Capítulo sem título 10

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O CONFLITO INTERNO


Antony dirigiu até sua casa praticamente no piloto automático, chegou quase a colidir noutro veículo no caminho por pura falta de atenção,ele mal conseguia concentrar-se na direção ou em qualquer coisa que fosse, as luzes e sons ao seu entorno eram apenas memórias distantes de uma suposta realidade em que ele existia. Chegando em casa foi direto para o chuveiro, sentia-se feliz mas ao mesmo tempo confuso.Outra vez ele fazia uma imagem negativa dele mesmo, julgando-o e condenando-o. Estava escrito e grifado em sua testa: CANALHA! Outra vez fazia mal juízo de si, martirizava-se por novamente ceder aos seus instintos mais primitivos. Estava fazendo jogo duplo, transando com Marisa e Jéssica que eram amigas, que eram suas amigas. O pior de tudo é que agora sabia que as duas poderiam estar apaixonadas por ele e na sua mente lhe vinha o pensamento de que também ele, estava apaixonado, só que pelas duas. Como aquilo era possível? Como ele poderia supor estar envolvido naquilo tudo? Será que era um capricho ou um fetiche masculino? O pior é que ele sentia no fundo do coração que não se tratava de um joguete, mas era algo que ele não sabia explicar de onde vinha. Ele apoiou as mãos sobre os azulejos a sua frente e abaixou de leve a cabeça deixando que a água fria caísse sobre sua cabeça, parte da nuca e das costas, numa tentativa de fazer com que a água levasse embora todo peso e toda impureza que lhe pesavam sobre si. A água corrente afastou por um momento todos os pensamentos ruins e mesquinhos e agora ele só conseguia se ver encantado pela doçura e pela meiguice de Marisa, com sua simplicidade e sua delicadeza. Ao mesmo tempo, encontrava-se profundamente atraído pelo jeito expansivo e provocante de Jéssica.Não que não sentisse pela outra o que sentia por uma. Era impossível não sentir desejo por Marisa, bem como era impossível não se apaixonar também pelo jeito moleca de Jéssica. Mas, cada qual com suas características que as tornavam únicas, suas individualidades que unidas, pareciam compor um ser único, completo,que o atraía e preenchia, pelo qual qualquer um ficaria perdidamente apaixonado. Suas mãos tatearam a parede, suas pernas pareceram fraquejar e a mente vagueou distante a procura de um rumo, uma decisão que pudesse sanar todo aquele conflito interno sem magoar ninguém. Tudo parecia um enigma sem solução, afinal, como ser feliz sem partir o coração de alguém a partir daquele ponto? Como ser feliz com apenas metade do seu coração?

Saiu do banho demorado, tinha a cabeça ainda a mil por hora. Parou também por um longo período diante do espelho, olhava para sua imagem refletida nele e sentia como se aquele reflexo pudesse saltar dali e lhe trazer alguma luz, uma resposta, ou pelo menos compartilhar sua angústia. De repente era como se aquele ali diante dele fosse um irmão gêmeo e não ele mesmo. Como do reflexo não lhe vinham respostas, Antony esboçou então dar um sorriso e este simples ato pareceu lhe renovar o ânimo. Afinal de contas, se fosse pensar bem,apesar de toda aquela imensa confusão de sensações, ele estava apaixonado e afortunadamente, amava e era amado, não por uma, mas por duas mulheres maravilhosas e especiais. Sim, ele flertara com ambas e se tinha que pagar agora um preço, não podia negar sua recompensa. Sentiu-se invadido por uma sensação que o fez sentir-se bem, pois como era bom jogar aquele jogo de sedução, deixar-se levar por ele, seduzir e se deixar seduzir. Em seus pensamentos imaginou novamente o gosto do beijo doce de Marisa e também da ousadia de Jéssica e neste instante, pela primeira vez passou-se pela sua cabeça:

Por que não?


Era uma ideia louca a que agora lhe vinha à mente, quase uma quimera.Todavia, naquele seu devaneio, parecia-lhe que toda sombra e toda dúvida se dissipavam como um fino nevoeiro da manhã. Se tudo corresse bem, ninguém sairia com o coração partido e eles eram sim, adultos o bastante para optarem com maturidade por aquele caminho, o caminho da felicidade plena, compartilhada. Afinal, não se dizia que o amor não pode ser egoísta? Que o amor é livre em sua essência? Ah, sim! Todos esses pensamentos combinavam com o Antony adulto, vivido, seguro de si, sedutor, aquele que prometera tomar as rédeas de sua vida e nunca mais ser um joguete, um peão nas mãos desse caprichoso indivíduo chamado destino.

Saiu do banheiro, vestiu-se sem sentir mais o mesmo peso sobre os ombros,estava mais alegre, ainda que pensativo e um tanto quanto preocupado ainda. Mas de uma hora para outra, era como se tivessem retirado um caminhão de suas costas ou simplesmente removido as pedras do seu caminho. A sensação era como se deixasse de pairar sobre ele e sua felicidade, uma sombra. Aos poucos era como se aquele pensamento ainda que incipiente fosse se materializando diante dele e aquilo foi cada vez mais parecendo sua tábua de salvação. Antony caminhou até sua cozinha, já sorria sem perceber absorto em seus pensamentos íntimos. Preparou algo rápido para comer. Durante o preparo ele olhava ao seu entorno e revivia algumas cenas e diálogos do jantar que tiveram ali a tão pouco tempo. A esta altura seu riso já era um sorriso escancarado só por lembrar-se daquela noite e a possibilidade de repetir outras tantas iguais ou melhores. Como era fantástico sentir-se assim livre e feliz, principalmente para ele que se fechara para o mundo após a dor de sua traumática separação,após aquela noite em que flagrara a esposa, sua maior paixão, com o seu vizinho e amigo, Antony achou que nunca mais seria capaz de amar outra vez, que jamais se abriria e iria expor seu coração e seus sentimentos. Apaixonar-se para era o sinônimo de se entregar, de se deixar conduzir por uma força além de si mesmo, por um instinto, um quê de irracionalidade como num transe, um cio, uma marionete e seus cordões. Aquela sensação que brotara ainda era deveras efêmera mas estava lá outra vez, batendo à porta sem parcimônia, tomando-ode assalto, sem direito a aviso prévio ou explicações, um sentimento que simplesmente estava lá e pronto.

Depois de comer Antony foi para o seu escritório, o semestre estava acabando e ele estava às voltas com as provas anteriores as provas finais. Contudo, com aquilo tudo na mente era difícil se concentrar,ele só pensava em Jéssica, em Marisa e naquela louca possibilidade que aventara para serem os três felizes. Uma pergunta não lhe saía da mente: Por que não? Sempre que ele via no meio de tudo, alguma dificuldade, algo parecia levá-lo à mesma pergunta. Eram tão amigos, Jéssica e ele tão experientes e vividos, juntos eles poderiam mostrar um mundo de possibilidades à Marisa e também uns aos outros. Antony sabia que precisava resolver logo toda aquela situação ou não conseguiria continuar sua vida normalmente. Ele acabou por deixar todos as provas que elaborava espalhadas sobre a mesa do seu escritório e foi para o quarto, sentou-se na cama e antes de se deitar, parou para ouvir as mensagens da caixa postal do celular, entre alguma coisa ou outra relacionada ao trabalho, ele logo identificou uma mensagem de Marisa.

Passei o dia todo pensando em você...em nós...mas não quis incomodá-lo. Não sei se devia ter ligado antes, por fim liguei e não consegui lhe falar. Espero que também tenha pensado em mim com carinho. Quando puder, ligue pra mim. Beijos. - Dizia ela na mensagem.


Antony ouviu o recado e aquiesceu emocionado. Fez uma breve pausa e nesse instante o rosto de Marisa lhe veio à mente, aquele sorriso miúdo e tímido que vinham quase sempre acompanhados das bochechas coradas.Já ia deixar o aparelho ao lado da cama quando este assobiou indicando que tinha uma mensagem numa rede social de troca de mensagens. Abriu e no visor uma imagem familiar apareceu diminuta na tela. Por se tratar de uma mensagem de voz, ele pressionou o botão do play e de repente a voz de Jéssica irrompeu o silêncio do quarto dizendo:

Diz aí, gostosão! Sei que me pediu um tempo, mas eu simplesmente não resisti. Espero que tenha curtido minha surpresinha, saiba que de onde veio esta pode vir ainda muito mais, só depende de você. Que trepada nós demos, hem!? Espero que role repeteco em breve. Beijos molhados nessa boquinha linda.



Antony soltou uma gargalhada ao terminar de ouvir a mensagem e enfim deixou o aparelho de lado e se deitou tentando dormir. Apesar do turbilhão de pensamentos, o cansaço falou mais alto e não tardou a pegar no sono. De certo que naquela noite ele sonhou, só não se sabe se foide olhos fechados ou abertos.

Três. Um jeito de amarOnde histórias criam vida. Descubra agora