Décimo Primeiro - Longe Dela Eu Enlouqueço Muito Mais

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Foram seis horas horríveis, confinado em um carro com um idoso dolorido, um casal briguento e músicas terríveis tocando no rádio. Para distrair os demais, eu coloquei a cabeça entre os bancos.

– A gente já chegou?

Meu irmão riu com a piadinha referência ao filme animado. Era um fato que minha brincadeirinha era mais uma provocação que uma piada, pelo menos fez com que eles se calassem.

– Vê se cresce, Yan. – minha cunhada me empurrou para trás.

– Se eu crescer mais, não conseguiria entrar nessa lata. – resmunguei, estávamos no carro do meu irmão; Fiat Uno minúsculo vermelho velho. – Estou entediado, meu celular morreu e eu quero esticar minhas pernas.

– Falta pouco, Yan. – meu pai apertou minha mão.

O casal a nossa frente voltou a discutir e eu contei quantas veias eu conseguia ver em alto relevo nos meus braços para passar o tempo. Ao meu lado, meu pai dormiu e eu rezei baixinho para que alguém me emprestasse um celular. Chegamos quando estava amanhecendo, a casa estava com cheiro estranho de poeira e abafado. Estava trancada por meses, não me surpreendi, mas precisei de uns momentos ao lado de fora para meu nariz se acostumar.

Minha mala era praticamente o habitual. Roupas, notebook e uma peça extra que a Gio me deu na nossa despedida, ainda tinha o cheiro dela. Arrumei tudo no meu antigo quarto e deitei na cama, o celular já estava com carga suficiente para ligar e eu não aguentava mais de vontade de ouvir a voz da Gio.

– A viagem foi um saco. Eles brigaram muito, meu pai ficou dormindo e meu celular desligou. Isso é um sinal divino de que eu não devia ter saído do seu lado.

– Droga, Yan. – Gio suspirou. – Eu achei que estava acontecendo algo importante. Eu estava dormindo.

– Agora você sabe como é. – gargalhei. – Como você consegue dormir sem mim?

– Fechando os olhos. – ela riu. – Não seja egocêntrico. Eu consigo viver sem você por alguns dias.

Olhei para meu antigo quarto, eu vivia ali quando tinha menos de cinco anos, parecia um quarto de uma vida passada.

– Minha cama aqui é de solteiro.

– A minha também. Aonde você quer chegar?

– Se você morar aqui, terá que dormir comigo.

– Terei? – ela disse num riso.

– E com quem mais você dormiria? Sozinha na garagem?

– Está muito cedo para discutir, Yan. Bom dia, tchau.

– Te amo. – falei e ela desligou. – Vaca insensível.

Mas uma mensagem chegou logo depois: Eu também te amo, besta.

Durante o dia inteiro, ajudei meu pai a adaptar o quarto dele para que ele não precisasse sair. Naqueles últimos dias, ele estava ranzinza, mas tinha momentos de bondade. No entanto, não era aquele momento. Ele brigou comigo por coisas que fiz na infância como brigas na escola e ter colado chiclete no cabelo da Gio (se eu não tivesse feito isso, ela não teria me chutado a canela e eu não a teria conhecido). Dei os remédios para ele, os de dor e os calmantes. Não tinha nada para o câncer ou para o humor. Era por isso que eu tinha ido, eu era a babá do meu pai.

No fim da tarde, depois de almoçar e um banho, ajeitei a rede na varanda e deitei. O livro aberto e o celular na barriga. Giovana estava estudando para o vestibular, o que me dava um tempo para ler e abstrair a vontade louca de apenas estar com ela. Era visível minha obsessão.

Liberdade E Rendição - Crônicas Melhores Amigos.Onde histórias criam vida. Descubra agora