Dez

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As vezes a vida toma rumos incontroláveis, não somos capazes de agir racionalmente, o destino nos carrega de forma ligeira e absurda para um lugar onde jamais imaginaríamos estar.

Eu não sou um garoto inconsequente, nunca agi sem antes traçar o rumo dos meus atos, pelo menos cinco vezes na mente. Isso vale para toda e qualquer ação que possa vir causar-me arrependimentos no futuro, como fazer uma simples pergunta sobre o dia da minha mãe, que resulta em horas de histórias entediantes e as vezes até em um capítulo da novela das oito. Mas, por alguma razão inexplicável, não tenho agido de forma coerente há duas semanas. Desde a quermesse fatídica, que acabou comigo sendo deixado em casa por Uno Salvatore e seu motorista assustador, em um carro cujo o valor não daria a venda dos meus dois rins juntos.

- Eu odeio esse lugar - bato a mão em um bolo de teia de aranha aglomerado em cima do meu ombro.

- Não é um lance secreto? O depósito do zelador é perfeito, além disso, foi aqui o nosso primeiro beijo...

- Lá vem você com esse romantismo nojento. A gente já conversou sobre isso, não somos um casal, ninguém pode saber o que fazemos na aula de educação física e não confunda isso com essas coisas de paixão, amor ou o que seja.

- Isso é tão "Cinquenta tons de cinza", só falta o contrato e o sexo selvagem.

- Vem logo me beijar e para de falar asneira, sua maluca.

Não entendeu nada do que aconteceu acima? Tudo bem, eu explico, mesmo não tendo tanta certeza se sei realmente o que está acontecendo.

Após beijar Uno Salvatore na quermesse da igreja, meu corpo simplesmente declarou-se dependente daquela diabinha de cabelo rosa. Foram horas torturantes que passei lembrando de como era boa a sensação de estar com os lábios colados aos dela e de como eu queria poder repetir aquilo um milhão de vezes. Lutei contra cada mínimo desejo, entretanto a magia negra jogada sobre mim foi tão ridiculamente forte, que simplesmente sedi à atração maligna.

Convenci a mim mesmo que aqueles encontros no depósito do zelador seriam interrompidos o mais rápido possível, era apenas um curto tempo para satisfazer o meu desejo absurdo, mas a coisa foi saindo de controle. Quando eu menos imaginava, estávamos os dois escondidos na lanchonete dos motoqueiros, na esquina da escola, combinando como seria essa relação esquisita, de mensagens de textos que sempre acabavam em pegação em alguma aula insuportável. Aquilo nunca seria um namoro, ou qualquer coisa que envolvesse sentimento, era algo totalmente casual, que provavelmente acabaria rapidamente.

Entrei no manicômio, mais conhecido como refeitório e logo localizei Young acenando para que eu fosse sentar na sua mesa, que por sinal estava incrivelmente vazia. Não havia Melanie, a namorada perfeita, as amigas puxa saco, as animadoras de torcida e nem mesmo os brutamontes mais conhecidos como jogadores de futebol. Tentei pegar algo para comer, porém a fila quilométrica convenceu-me de que valeria mais a pena passar um pouco de vergonha comendo o sanduíche de bacon, que a minha mãe enfiou dentro de uma vasilha na minha mochila.

- Até que enfim, odeio ficar sozinho - deu uma mordida no croissant, caríssimo que a cantina preparava especialmente para as estrelas do colégio. Aquilo era uma injustiça, eu também queria comer comida europeia de graça, ao invés daqueles lanches nojentos e das merendas da minha mãe, fala sério.

- Onde estão os macacos coçadores de bunda?

- O time foi dispensado da aula hoje.

- E o que você está fazendo aqui? - tirei disfarçadamente o sanduíche da mochila e escondi aquela vasilha ridícula cor de rosa, que até lembrava o cabelo cheiroso e sedoso de Uno Salvat... Deus, não permita que eu conclua esse tipo de pensamento ridículo, amém.

GAROTA ARCO-ÍRISOnde histórias criam vida. Descubra agora