Bom, no domingo não fiz nada demais, pra ser bem exata eu não fiz literalmente nada, nem saí da cama. A segunda e a terça foram normais, escola de manhã, fisioterapia à tarde e a noite decidir se eu janto com a minha família que tenta mostrar que está tudo bem, mesmo não estando, ou se fico no quarto isolada de todos, que tem sido minha rotina desde o acidente. Hoje é quarta e eu já estou na escola, pra minha alegria.
-Ju – chamou a Alice me olhando.
-Oi – falei voltando a prestar atenção na conversa.
-O que você acha melhor? – perguntou o Erik.
-Acha melhor do que? – perguntei, quanto da conversa eu não prestei atenção?
-Tá tudo bem? – perguntou a Alice – Você tá estranha.
-Tá – menti, na verdade não estava, e estar ali onde todos me consideravam anormal não ajudava – Eu só estou um pouco pensativa – acrescentei e os dois voltaram a conversar. Na hora da saída, eu fui o mais rápido que eu pude pro carro pra ir embora, eu só queria ficar em casa, na minha cama.
-Eai como foi na escola? – perguntou o Pedro no carro.
-Uma merda – falei.
-Por quê? Aconteceu alguma coisa? – perguntou.
-Desde quando precisa acontecer algo pra escola ser uma merda? – falei.
-Calma, só perguntei – falou ele.
-Esse é o problema, eu não quero responder pergunta idiota – falei ficando estressada – Na boa por que você ainda pergunta algo? Por que você finge que se importa? No final das contas você vai embora como todos os outros – acrescentei quase gritando, mas ele não respondeu, ele nem olhou pra mim, apenas continuou dirigindo como se eu nem tivesse falado nada. Quando chegamos entrei e fui direto pra cozinha.
-Filha eu acho que hoje eu vou pra fisioterapia com você – falou minha mãe.
-E quem disse que eu vou pra fisioterapia? – falei.
-Como assim quem disse? – perguntou minha mãe confusa.
-Eu não vou pra fisioterapia – falei pausadamente – Entendeu agora ou quer que eu desenhe?
-Por que você não vai? – perguntou ela.
-Porque eu não quero, porque não está ajudando em merda nenhuma, porque eu cansei de tentar fazer uma coisa que eu sei que nunca mais vou poder fazer – falei – Quer mais algum motivo?
-Mas você só está fazendo há um mês... – falou ela.
-Exatamente – falei – Um mês e nada e não adianta falar que é cedo pra desistir, porque não é você que está em uma cadeira de rodas sem poder fazer o que quer – acrescentei e minha mãe saiu da cozinha me deixando sozinha.
-Júlia o que você fez? Por que sua mãe passou chorando pela sala? – perguntou o Pedro entrando na cozinha.
-Ah ótimo, veio me dar lição de moral também? – falei irônica.
-Sua mãe tá gravida e não pode passar por nenhum estresse – falou ele.
-Vai dizer que a culpa é minha? – falei.
-Sim, a culpa é sua – falou – Uma menina fresca e mimada que não pode ver nada não sair do jeito que planejou que já sai descontando a raiva em todo mundo, que não pode ver um obstáculo que já quer desistir, você acha mesmo que se seus pais pudessem trocar de lugar com você eles não trocariam? – perguntou – Eu to aqui há um mês e não sei como ainda não desisti desse trabalho, porque aturar você não é pra qualquer um não, um dia trata todo mundo bem e no outro manda todo mundo ir se fuder, como se só você tivesse problemas né? Mas deixa eu te dizer uma coisa: o mundo não gira ao seu redor e você não é o centro de tudo, então para de agir que nem uma idiota e começa a agradecer pelo que você tem, pois muitos adorariam estar no seu lugar – falou e, pela primeira vez, eu não sabia o que responder, principalmente porque eu nem conhecia ele direito, mas tudo o que ele me disse me afetou bem mais do que eu esperava, e olha que eu já ouvi coisas piores e nem liguei, mas com ele foi diferente, por quê? Olhei-o e ele estava de costas pra mim passando a mão no cabelo e parecendo respirar fundo várias vezes antes de virar e me encarar de novo – Ju me desculpa eu não queria fazer você chorar... – começou se ajoelhando na minha frente e limpando minhas lágrimas, o que me fez sorrir, apesar das lágrimas – O que foi? – perguntou me olhando.
-Nunca vi alguém praticamente me xingar e depois me pedir desculpas tão rápido – falei e ele sorriu.
-Eu não queria ter falado isso e nem deveria ter pego tão pesado – falou.
-Queria sim – falei – Você queria me falar isso e muito mais coisas, mas ainda bem que parou por ai – acrescentei pensando no que ele gostaria de falar, mas não falou.
-Tá, talvez eu quisesse te falar isso sim, mas não desse jeito – falou.
-Relaxa – falei – Já ouvi coisas piores – acrescentei e ele sorriu.
-Então tá tudo bem? – perguntou me olhando.
-Tá, tá tudo bem – falei – Ah, se você ver minha mãe fala pra ela que eu quero conversar com ela – acrescentei e ele assentiu, em seguida fui pro meu quarto. O pior de tudo é que o Pedro tá certo, eu não deveria ter falado com a minha mãe daquele jeito, principalmente porque ela tá gravida. Enquanto eu pensava no que falar pra ela, ouvi batidas de leve na porta.
-Pode entrar – falei e minha mãe entrou, ela estava de quatro meses e a barriga já estava começando a aparecer, mas mesmo assim ela não parecia estar cansada.
-Ahm... o Pedro me falou que você queria conversar comigo – falou ela parecendo escolher bem as palavras, não a culpo, até umas horas atrás eu estava quase gritando com ela.
-E quero – falei – Mãe eu quero te pedir desculpas pela forma como eu falei com a senhora, eu não deveria ter falado nada daquilo – acrescentei abaixando a cabeça e ela sentou na cama e puxou minha cadeira pra perto.
-Filha você tem todo direito de estar cansada e chateada com o que aconteceu, mas você não pode culpar todo mundo por isso, nem todos tem a mesma paciência que eu e seu pai e nem todos vão te tratar tão bem – falou ela passando a mão pelo meu rosto – Não é fácil estar paraplégica, mas não é desistindo da fisioterapia que você vai se recuperar – acrescentou sorrindo.
-Eu sei, mas não tá sendo fácil pra mim – falei – Mas eu vou me controlar, pode deixar – acrescentei.
-Acho bom – falou ela sorrindo – Se precisar é só me chamar – acrescentou e saiu do quarto. Depois de pensar muito, eu cheguei a uma conclusão: eu não vou mais fazer fisioterapia. Eu não percebi, mas tudo o que vem acontecendo não está sendo desgastante só para mim, mas para os meus pais também, principalmente porque eu venho descontando tudo neles, mesmo sem perceber, até no Pedro eu já descontei minha raiva, não sei nem porque ele ainda está trabalhando aqui, esse dinheiro deve ser muito importante pra ele. E eu decidi que eu vou aprender a fazer as coisas com essa cadeira, começando com tentar de novo deitar na cama sem ajuda de ninguém, comecei devagar, tomando cuidado pra não cometer o mesmo erro que eu fiz da outra vez, e sim eu consegui fazer isso, tudo bem que eu deitei em uma posição péssima, mas eu fui me ajeitando até ficar em uma posição confortável, então eu dormi.
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Um amor pode mudar tudo
Teen FictionJúlia Clark vê sua vida mudar tragicamente ao ficar paraplégica, porém, como dizem, há males que vem para o bem e graças a esse acontecimento ela pode conhecer um amor que vai mudar sua vida.