UM CONTRATEMPO
Já no próximo fim de semana combinaram de jantarem juntos, afinal de contas, o último jantar mais formal, apesar da produção, não tinha dado muito certo e terminou por acabar nada bem, ao menos naquela noite. Antony queria um local animado que retratasse o estado de espírito do grupo e por isso, escolheu uma típica cantina italiana, daquelas com suas tradicionais toalhas em xadrez nas cores da bandeira da Itália, os garçons vestidos em trajes típicos,pessoas conversando despreocupadas, vinho servido em canecas e música italiana cantada ao vivo servindo como trilha sonora ao fundo. No segundo andar do restaurante havia uma grande e arejada varanda para quem preferisse não ficar no salão principal. Antony escolheu uma mesa por ali pois além disso, lá parecia ser um canto mais reservado onde principalmente os namorados preferiam estar, longe das vistas da maior parte dos frequentadores, ideal para se sentirem à vontade, mesmo jantando fora. A vista era uma delícia pois a cantina ficava próxima a um canal que desembocava no mar da Barra da Tijuca,num local proclamado por alguns como a veneza carioca. Dali se podia ver ao longe o fluxo de carros de uma das principais avenidas do bairro, era possível sentir um cheiro fresco da maresia e apreciar o diminuto fluxo de barcos no canal, engolidos pela escuridão de pouquíssimas luzes ao seu entorno.O vinho da casa era suave,adocicado, forte e delicioso, o cantor da noite interpretava lindamente músicas do cancioneiro italiano: Eros Ramazoti, Sergio Endrigo, Laura Pausini, etc. Quando o mesmo começou a entoar a canção Stragni amore, os três se entreolharam e não conseguiram segurar o riso.Envolvidos pelo clima, pela vinho e pela paixão foram um pouco menos discretos do que o habitual e arriscaram um breve e animado beijo triplo.
Qualé o crime em amar? O amor entre as pessoas deveria ser o que de mais belo há no relacionamento humano, o amor deveria ser leve e livre de pudores ou dedos apontados. Amar deveria ser por si só um ato de desapego e de liberdade, de si e do outro, o amor não deveria despertar o ciúme ou a inveja, apenas sorrisos e um brilho nos olhares. Todavia, nem todos compreendem que pode haver diversidade no ato de amar e que o amor não se atêm a demarcações, alcunhas ou limites pré-estabelecidos. Naquele momento, a presença deles e seu amor passou a chamar mais a atenção, os olhares enviesados se acentuaram, injúrias e palavras maldosas principiaram a serem ditas e a chegar aos seus ouvidos, ironias, despeito.Todo um gestual de balançar cabeças em sinal de negativo, em um claro sinal de reprovação à presença deles ali. Até então, tudo nítido mas muito velado, uma guerra de nervos não declarada, até que um casal que estava também ali na varanda por falta de opção no salão, bem em frente na direção da mesa deles, e que trazia consigo dois filhos pequenos, decidiu chamar o gerente do estabelecimento e fazer uma reclamação formal sobre a conduta deles três. E ficou nítido que basta uma única centelha para iniciar um grande incêndio. Após este casal reclamar, outros clientes chiaram em seguida, fazendo com que o pessoal do restaurante, mesmo a contra-gosto se visse forçado a intervir. O gerente hesitante e todo sem jeito foi até a mesa deles e lhes falou:
- Boa noite, meus amigos!Está tudo do gosto de vocês?
Os três abafaram mais uma de suas risadas compartilhadas, efusivas e cúmplices e coube a Antony responder-lhe.
- Tudo excelente! Boa comida, bom vinho e boa música. Ah, já ia esquecendo, ótima companhia. - E erguendo sua caneca para um brinde, convidou Marisa e Jéssica para juntar-se a ele no brinde e na empolgação. Elas obviamente aderiram.
O gerente olhando para os lados buscando sinais de censura continuou:
- Que bom que estão gostando, mas.... - Titubeou escolhendo bem quais seriam suas próximas palavras.
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Três. Um jeito de amar
RomancePREFÁCIO Existem limites para o ato de amar? Será possível simplesmente demarcar fronteiras em sentimentos e dizer até onde eles podem ou devem ir? Sonhar, amar, desejar, viver. Conjugamos esses verbos sob a forma de atitudes que, no fim, é que...