Terceiro - Sem Mais Filhos de Borracha

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Ser acordado com a sua namorada te sacudindo e aos gritos é a melhor coisa possível quando se está esperando por uma bênção. Foi assim que aconteceu quando minha filha deu os primeiros indícios que queria nascer. Dirigi até o hospital. No carro do meu pai levei minha noiva, lógico, e os padrinhos Gio e Joel. Eles tentavam conter a grávida enquanto eu tentava não infligir nenhuma lei de trânsito, na minha mente acontecia altos surtos de inferioridade e desespero.

Raquel foi levada para o quarto onde iria ser preparada, eu não entrei com ela, deixei que a mãe dela ficasse com a filha. Preferi não ficar traumatizado com a imagem da vagina da Raquel sendo rasgada. Sentei na sala de espera e observei Joel brigar com uma máquina de conveniência porque queria algo energético e não tinha nada que tirasse seu sono. Gio sentou do meu lado e deitou a cabeça no meu ombro, o que me assustou já que não nos falávamos há muitos dias.

– Está com sono? – perguntei sem manifestar como eu estava feliz por ela fazer esse pequeno gesto que havia me acalmado instantaneamente.

– Um pouco. – ela se mexeu e levantou o celular para ver a hora. – Qual vai ser o nome dela?

– Agatha.

Gio riu e me deu o celular, estava aberto em uma foto antiga de nós dois juntos. Aquela foto ela era papel de parede. Eu devia ter uns 10 anos, ela exibia o sorriso desdentado e eu estava abraçado a ela, a foto fora cortada, mas éramos nós na melhor época memorável da nossa infância. Em outras ocasiões eu teria dito algo indelicado sobre a falta de dentes ou o cabelo bagunçado, mas decidi manter a boca fechada. Era o jeito de ela dizer "Ainda gosto de você, bobão." Eu ainda era o papel de parede do celular dela. Ainda éramos amigos.

– Gosta desse nome? – questionou.

– Ninguém me perguntou isso ainda. Mas não, eu não gostei.

– Sei que não. Lembro que você queria o nome do superman. – ela bocejou. – O nome do nosso filho de borracha era Clark e usava até um babador com esse nome.

– Minha filha não vai se chamar Clark.

– Poderia ser outra então... Lois?

Concordei e devolvi o celular.

Depois de duas horas, minha sogra saiu e disse que estavam esperando dilatar não sei o que. E depois saiu novamente dizendo que ia demorar. Um detalhe: Era claro que ela não gostava de mim.

Gio apertava minha mão sempre que eu perdia o controle e ficava agitado. Você não tem noção do desespero que eu tive. Joel desmaiou na poltrona com uma revista aberta nas coxas pouco depois disso, nem parecendo que sua afilhada podia nascer a qualquer momento..

– Quer tomar um ar? – perguntei a Gio, pois se ficasse mais um instante ali, teria expelido todo meu estômago.

Ela aceitou e ficamos no estacionamento. Ela estava com calça jeans e uma camisa larga,tipo, bem assexuada. Enquanto eu, bem despojado, usava uma bermuda estampada e camisa regata. Sentei-me na calçada e coloquei minhas mãos na cabeça, Gio apenas ficou em pé escorada na parede próxima a mim.

– Acha que vai dar certo? – perguntei. – Raquel e eu. Como um casal, pais...

– Não. – ela respondeu secamente, como se nem precisasse pensar muito.

Eu ri pela sinceridade.

– Não quero que minha filha cresça num lar desfeito. Pode confundir a cabecinha dela. – eu estava à beira de um surto.

– Meus pais se divorciaram quando eu era pequena, mas eu sou normal. Nada me afetou. – ela suspirou. – Não que você não deva tentar. Mas... É que não parece que você está perdidamente apaixonado por ela e que ela está carregando um pedacinho do amor de vocês.

–Isso não existe, Gio. Perdidamente apaixonado? Isso é coisa de filme, livro ou teatro. Eu só me descuidei. – olhei por sobre o ombro e a flagrei roendo a unha. – De hoje em diante só com camisinha.

Ela deu de ombros e continuou roendo a unha. Sem olhar nos olhos dela era fácil dizer o que vinha na minha cabeça. E tudo que era ligado a ela também vinha carregado por seu relacionamento.

– Você ainda tá com o Alexander?

Ela sorriu e negou. Ainda que não olhasse para mim, sei que ela estava feliz por conversar comigo pela primeira vez em semanas.

– Não gosto dele do jeito que ele gosta de mim. – respondeu e eu me senti ficar mais leve. – Eu achava que ele só queria ficar e tal, mas ai...

Eu ri e me levantei. A coragem de debater o assunto diluiu quando os olhos dela se cravaram em mim, e o que achei que era felicidade se desfez.

– Não ria. – ela cruzou os braços, os peitos subiram e eu tive que olhar, foi mais forte que eu. – O coitado ficou arrasado quando eu disse que éramos diferentes demais. O que é verdade. Ele nunca leu nem um livro, não gosta das mesmas músicas que eu e nem sabe o que é Star Trek. Nossas conversas eram sempre cortadas porque não compartilhamos os mesmos interesses.

Percebi que ela estava ficando triste então abri os braços dela e a aconcheguei perto de mim, os braços dela se acomodando na minha cintura. Era MARAVILHOSO abraçá-la. Eu a apertei, parecia uma almofada quente e cheirosa, como sempre pareceu.

– Eu não estou triste, Yan. – ela resmungou. – Estou com sono e frustrada por ainda ter medo de perder a virgindade.

Fui soltando-a lentamente, sem deixar transparecer minha surpresa.

–Como é? Ele pressionou você...? – meu coração já estava se debatendo em fúria protetora, mas ela negou e continuou a me abraçar.

– Eu queria, mas ele dizia que não era hora. Você acha que ele estava certo?

Certo sobre o que? Hora ou pessoa certa? Porque para ambos a MINHA RESPOSTA É NÃO. Mas é claro que fiquei calado. Nem preciso dizer que o dia passou entre êxtase e preocupação. Eu não perdia nem minha filha nem Gio de vista. Aquele assunto de ela querer perder a virgindade iria me tirar o sono, com certeza. Só não sabia por que.

Levei uma bronca enorme da minha sogra por me ausentar da sala de espera. Mas acho que foi por causa da companhia que eu tinha que ela tinha dado um surto. Raquel odiava a Gio no começo do nosso relacionamento, mas com a gravidez e tudo mais...

Ok. Continuando...

Quando eu finalmente conheci minha princesa, levei um susto. Ela estava vermelha e gritava porque aparentemente não gostava de mim. Fui salvo quando Gio pediu para segurar. Ela tinha um dom natural, pegou habilmente a Lois e sussurrou para a máquina de gritos até ela se acalmar. Ficou balançando a pequena e sorrindo enquanto falava suavemente. Fiquei encantado com aquele sorriso e a maneira como ela conduzia minha filha numa dança lenta e calma. Por um segundo, em silêncio e maravilhado de mais para me importar, desejei que ela fosse a mãe da minha filha.

Liberdade E Rendição - Crônicas Melhores Amigos.Onde histórias criam vida. Descubra agora