Calma. Não me matem. Sei que terminar do jeito que terminou é crueldade, mas devem entender que, eu precisava fazer isso. Quais são as perguntas? Ela passou? Eu fiquei no Rio? Ficamos juntos? Fomos morar juntos? A resposta é:
Alguns anos mais tarde.
Meu carro decidiu ficar de frescura logo naquele momento. Do que adianta ter um carro novo, um Toyota caro, que me custou os olhos da cara, se ele não me ajuda num momento desses? Eu estava literalmente desesperado. Deixei uma reunião com os outros advogados bem no meio, onde eu iria apresentar minha versão da defesa num caso milionário e deixar todos com o queixo caído, mas não deu tempo. Eu tinha que correr, mesmo que isso significasse a pé.
Eram 16h, mas não tem essa de hora de pico na Av. Paulista. E eu tinha que chegar a São Miguel, e logo. O nervoso fez minha gravata me enforcar, senti meus pulmões arderem em busca de ar então arranquei meu "uniforme", gravata, terno, camisa e tentei fazer aquele bendito carro funcionar. Ele fez um barulho de tosse e roncou em seguida, ligando.
A polícia não me parou, mas com certeza iria receber várias multas daquelas absurdas. Logo eu, que sou formado em direito há dois anos e nunca infligi nenhuma lei desde então. Mas o desespero faz isso com as pessoas.
Cheguei ao hospital às 16:20h. Nem preciso dizer que estava colocando meus pulmões para fora quando entrei na recepção. Aquelas cores claras não conseguiriam me acalmar, nunca. Nem mesmo a enfermeira que pensou que eu estava enfartando.
– Está tudo bem, senhor. Respire. – ela disse me pegando pelos ombros.
–Eu estou respirando, droga! – coloquei a mão sobre o peito e recomecei. – Onde está a Giovana. – a enfermeira me encarou, ainda achando que eu estava enfartando. – Pelo amor de Deus. Onde ela está?!
Um rosto conhecido, finalmente. Marcos vinha deslizando com um fichário no braço.
–Oi, Yan. – ele me olhou dos pés a cabeça. – A Giovana?
Balancei a cabeça feito um louco.
– Giovana é sua esposa? – a enfermeira tentou perguntar calmamente.
– Do que isso importa? Eu sou o pai da criança dentro dela! – eu gritei. – Onde ela está?
Marcos apalpou meu ombro e a situação ficou horrível. Cada enfermeira que vinha para me conter me deixava ainda mais nervoso e meu escândalo chamou atenção.
– Yan. – Giovana. Ela sim tinha o poder de me controlar, estava atrás de mim, segurando a barriga enorme para frente e tencionando as sobrancelhas. – Meu Deus, que drama. Ainda chegou mais rápido que eu.
Primeiro toquei a barriga dela depois a beijei, ela estava suando e respirando fundo. Já estávamos na terceira semana nesse sufoco, alarmes falsos e dores em diversos lugares. Nenhuma massagem a ajudava, nenhum tipo de comida a satisfazia e sexo era algo inimaginável. Marcos a cumprimentou com um carinho na barriga e um sorriso.
– Vamos logo. – ela pegou minha mão e a apertou. – Acho que agora ele sai.
– Está ouvindo, campeão. – falei com a barriga dela – Vem e arregaça sua mamãe.
Marcos gargalhou. Ela me deu um tapa e seguimos o nosso amigo. Giovana andava se arrastando e segurando em mim.
– O que houve com sua roupa?
– Fiquei nervoso com ela e a arranquei. – admiti. – Estou ansioso para ele nascer logo.
– Eu também. – ela sorriu.
Peguei-a no colo e a levei até a maca. Marcos se posicionou e a examinou, sorrindo e sempre calmo, em contraste de mim. Já estávamos acostumados com essa cena, mas eu esperava que aquela fosse a última.
– É. Hoje conheceremos ele, Yan. – ele disse com um sorriso formidável. – Está coroando.
Eu quase desmaiei, parecia que a criança ia sair de mim, sério. Gio ria do meu desespero, do suor pingando e dos gemidos involuntários que eu soltava. Eu fiquei ao lado dela cada momento, ela me confortando e eu agradecendo pelo melhor presente que ela podia me dar.
– Força, Giovana. Respira e empurra. – Marcos secou o rosto e estava sério naquele momento e eu quase arrisquei um olhada, mas o grito da Gio me prendeu no lugar.
– Isso, minha cabritinha. Empurra nosso bebê. Não desista. – sussurrei no ouvido dela, beijando as têmporas suadas. Aquele apelido combinava perfeitamente com ela.
Meu Lucas nasceu gritando, como a Lois. Era vermelho e pequeno, leve como uma pluma. Mas diferente da Lois, ele parou quando veio para o meu colo e adormeceu em seguida, aninhado nos meus braços.
– Ele é lindo. – falei quando tudo ficou ameno. – Meu Deus. Estou apaixonado por um menino.
Giovana riu e gemeu. Dei o bebê para ela e a ajudei a amamentar. Eu sabia como fazer, fazia apenas sete anos que Lois também precisou disso e eu ajudei a Raquel. Gio o acariciou e o analisou, cada fisionomia e cabelinho.
– Graças a Deus ele é parecido com você. – ela disse. – É perfeito.
– Obrigado. – agradeci mais uma vez. – Eu te amo, amo, amo.
– Eu não quero passar por isso nunca mais. – ela disse.
Eu ri.
– O próximo vai ser cesária, então.
– Próximo? - ela olhou para mim.
– Quero mais seis desse, minha fofa. – beijei-a. – Sete. – beijei de novo – Oito. Nove. Um por ano.
– Tudo bem. Um time de futebol.
– Seleção brasileira com direito a reservas.
Ela riu e eu soube que dali a quatro meses ela seria minha esposa, dali a uma vida inteira ela não seria mais só a minha melhor amiga, mas também, minha eterna namorada, minha esposa e mãe dos meus filhos e eu quase explodi de felicidade.
Então, a resposta para todas as suas perguntas é sim. Eu me mataria se tivesse que deixá-la. Ela passou no vestibular com média máxima, melhor que a minha, moramos juntos, reformamos a casa dos meus avós, compramos um carro, ensinei-a a dirigir e nós ficamos juntos quase todos os dias e noite. Teve vezes que eu ia dormir no sofá porque fazia algo que a aborrecia...
FIM
***Encontre mais de Yan e Gio na Crônica "Vaca Insensível"
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Liberdade E Rendição - Crônicas Melhores Amigos.
RomanceNesta primeira crônica, veremos o Yan deixar a vida de depravação por sua melhor amiga de infância, Gio. Os dois são melhores amigos, mas há muitas diferenças, empecilhos e mal entendidos. Quem deixou quem na friendzone primeiro?