Capítulo 7

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Ana Letícia

Depois de dois dias inteiros de repouso voltar à rotina de trabalho é reconfortante. O pé ainda dói um pouco, mas isso é porque deveria ter ficado no mínimo duas semanas usando a bota ortopédica. Mesmo com o pé ainda a incomodar um pouco não me queixo ou fujo de qualquer função que meu chefe me passa. Acho até que faço coisas além das minhas funções.

Para compensar os dois dias em que não trabalhei cubro o turno de duas colegas no final de semana. O dinheiro que ganho de gorjetas vai direto para a caixinha das economias para a casa nova.

Já começamos a nossa busca por nosso novo lar. Ainda que o próprio Heitor Lombardo tenha nos ajudado a aumentar o tempo para desalojar o cortiço não podemos nos dar ao luxo de deixar as coisas para a última hora. Algumas famílias já se mudaram e o prédio está cada vez mais vazio.

Me dá certa tristeza em deixar o lugar onde cresci e onde tenho tantas lembranças. Mas o pior é saber que em um mês não restará mais nada do lugar e em um par de meses ele se transformará num prédio frívolo e sem qualquer valor sentimental para as pessoas que irão usufruir dele.

_ Venha até a salinha dos fundos agora, Ana Letícia. – Meu chefe chama num tom sério assim que chego para mais um turno de trabalho.

_ Sim, senhor.

Com um maneio de cabeça começo a caminhar logo depois dele. Nós atravessamos a cafeteria no mais completo silêncio. Quando chegamos a salinha ele abre a porta entrando primeiro e indo até sua mesa completamente bagunçada.

_ Feche a porta. – Pede assim que entro. – Sente-se.

_ Algo de errado, senhor? – Pergunto me acomodando na cadeira a sua frente.

_ Bem. Não parece, mas as coisas não andam nada bem. – Começa a falar entrelaçando as mãos sobre a mesa. – Manter os funcionários está cada dia mais complicado.

_ O que está tentando dizer, senhor? – Pergunto mesmo sabendo onde essa conversa está nos levando.

_ Que sinto muito, mas está despedida. – Diz sem expressar nenhuma expressão de sentimento em seu rosto.

_ O senhor não pode fazer isso comigo. – Digo sentando na ponta da cadeira para diminuir um pouco o espaço entre nós. – Eu preciso desse emprego. Por favor, reconsidere.

_ Isso é indiscutível. – Fala tão frio quanto um iceberg. – Aqui está o cheque com o seu salário do mês.

Pego o pedaço de papel e assim que meus olhos batem nele percebo que o valor é inferior ao que deveria receber.

_ Mas estão faltando minhas horas extras. – Falo balançando o cheque no ar.

_ Suas horas foram descontadas pelo tempo em que ficou sem trabalhar. – Diz como se fosse óbvio. – Agora faça o favor de se retirar. – Me aponta a porta antes de se concentrar no montante de papeis a sua frente.

Deixo a sala batendo a porta com força e sigo direto para a ala dos armários. Troco de roupa e atiro o velho uniforme em um canto qualquer da sala. Com a bolsa pendurada nos ombros deixo a cafeteria sem olhar para nada ainda absorvendo o que aquele imbecil fez comigo.

Um único pensamento me vem à cabeça. E agora, como serão as coisas daqui para frente? O dinheiro que tenho dá apenas para metade do valor que preciso pagar para a entrada da nova casa.

Sou tirada dos meus pensamentos quando meu corpo esbarra em algo sólido e que logo descubro ser um homem. Sinto um par de mãos me segurar evitando a minha queda assim que me desequilibro. Quando ergo um pouco a cabeça vejo que se trata de Heitor Lombardo.

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