Quarto - A Pior Parte de Vê-la Ir

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A primeira semana foi um saco. Quero dizer, minha vida amorosa com a Raquel, que de amoroso não tinha nada. Acordávamos de madrugada por causa da adaptação da nossa filha, eu a ajudava a trocar a bebê, massageava aquelas bexigas em forma de peito e tentava levantar a moral dela de livre espontânea vontade, por que eu via como ela estava esgotada e infeliz. Ela simplesmente me afastava, me xingava e jogava na minha cara que tudo era culpa minha. A bebê era meu descuido e ela tinha ficado horrível...

Aaah. Não posso me esquecer da presença constante da melhor sogra do mundo que concordava com tudo que a filha dizia. Eu, aparentemente, não sabia fazer nada e nem me davam chance de aprender.

ISSO NA PRIMEIRA SEMANA.

Com o passar dos dias, fomos recebendo visitas. A primeira foi da família da Raquel. As primas loucas e as tias ainda mais birutas que paparicavam demais minha princesa e adoravam dar palpites onde não eram chamadas.

Estávamos morando na casa do meu pai, já que ele quase nunca estava presente. Meu quarto era agora uma mini casa. Tinha berço, um guarda-roupa extra e um estoque de frauda medonho.

Na terceira semana, depois de uma briga gostosa envolvendo palavras raivosas, recebemos meus amigos. Era, no mínimo, estranho vê-los sóbrios e tão sorridentes. Eles lotaram a sala, parecia uma festa sem música e cachaça. Já era de se esperar que Raquel surtaria com o excesso de gente que compareceu, mas eu não conseguia mais viver pisando em ovos para agradá-la. Eram meus amigos e não importa se eram cinco deles ou trinta, ela reclamaria do mesmo jeito.

Lógico que quase ninguém tocou na Lois, eu não deixei. Achava ela muito frágil para ficar passando de mão em mão... Eu também morria de ciúmes.

Foi depois do almoço, um churrasco feito às pressas no quintal, que notei com um susto que minha melhor amiga não tinha aparecido. A madrinha da minha filha.

Peguei o celular e liguei para a Gio, ela não atendeu, mas mandou mensagem:
"Estou na escola. Passo aí mais tarde."

Raciocinei em milésimo de segundo. Era tarde para ela ainda estar na escola.

Dei Lois para minha sogra e tirei minha moto da garagem, tinha meses que não andava nela, namorada grávida, coisa e tal. Dois minutos depois eu já estava no portão da escola dela. Tirei o capacete e flagrei a seguinte cena: Giovana olhando para um boa pinta engomadinho como se ele fosse um chocolate em promoção. Os olhos dela brilhavam e seu sorriso mais tosco emoldurava sua face.

Fingi não perceber isso, que ele estava com as mãos na cintura dela, que ela deixava que ele a tocasse, e peguei o celular para enviar a mensagem: "Carona?"

Ela pegou o celular no bolso e deixou que o seu "amigo" a beijasse escandalosamente antes que ela pudesse ver minha mensagem.

Minha mão doeu, quando percebi, o capacete estava machucando minha mão sem que eu percebesse, eu estava apertando a porcaria do capacete porque estava com raiva? Mandei outra mensagem: "Tem como ele ser mais atirado? Está quase te engolindo!"

Dessa vez ela viu o celular e se afastou do "amigo", procurando o remetente com uma risada. Quando me encontrou, ela acenou e pediu que esperasse.

Ela surgiu na entrada da escola com um sorriso no rosto logo depois. Meus nervos se aquietaram quando percebi que ela estava vermelha por minha causa.

– Eu estou meio enrolada num projeto. Desculpa. – ela disse e me abraçou, rindo em meu ouvido. – Sem piadas, por favor.

Olhei por cima do ombro dela e vi o "amigo" olhar para nós com uma expressão semelhante a confusão. Aproveitei a oportunidade para olhar feio para ele, pois eu queria que ele soubesse que ele estava com a língua na garganta da... Giovana. E Giovana era uma das coisas mais importantes que eu tinha.

– Está tarde para ainda estar na escola. – falei e dei o capacete para ela, mas ela não o pegou – Vamos logo, Giovana.

Ela riu e se distanciou, colocando o cabelo pouco bagunçado atrás da orelha.

– Estou ocupada, Yan. E mesmo que não fosse isso, eu não iria com você.

Suspirei. Haveria uma briga. Eu não aguentaria mais outra briga. Não com ela.

– Por que não?

– Está agindo do jeito que eu detesto. Como se fosse meu dono. "Vem, Givana", "Faz aquilo, Giovana". Sabe que eu odeio isso. Você fica explosivo, possessivo e eu não vou me curvar mais para suas necessidades. Vou ficar e... Deixar que aquele lindo rapaz me engula, se ele quiser. – ela deu de ombros.

Fiquei no limite de sacudi-la, coloquei o capacete, bufei enquanto subia na moto, mas antes que eu pudesse dar partida, ela segurou meu braço.

– Depois eu vou lá. Prometo. – ela se inclinou e me beijou. – Vê se consegue se acalmar. Tem uma ruga enorme na sua testa.

Não sei se ela foi mesmo para minha casa. Eu não voltei para lá, fui para a casa do eu irmão e fiquei lá até minha cabeça esfriar. Não estava pronto para encarar tudo ainda, tinha apenas 18 anos e tudo ficou de cabeça pra baixo do nada.

De madrugada, assim que eu guardei a moto, começou o apocalipse. Raquel esbravejou toda a raiva de ter que tomar conta dos meus amigos, da nossa filha e tudo sozinha. Deixei que ela falasse e falasse até que ela chegou no ponto em que eu esperava.

– Eu não devia ter aceitado me casar com você!

Eu estava deitado, tive que levantar, pegá-la pelos ombros e olhar nos olhos dela. Antigamente quando eu sentia tesão pela raiva, eu teria fodido com ela até o ódio sumir, e ela sabia que eu era bom em extravasar a raiva assim. Entenda, não era pelo parto ou coisa parecida, era por ela ser ela. Mal-humorada, egocêntrica, sem sentimentos.

– Não somos casados, Raquel. Temos uma filha juntos. Só isso. Você se arrepende? Por que eu não. Ela é maravilhosa. Você que estraga tudo. Se eu pudesse, te daria a liberdade que você tanto almeja. Mas adivinha? Eu não posso. Mas posso te livrar de um pouco da carga. Você pode ir embora, se quiser. Se isso for fazer vocês duas felizes. Eu amo minha filha, mas não quero que ela cresça vendo nós dois assim.

Deixei-a lá, horrorizada e peguei minha filha. Desci até a sala e fiquei no sofá enquanto observava ela dormir. Sabe-se quando Raquel iria arrumar tudo e meter o pé da minha vida, eu só queria aproveitar. Eu sabia que ela iria embora.

A resposta disso? Dois meses e meio.

Eu tinha finalmente arrumado um emprego. Estava voltando para casa quando vi o caminhão da mudança parado no meu portão. Deixei-a ir com um sorriso no rosto. Ainda a ajudei com os móveis e os pacotes de roupa.

– Adeus, Raquel. – falei com a bebê dormindo no meu colo, me despedindo.

A megera não respondeu, apenas pegou minha filha e foi embora. Minha bebê nem acordou para me ver, mas ela nem entenderia. Assim que o caminhão partiu, fui para a casa da Gio. Ela saberia me dizer o que estava rolando porque eu não sentia nada. Como se estivesse oco, como se não tivesse assimilado ainda.

Deitei na cama dela e esperei ela formular uma resposta para minha sina.

– Não deixe sua filha. – foi o que ela pediu depois de um tempo mexendo em meu cabelo. - Esqueça a Raquel, mas seja o pai da Lois.

Ficamos em silêncio até eu adormecer no colo dela. Sentia falta da minha filha e fiz a promessa de nunca ser para ela o que minha mãe foi para mim, um fantasma. Nunca abriria mão dela, por nada.

Liberdade E Rendição - Crônicas Melhores Amigos.Onde histórias criam vida. Descubra agora