Primeiro - Quando Ela Não Estava Bem

138 11 5
                                    


– O que você quer? – a voz rouca da Gio atendeu no primeiro toque.

Tive que rir, a voz dela parecia uma lixa no viva-voz, parecia um resmungo de fumante assim que acorda.

– Bom dia para você também, fumante. Pega leve no tabaco. – larguei o celular sobre o armário e fui me vestir.

Ela tossiu e resmungou:

– Acho que eu tô doente, Yan. Meu nariz não quer funcionar, tô respirando pela boca.

Ri mais e vesti a regata já pegando os sapatos. Ela não sabia reagir a um resfriadinho, coitada.

– Isso que dá tomar açaí com sorvete todos os dias. – respondi. – Tenho que falar com você, pessoalmente. Uma coisa, tipo, mega importante. Vai sair da escola que horas?

– Yan, EU. TÔ. DOENTE! Não vou para a escola hoje. O que aconteceu?

Não respondi, o assunto ainda me dava náuseas e minhas mãos soavam, por isso eu acordei cedo e estava me arrumando para uma maratona de exercícios, para distrair minha mente.

– Yan. – Giovana chamou.

– Depois eu passo aí. – falei e peguei o celular, desligando a ligação.

Mandei uma mensagem rápida para Raquel, minha namorada na época, dando bom dia, e tal. Todo aquele fru-fru que ela amava.

Depois corri morro abaixo, cheguei na academia com o suor pingando e ofegante. Duas horas depois eu já estava exausto de tanto pegar pesos que nem ouvi o celular tocar, eram 10hrs e Raquel já tinha me ligado seis vezes. Esperei a adrenalina abaixar e liguei de volta.

– Bom dia, amor. – falei e antes que começassem com as zombações ao meu redor, me distanciei – Desculpa não ter atendido, estava no meio de uma sessão de 30 kg.

– Podemos conversar? Passa aqui em casa. – ela pediu, estava com aquele tom que ia chorar mais uma vez.

Entenda que eu tinha acabado de completar DEZOITO ANOS, não tinha paciência para esse tipo de coisa e meu dia estava sendo irritadiço.

– Depois do almoço, talvez. – respondi e acenei para meus amigos, pedindo ajuda.

– Yan! Me ajuda aqui. – Joel gritou e jogou o peso no chão, fazendo um estrondo.

– Ai, droga! JÁ VOU, Joel. – gritei e levantei os polegares – Tenho que ir, amor. Até já.

Desliguei antes que ela protestasse e voltei para o círculo perto do espelho. Tirei a camisa e olhei meu reflexo, estava quase lá, quase batendo minha meta.

– Maldito afro-descendente! – Joel me deu um soco na coxa.

– Isso é racismo, cara. – Daniel, um colega, tentou repreender.

– Ele consegue ficar monstro mais rápido, olha isso. – Joel roçou minha barriga – Tem certeza que você é hétero?

Peguei o pulso de Joel e o afastei.

– Absoluta. – sorri e sentei-me na frente deles, no chão.

Os barulhos dos metais, da música e da conversa eram tão familiares quanto minha respiração. A parede atrás de mim era completamente de espelhos, de ponta a ponta. O ambiente claro e neutro, quente e mal-cheiroso. Giovana detestava aquilo, ela dizia: "Parece o inferno. Quente, fedorento e cheio de gente exibida." Sempre dava piti.

Depois de flertar com todas aquelas garotas carentes de atenção que empinavam a bunda até a nuca para levantar 10 kg, tomei banho, vesti roupas secas e andei até a praça com meus amigos, ali sentamos e conversamos sobre aleatoriedades: os jogos do Joel, a festa que eu ia dar no dia seguinte e o resultado das provas do vestibular.

Liberdade E Rendição - Crônicas Melhores Amigos.Onde histórias criam vida. Descubra agora