Capítulo 8 - Heloise

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Existe uma verdade que ninguém diz que apesar de todos saberem que é mentira, ninguém se atreve a questionar. "Como você se sente?", uma pergunta comumente feita a todo o momento e nunca respondida com total sinceridade e nem feita com real preocupação.

Às vezes, estamos nem aí pra quem conhecemos há tanto tempo, ao mesmo tempo em que quase temos um colapso nervoso por alguém que acabamos de conhecer. Sete letras, três sílabas, uma palavra: "Empatia".

Essa capacidade de se colocar no lugar do outro, ou de até mesmo se identificar com um pouco da história de vida de outro alguém e querer ajudar por já ter passado por isso antes, é realmente fascinante e pavoroso.

- Helo, pode me ajudar aqui?

- Já estou indo Soso... Do que está rindo?

- Soso?

- Diminutivo de Sophie. Faz mais sentindo do que VIP, não acha?

- Verdade, é bem mais legal também.

Como passei grande parte de minha vida cuidando de minha avó, eu sei bem todos os cuidados que se deve ter com uma cadeirante, e como minha avó já não está neste mundo mais, resolvi me voluntariar a cuidar de Sophie.

- Helo?

- O que foi?

- Vai demorar muito? Eu já estou enrugando aqui debaixo do chuveiro! E eu também não gosto de ter que olhar pra esse meu corpo parecendo o Frankenstein!!

- Tenha calma, eu sei que você não gosta, por isso estou demorando! Estou tentando achar alguma roupa que combine com você, que te sirva, e que também tampe cada sutura.

- Eu tenho mesmo que comparecer? Eu não quero voltar naquele lugar.

Depois de três semanas na casa de Arthur, Sophie pediu para sair dar uma arejada na mente. Quando chegamos próximas ao local do acidente eu virei na esquina, porém ela quis voltar, ela queria ver o chafariz no meio da praça.

Eu fiz o que ela pediu, e chegando lá ela começou a suar frio, é inverno e ela estava agasalhada como um bebê. Então parei de caminhar e fiquei de frente pra ela.

- O que houve Sophie?

Eu perguntei umas três vezes, mas os olhos dela estavam vidrados no chafariz, alheia a tudo.

- Me tira daqui Heloise! Não quero ficar nesse lugar, tenho um pressentimento ruim.

- Já quer ir? Mas voc..

- Anda Heloise!!! Vamos logo!!!

Síndrome do pânico. Um fator que pensávamos que não iria ocorrer, mas que só se manifestou depois de tanto tempo.

Com o diagnostico comprovado ela foi obrigada a aceitar a ajuda de profissionais da psicologia, e também fomos obrigados a contar tudo o que aconteceu com ela no dia do acidente, para o tratamento ser mais eficaz.

Agora depois de alguns meses de tratamento, ela nunca mais apresentou sinais de novas crises, e como recomendação do terapeuta, iriamos mais uma vez voltar ao local do acidente. Só que não exatamente no local do acidente.

- Estamos indo em um show Soso! E o show vai ser dentro do parque.

- Mas o parque é bem em frente da praça!

- Sophie, você já superou isso não é?

- Escolha uma roupa verde, pra mim me misturar na natureza e ninguém notar a cadeirante!!

- Não muda de assunto bonitona!! – atravesso o quarto até a porta do banheiro – O que acha? – estendo um vestido de lã azul, com um cachecol e botas na cor preta.

- Eu disse que não queria nada que chamasse atenção Helo!! Você percebeu que essas botas são de salto alto?

- Não faz diferença, você não pode sair da cadeira de rodas, então não corre perigo de afundar os saltos no gramado do parque.

- Eu detesto você Heloise.

- Assim você me magoa guria.

- A traumatizada aqui sou eu e não você, então não se faça de vitima pra mim, fofa.

- Ai, essa doeu. Seu senso de humor é desumano sabia? Se continuar assim terá que voltar ao psicólogo!

Uns dos sinais dos transtornos que ela estava tendo, era o tom de brincadeira e humor que ela empregava em tudo relacionado ao que aconteceu. Ela perdeu a memória, perdeu os movimentos dos membros inferiores sem causas definidas, e mesmo assim não se cansava de fazer piadas dela mesma.

Aparentemente saudável, psiquicamente acabada.

- Olá garotas! Está um lindo dia para um festival musical no parque!

- Richard! Ela ainda está no banho! Você não pode entrar no quarto assim.

- Está bem, estou indo.

- Volta aqui! Você trouxe minhas roupas?

- Que roupas? Eu estou aqui já faz horas procurando algo pra você vestir!

- Helo? Sabemos que você não tem roupas do estilo dela.

- Ah é? E você tem por algum acaso?

- Claro que sim. Acabei de voltar da loja. Aqui está. – ele me estende duas sacolas pretas.

- Você só pode estar brincando. Jeans rasgado? Ela não vai usar isso!

- Na verdade eu adoro jeans rasgado! – Sophie grita do banheiro, e esticando o pescoço pela porta agradece a ele. – Obrigada! Eu não estava nem um pouco a fim de usar aquela ovelha azul de jeito nenhum! Sem querer ofender Helo.

- Não ofende, assim como vocês tem esse estilo só de vocês, eu tenho o meu. E sou bem resolvida!

- Ui, parece que você ofendeu a patricinha sim hein Sophie!

- Argh, complô de jeans rasgado!

- Acho melhor você ir Richard, ou ela pode ficar com vontade de agredir a gente.

- Está me expulsando?

- Ela não está, mas eu estou. Ande logo, eu preciso vestir esse jeans rasgado que vocês acham tão estiloso nela, por que temos um festival para ir, ao qual já estamos muito atrasadas.

- Nossa, eu vou voltar para as minhas pesquisas. Bom festival para vocês duas.

Saindo do quarto eu me viro para a Sophie.

- Até que esse jeans é bonito sabia.

- Jura?

- Sim, mas não irei repetir isto de novo, só pra deixar bem claro.

- Só por que eu ia gravar pra mostrar pra ele depois.

- Haha! Por isso mesmo não irei repetir. Eu já percebi que vocês estão muito amiguinhos ultimamente.

- Isso mesmo, amiguinhos. Nada demais.

- E esse sorrisinho ai?

- Nós não estamos atrasadas não dona Heloise? 

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