazes queimassem a língua do velho escravo a ferro 
em brasa, até vê­lo cair exâmine, nas convulsões da agonia... Ora, ao passo que nos elucidávamos na majestosa lição, o paciente reconhecia­se tal como 
era: portador de paixões inferiores, múltiplos defeitos, vultosos deméritos, e batia­se
violentamente, presa de convulsões indescritíveis, acovardado frente ao flagício que lhe infligia a
consciência, desorientada na tortura dos remorsos.
"— Apiedai­vos de mim, Senhor! —  bradava em expressões de dor e arrependimento,
repetindo em presença da numerosa assembléia a súplica veemente que dera causa à existência
expiatória que, afinal, interrompera criminosamente, enredado que se deixara permanecerem
complexos desconcertantes — Desgraçado e miserável que sou! Deixai que eu  volte ainda uma
vez à qualidade humana e veja minha própria língua, assim como a boca e a garganta
desaparecerem sob a trituração de qualquer malefício, reduzidas ao ponto a que reduzias do 
desventurado escravo Felício... Dai­me a miséria, Senhor! Que eu sofra o suplício da fome, da
sede, e que nem mesmo possa falar a fim de me queixar! Que de mim todos se afastem com asco, deixando­me expungir  sozinho esta nódoa infamante que me amesquinha diante de mim
próprio!..."O nobre orientador, porém, impôs silêncio ao pecador, balsamizando­o com fluidos
apaziguadores. Em seguida, exclamou, como respondendo:
"— bem certo, é inevitável o vosso retorno às reencarnações expiatórias, Amadeu Ferrari! 
uma vez que é esse o ensejo abendiçoado para a remissão dos culpados! Outra vez a pobreza, o 
câncer, o perjúrio... agravados, agora, com os indefiníveis males acumulados pelo suicídio... uma
vez que vos não quisestes submeter devidamente... Mas é imprescindível não conserveis ilusões:
mais de uma encarnação expiatória será necessária para cobrir as agravantes das ações que
recordamos..." 
Entrementes, a lição  continuava a desenrolar­se, vindo seu  arremate estarrecer­nos
porventura ainda mais. Assim foi que, morto o velho escravo, dobraram­se os anos... O grande senhor esquecera­o, como aos demais, absorvido  nos baloiços da boa sorte... Voltara à Europa, feliz, tendo enriquecido à custado "trabalho honesto", bem­visto e considerado 
pelos muitos haveres que levara da Terra de Santa Cruz... Mas... um dia dobraram a finados por ele: —  exéquias solenes, cânticos pungentes, grande luto, lágrimas doridas e muitas flores... porque o vil metal adquirido na iniqüidade tudo 
isso pôde comprar! 
Agora, eis que se apresenta o Além­túmulo!  É o  momento sagrado da realidade, do 
cumprimento integral da Justiça Incorruptível!  Vimo­lo a debater­se, perdido  em pleno sertão 
africano, atacado por hedionda falange de fantasmas negros sedentos de vingança, os quais vinham
pedir­lhe contas dos desgraçados compatriotas por ele escravizados e perdidos para sempre, longe
das plagas nativas! Eram os pais que haviam perdido os filhos, por ele arrecadados para longe... Eram as mães destituídas de filhos pequeninos, os quais ele vendera a outrem, qual mercadoria
miserável! Eram as filhas ultrajadas e sacrificadas longe dos pais, os filhos que conheceram, por 
afagos maternais, o látego inclemente do senhor a quem serviam! E todos lhe pediam contas dos
martírios que sofreram! Aprisionaram seu Espírito no seio das florestas tenebrosas e martirizaram­  no por sua vez!  Aterraram­no com a reprodução, que sua presença fornecia, das maldades que
contra todos praticara!  O silêncio das matas, só interrompido por motivos de pavor; as trevas
inalteráveis, o rugir das feras, as acusações perenes do remorso, a raiva e o bramido dos fantasmas
alterando­se com todos os demais pavores, acabaram por enlouquecê­lo. Então, deixaram­-no entregue a si mesmo, em pleno desamparo, cativo de si próprio, das torpezas que semeara contra
indefesos irmãos seus, como ele filhos do mesmo Criador e Pai, portadores da mesma Essência
Imortal! A fome, a sede, mil necessidades imperiosas se juntaram a fim de supliciá­lo ainda mais, aferrado à animalidade dos instintos e apetites inferiores, como se conservava ainda... Vagou 
desesperadamente, presa das mais absurdas alucinações, flagelado  pela mente, que só se
alimentara do mal!  A cada súplica que tentava proferir, o choro dos escravos que morriam de
saudades, separados dos seus entes caros, era a lúgubre resposta! Se um brado de misericórdia lhe
escapava na incerteza da demência, acudia­o o estalar do chicote sobre o lombo nu  dos negros
cativos da Fazenda; sobre o busto profanado das desgraçadas cativas que lhe amamentaram os
filhos, criando­os com amor enquanto os delas próprias eram relegados à fome e ao mau trato! A
um soluço de remorso, o lamento de agonia de alguém que sucumbia atrelado ao pelourinho da
mansão... oh! O grito supremo daqueles que, ingênuos, sofredores, desgraçados, se atiravam aos
açudes, às correntezas dos rios, impelidos pelo terror ao trato que recebiam! 
Afastava­se então em loucas correrias através das brenhas selvagens, presa da mais
atordoante demência espiritual! Mas, para qualquer lado que se virasse, nas galhadas seculares de
arvoredos majestosos, como sobre pântanos lodosos, no espinhoso chão que palmilhava como no 
cipoal traiçoeiro, encontrava suas vitimas a chorarem, agonizantes, desesperadas... Até que, certa noite em que se sentia exausto, em pleno terror, e depois de muitos anos... em certa alameda que repentinamente se abriu  à sua frente, eis que viu  o escravo Felício 
caminhando ao seu encontro, conduzindo uma tocha feérica, que aclarava os caminhos trevosos, permitindo­lhe orientar­se... Felício vinha lentamente, sereno, grave, não mais torturado pelo ferro 
em brasa, porém, compassivo, estendendo­lhe a destra, no intuito de erguê­lo:
"— Vem dai, "Nhonhô", levante­se... Vamos embora..." 
Ele acompanhou Felício... E através do prosseguimento do intenso drama verificamos que
o velho escravo perdoara ao algoz, intercedera por ele junto à Divina Complacência... e partira, a
conseguir libertá­lo das garras dos que não lhe haviam perdoado... Não obstante, tudo isso era por nós outros apreciado intensamente, como se fôramos os
próprios que tão dramáticas cenas viveram, graças ao privilégio, que o homem desconhece, das
profundas capacidades inerentes ao Espírito alheado da carne, capacidades que o levam a sofrer,
sentir, compreender, impressionar­se, comover­se, alegrar­se, etc., a grau superlativo, o qual
fulminaria a criatura encarnada, se fora esta suscetível de tentar experimentá­lo. Enquanto o drama
se estendia, o mestre emitia conceitos, levantando a psicologia das personagens apresentadas, assim lecionando com sabedoria a tese magnífica à luz da Ciência Sagrada em que nos
iniciávamos!  E acrescentou, severo, como arrematando a série de pequenos discursos que o 
passado espiritual de Amadeu provocara, vibrante, no diapasão enérgico que tão bem traduzia o 
caráter inquebrantável que afrontara o suplício do fogo por amor à Verdade:
"— As sociedades brasileiras, meus caros discípulos, sofrem hoje e sofrerão ainda, por 
espaço de tempo que estará ao seu alcance o dilatar ou reprimir, as conseqüências das iniqüidades
que em pleno domínio da era cristã permitiram fossem cometidas em seu seio. Refiro­me, como 
bem percebeis, à escravização de seres humanos, tratados por elas com maior rigor do que o eram os próprios animais inferiores, para a extração de posses e haveres que lhes facultassem o gozo e o 
império das paixões! Se não foi crime individual e sim coletivo, será a coletividade que expiará e
reparará o grande opróbrio, o grande martírio infligido a uma raça carecedora do amparo fraternal
da civilização cristã, a fim de que, por sua vez, também se gloriasse às alvíssaras da educação 
fornecida através da Boa­Nova do Reino de Deus! Sob os céus assinalados pelo símbolo augusto 
da Iniciação  como do Cristianismo  —  a Cruz —, ressoam ainda, ecoando aflitivamente na
Espiritualidade, os brados angustiosos de milhares de corações torturados que durante o dobar dos
decênios se compungiram ante a infâmia de que eram vítimas! Não deixaram de repercutir ainda
nas ondas delicadas do éter, onde se assentam as esferas de proteção às sociedades humanas, os
rumores trágicos dos látegos sanhudos dos capatazes diabólicos, a vergastarem homens e mulheres
indefesos, cujas lágrimas, recolhidas uma a uma pela Incorruptível Justiça do Todo­Poderoso,
foram, por lei, espalhadas, em seguida, sobre essa mesma coletividade criminosa, para que, por sua
vez, as sorvesse em pelejas posteriores, a se purificarem do acervo de maldades e infâmias
praticadas! Por isso, eis a grande Pátria sul­americana debatendo­se contra problemas complexos,
suas sociedades em pelejas dolorosas consigo próprias, vitimadas por um acúmulo de agravos que
as desorientam, ocupando postos mais bem bafejados aqueles que ontem se viram oprimidos, e
vergados sob aflições coletivas, relegados à indiferença das classes favorecidas, os orgulhosos e
imprevidentes do passado, os quais a tempo não se abeberaram dos exemplos do Celeste Enviado,
renegando a cordura da fraternidade para com os seus semelhantes, a cautela de semearem amor a
fim de colherem misericórdia no  dia do Supremo Juízo!  E assim prosseguirão até que a Voz
Celeste dos Missionários do Senhor as oriente para finalidade apaziguadora, no trabalho sublime
da reconciliação individual por amor do Cristo de Deus!  Ó vós, discípulos que presenciais os
dramas — antigo e moderno — vividos por Amadeu Ferrari! Ó vós que presenciastes seu passado 
como o presente, rematado por um suicídio contraproducente, do qual há de dar igualmente contas
ao Senhor das Vidas e das Coisas!  Sabei que entre os escravos que, sob os céus do Cruzeiro 
Sublime, choraram, vergados sob o trabalho excessivo, famintos, rotos, doentes, tristes, saudosos, desesperados frente à opressão, à fadiga, à maldade, nem todos traziam os característicos íntimos
da inferioridade, como  bastas vezes foi comprovado por testemunhas idôneas; nem todos
apresentavam caracteres primitivos!  Grandes falanges de romanos ilustres, do império dos
Césares; de patrícios orgulhosos, de guerreiros altivos, autoridades das hostes de Diocleciano, como de Adriano e Maxêncio, dolorosamente arrependidas das monstruosas séries de
arbitrariedades cometidas em nome da Força e do Poder contra pacíficos adeptos do Cordeiro 
Imaculado, pediram reencarnações na África infeliz e desolada, a fim de testemunharem novos
propósitos ao contacto de expiações decisivas, fustigando, assim, o desmedido orgulho que a raça
poderosa dos romanos adquirira com as mentirosas glórias do extermínio da dignidade e dos
direitos alheios! Suplicaram, ainda e sempre corajosos e fortes, novas conquistas! Mas, agora, nas
pelejas contra si próprios, no combate ao  orgulho daninho que os perdera! Suplicaram disfarce
carnal qual armadura redentora, em envoltórios negros, onde peadas fossem suas possibilidades de
reação, e arvorada em suas consciências a branca bandeira da paz, flâmula augusta concedida pela
reparação do mal! E os escravizadores de tantos povos e tantas gerações dignas! Os desumanos senhores do mundo terráqueo, que gargalhavam enquanto gemiam os oprimidos! Que faziam seus
regalos sobre o martírio e o sangue inocente dos cristãos, expungiram sob o cativeiro africano a
mancha que lhes enodoava o Espírito! 
Daí, meus discípulos queridos, a doce, mesmo sublime resignação dessa raça africana
digna, por todos os motivos, da nossa admiração e do nosso respeito, a passividade heróica que
nem sempre se estribou  na ignorância e na incapacidade oriunda de um estado inferior, mas
também no desejo ardente e sublime da própria reabilitação espiritual! E sabei ainda que o escravo 
Felício, que acabais de contemplar como símbolo entre todos, redimido de uma série de culpas
calamitosas, como tantos outros, quando existiu e exerceu autoridade sob as ordens de Adriano, voltou a Roma em Espírito, terminado que foi seu compromisso entre a raça africana, e retornou à
sua antiga falange de itálicos e..." 
Um murmúrio irrepremível de surpresa desconcertante sacudiu a assistência de pecadores, estarrecida enquanto Amadeu Ferrari caía de joelhos, deixando escapar um grito cujo tono não 
distinguiríamos se de surpresa também, se de horror, de alegria, vergonha ou de outro qualquer 
sentimento indefinível, só experimentado por entidades em suas deploráveis condições, enquanto 
que choro violento o sacudia em agitações indescritíveis. Abrira­se uma porta lateral silenciosamente, a um sinal de Epaminondas, e Felício 
aparecera, sereno, grave, encaminhando­se para seu antigo senhor de outras vidas... Estarrecido, Amadeu  contemplava­o de olhos pávidos, já agora senhor  de todo o seu  passado de Espírito... Mas, lentamente, imperceptivelmente, transformara­se Felício sob o poder da vontade, que opera
facilmente sobre a configuração do envoltório astral, e deixava­se ver agora, na atual qualidade de
Rômulo Ferrari, o genitor de Amadeu, que, retornando às falanges que lhe eram próprias, Felício 
ali reencarnara a fim de prosseguir na peregrinação para a redenção completa, sob os auspícios
daquele Meigo Nazareno a quem perseguira ao tempo  de Adriano, na pessoa de seus adeptos! 
Recebera então nova fase de progresso sob a acolhida de outro nome; transportara­se, jovem ainda, para a Terra de Santa Cruz, levado por indefinível sentimento de atração, ali constituindo família e
piedosamente consentindo em servir de genitor para o antigo algoz... Agora, seria bem certo que continuaria auxiliando­o a expurgar da consciência uma nova
infração: — a do suicídio! 
Quando, pensativos e silenciosos, deixamos o recinto  do Santuário, onde tão sublime
mistério nos fora desvendado com a primeira lição, repercutia nos refolhos de nossa Alma esta
profunda, inenarrável impressão: —  Oh!  Deus de Misericórdia!  Sede bendito por nos terdes concedido  a Lei da
Reencarnação!...

Memórias de um SuicidaOnde histórias criam vida. Descubra agora