Capítulo 13 - Traumas (parte 1)

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No dia seguinte, logo após o café da manhã, mama praticamente expulsou Tina, Matthew e eu de casa dizendo que queria começar a preparação do bolo e que seria surpresa.

-Não faz mal. Eu vou buscar Yuri. - Disse minha irmã. - Deveria mostrar um pouco da cidade pro seu amigo, passarinho.

-Seria ótimo. - Matt concordou.

Suspirei. Caminhar por aquele lugar seria reviver momentos ruins. Traumas que eu carrego comigo até hoje e que são complicados de se lidar. Me encolhi e cruzei meus braços num abraço solitário.

-Não sei se é uma boa ideia, Tina.

-Victoria, - Tina me afastou um pouco de Matt e disse baixo - se ele é realmente seu melhor amigo precisa conhecer você por inteiro. De sonhos à traumas. De amores a ódios. Tenho certeza que ele contou muito a você quando foram pra Vegas, agora é sua vez.

-Tem razão. - Sorri fraco.

-Agora vai porque, embora a cara de confuso dele seja uma graça, ele deve estar ansioso. - Sorriu e entrou no carro. - Divirtam-se e cuidado! - Disse mais alto para que Matt também escutasse.

Quando o carro sumiu de vista, senti meu amigo se aproximar.

-Acho que temos muita história por aqui. - Sorriu doce, o que me fez espelhar o ato.

-Vamos. - Abracei seu braço e comecei a caminhar. - Tina disse que você deveria conhecer meus medos e traumas.

-Concordo com ela. - Ele me olhou sério. - Tenho que saber o que você sente também.

-Acha mesmo?

-Amizade é reciprocidade, Vicky. - Piscou.

-Tá bem. - Suspirei vencida. - Quer saber por ordem alfabética, cronológica ou por gravidade?

-Na ordem que achar melhor senhorita. - Fez uma mini reverência.

-OK, vamos. - Sorri fraco e segui caminhando com ele pelas ruas. - Mas só um aviso, eu recuso qualquer olhar de pena da tua parte.

-Agora você tá me assustando. - Replicou sincero.

-Relaxa, é só que eu odeio esse olhar de “oh meu Deus, coitadinha, vamos dar pra ela tudo o que ela quiser!”. - Fiz voz afetada fazendo-o rir. - É sério!

-Tá bom, tá bom! Sem pena. Agora vamos logo que você me deixou curioso.

-Relaxa, é só dobrar a esquina e você vai conhecer o pesadelo em forma de escola.

Ao virarmos a rua, a San Jose Primary School surgiu por entre as casas. Não era uma escola grande, mas por dentro de suas paredes de tijolos trazia pesadelos pra mim que começariam a serem revelados. Sentamos num banco na praça a frente da escola e ficamos em silencio uns instantes até Matt segurar minha mão, me dando força.

-Pode esperar o tempo que precisar. Sem pressa. - Sorriu gentil.

Respirei fundo procurando me acalmar.

-Entrei pra San Jose quando tinha 7 anos. Os primeiros passos da alfabetização eu aprendi com minha avó que era professora particular nas hora vagas. Como Tina é quatro anos mais velha que eu ela foi primeiro, obviamente, e quando eu entrei ela já estava bem mais avançada. - Parei por um segundo ao lembrar de Tina eu pequenas e um pequeno sorriso brotou em meus lábios logo desaparecendo quando continuei a falar. - Umas noites antes do início das aulas eu ouvi mama e Tina conversando. Minha irmã dizia que não sabia se era uma boa ideia que eu fosse pra essa escola. Eu sempre fui muito inocente e as crianças daí eram más. Mas mama disse que não tinha escolha, Victoria Louise Belly iria para a escola por bem ou por mal. - Minha voz embolou e eu senti minha mão gelar um pouco.

-Quer dar uma pausa? - Matthew se virou pra mim e colocou uma mecha do meu cabelo atrás da orelha.

-Não, tá tudo bem. - Engoli seco e soltei o ar de meus pulmões num sopro. - Eu era quase uma bonequinha. Aquelas garotinhas que a mãe mima e cuida como uma menina de sua boneca, sabe? Então, essa era eu. Mas ninguém mais era assim, e foi aí que começou os problemas. De começo eles apenas pegavam no meu pé, puxavam meus cabelos, derrubavam meu caderno etc. Eu chorava e dizia que iria contar pra minha mãe, e um dia eu realmente contei…

-Deixe eu adivinhar: tudo piorou, não é? - Matt sorriu compreensivo e eu concordei com um aceno de cabeça.

-Minha mãe falou com a diretora que disse que não poderia fazer nada, que era brincadeira de criança, mas que iria conversar com quem fazia isso. E ela conversou, mas eles não levaram muito a sério. - Respirei fundo.

-Eu sei que é doloroso, Vicky. Mexer com essas feridas do passado não é fácil, nunca é. Mas lembra que não vai mais acontecer, não tem como te atingir, e mesmo que tivesse eu estou aqui e não deixaria que nada te machucasse. - Ele soltou minha mão e me abraçou lateralmente fazendo-me deitar em seu ombro.

-Eu sei. Acredite está muito mais fácil ficar nessa cidade infernal com você aqui. - Vi um sorriso brotar no rosto do meu amigo. - Droga, vai ficar se achando agora que eu disse isso.

-Com certeza! - Exclamou me fazendo rir. - Gosto desse sorriso. - Disse fazendo minhas bochechas corarem.

-Enfim… - Cortei-o. - Depois da conversa da diretora com os meus bullys, eles pioraram. Começaram a me agredir fisicamente e sempre falavam “Vai contar pra mamãe, chorona?” e isso me acuava. Eu comecei a me fechar. Da menina doce e delicada eu virei uma menina quieta, arisca e esquiva, e isso fazia com que pegassem mais no meu pé. Quanto mais bullying faziam comigo, mais eu me fechava, e quanto mais eu me fechava... Bem, acho que você entendeu. Isso durou quase um ano até que um dia eu cheguei em casa com parte do meu cabelo cortado e minha mãe deu um ataque e soube de tudo o que estava acontecendo através de alguma professora.

-E enquanto a Valentina? Ela não via nada?

-Eles eram pequenos psicopatas, Matt. Não faziam nada sem a oportunidade perfeita. As poucas vezes que ela viu me protegeu, mas eu raramente via ela fora do recreio. - Expliquei. - Bem, quando minha mãe soube de tudo processou a diretora, que recebia dinheiro dos pais dos meus bullys para que os deixassem em paz. Eu e Tina fomos pra escola do bairro vizinho assim como algumas outras crianças cujos pais descobriram o que acontecia com vista grossa da diretora. Aquela bruxa!

Terminei de falar e me levantei para analisar Matt. Não tinha vestígio de pena ou coisa parecida, parecia mais compreensão e indignação.

-Diz que acabou. - Pediu

-Infelizmente não. - Disse com pesar. - Vem.

Novamente voltamos a andar pelas ruas.

Backstage | Matthew Gray Gubler (Em Revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora