XI

809 145 81
                                    

    Mary não comentou o fato de Sherlock ter ido embora, agradecendo mentalmente pelo garoto ter tomado tal atitude. Ela havia gostado dele, mas não conseguiria olhá-lo nos olhos após a revelação sobre suas roupas íntimas!
Percebeu uma certa queda de ânimo no namorado após a saída do amigo, tentando entender qual era o motivo. Pelo que conversavam ao telefone, ao longo das semanas, os dois garotos pareciam estar mais próximos e Watson adorava isso. Não deixava de contar cada detalhe para sua namorada, utilizando-a mais como melhor amiga nesses momentos.

De fato, ela também ficou fascinada pelo jovem cacheado. Ele identificou certeiramente sua ansiedade e preocupação, sendo discreto o suficiente para não dizer o motivo.
Mary estava insatisfeita com o namoro a distância, principalmente por não sentir tanto afinco por parte do loiro. Na verdade, desde que estavam juntos, em sua cidade, sentia que o namoro não era tudo o que podia ser. John a amava, com certeza, mas se tratava de um amor mais fraternal do que apaixonado. Agora, com a distância, o antes era uma suspeita se tornou uma afirmação.
Ela esperava conversar sobre esse assunto, porém, decidiu que antes iria tentar algo diferente. E essa era a razão da lingerie nova! Acreditava que talvez, o empecilho na relação dos dois, fosse o sexo e que ele seria a grande solução.

 Saindo da cafeteria, os dois passearam por alguns pontos turísticos que Mary desejou visitar. A garota estivera em Londres apenas duas outras vezes, não tendo tempo de conhecer tudo. Sua tia, que oferecia hospedagem na capital, era considerada "liberal demais" por seus pais, então, eram raras as vezes nas quais conseguia permissão para visita-la. 

Terminando o pequeno tour, aproveitaram estar próximos do apartamento de John e resolveram passar o resto da noite lá. Àquela altura, Greg já havia saído para a festa do amigo, em um bar em Notting Hill.

- Eu estou com saudades do Greg! Pensei que iria encontra-lo. – ela se jogou no sofá, deixando a bolsa na mesa de centro.
- Logo logo ele deve estar em casa. Não consegue mais ficar nas festas por muito tempo. – John se sentou no braço do sofá, perto da cabeça da namorada.
Esticou uma das mãos para acariciar seus cabelos, como sempre fazia quando estavam juntos. Esse tipo de carinho, inclusive, que fez a garota se apaixonar por ele desde a sexta série.

- John... – ela quebrou o silêncio.
- O que? – ele passou a olhá-la.
- Quer ver do que Sherlock estava falando mais cedo?
Ouvir o nome do garoto teve um efeito totalmente novo para Watson. Por algum motivo, ele se lembrou do momento que tiveram na Oxford Street e uma onda de calor passou por todo o seu corpo.

Enquanto seus pensamentos estavam perdidos, Morstan levantou-se e juntou toda a coragem possível para começar a tirar seu casaco e, em seguida, desabotoar a camisa que usava.
John fechou os olhos e lembrou com exatidão o perfume do cacheado. Quando finalmente sentiu um par de mãos em seu pescoço, não teve dúvidas e se curvou para frente, buscando os lábios da pessoa no ar.
Sua imaginação tomou conta, deixando-o se levar pela maciez da boca colada a sua. As mãos do loiro esticaram-se, em busca da cintura próxima. Ele queria mais daquele corpo, como desejara horas antes...
Abruptamente a realidade o atingiu. Aqueles lábios e aquele corpo eram de sua namorada! Era Mary ali!

O beijo parou de repente, causando confusão na garota já despida. Apenas as peças íntimas, minúsculas e vermelhas, cobriam o corpo esguio, inclinado sobre o de Watson.
- O que foi, John? – ela mantinha as mãos no pescoço do garoto, procurando nos olhos dele a razão da interrupção.
- Nada. – o olhar deve estava vago, a respiração ofegante.
- Nada? – ela se afastou, olhando-o indignada. – John, o que está acontecendo?
O garoto finalmente a fitou. Estava anestesiado, sem entender o que acabara de acontecer. Sua mente foi capaz de substituir a namorada por... seu amigo! Sherlock!
E, para piorar, ele se sentia mais satisfeito com a imaginação do que com a realidade.

 - Desculpe, Mary. Desculpe mesmo! Eu não sei o que está acontecendo comigo. – a aflição de John o fez levantar, afastando-se ao máximo da garota.
- Eu também não sei o que está acontecendo com você. Ou com nós dois. – ela passava as mãos pelos cabelos.
Ao perceber que ainda estava só de calcinha e sutiã, correu para pegar as roupas no sofá e vesti-las. Watson fitou o chão, mantendo-se em silêncio.

Era inevitável que todos os pensamentos que tivera ao longo daquelas semanas perto de Sherlock viessem de uma vez. Toda a ansiedade para encontrar o garoto, o fascínio, a vontade em agradar, a felicidade em ser bem avaliado por ele, a eletricidade a cada toque... Como ele pôde ser tão cego? Ou melhor, por que quis tanto se cegar?

 - Eu vou embora. – ela molhou os lábios, evitando o contato visual.
- Mary... – ele finalmente se aproximou dela, levando as mãos para seus braços e os alisando.
- John, por favor... – ela fechou os olhos, dando alguns passos até conseguir abraça-lo. – Podemos conversar amanhã? Agora não é o melhor momento.
Ele não disse nada, apenas concordou com a cabeça. Aquele era outro assunto que ele apenas ignorava e, aparentemente, também rondava a mente de Mary.

Como previsto, Greg chegou bem mais cedo que o previsto. Era visível que tinha bebido um pouco mais que o normal, mas nada suficiente para tirar-lhe as percepções.
Tal fato foi comprovado por ter sido capaz de identificar o primo sentado no sofá, logo que adentrou o apartamento. Os olhos vidrados em um ponto fixo do tapete indicavam que havia algum problema.

 - John? – ele disse, enquanto tirava os sapatos e deixava as chaves sobre a mesa de jantar.
- Ei, Greg! – cumprimentou sem ânimo.
- O que houve, garoto? – o grisalho se sentou ao lado do mais novo, esticando as pernas para apoia-las na mesa de centro.
- Mary veio para Londres de surpresa hoje. – ele sussurrou, sem mover os olhos de lugar.
- Ok... – Lestrade cerrou os olhos, tentando entender qual seria o problema.
- Foi bom revê-la, mas...
- Ainda não falou com ela sobre o fiasco desse namoro a distância. – o mais velho complementou, suspirando.
- Vamos conversar amanhã. Ela já percebeu. – ele deu de ombros, se acomodando no sofá e fechando os olhos.

Ficaram quietos por um tempo. Analisando melhor, o policial percebeu que tinha algo a mais incomodando o primo.
- E o que mais?
John mordeu o lábio, tentando evitar falar sobre o assunto. Ele finalmente conseguiu identificar seus sentimentos por Holmes, mas uma série de outras dúvidas e inseguranças rondavam sua mente. A principal tratava-se de sua sexualidade. Ele nunca havia se imaginado com outros garotos e não entendia como isso foi acontecer com Sherlock tão instantaneamente.
- Eu só queria saber como foi pra você... Quando descobriu que era bissexual. – ele sussurrou e agradeceu a luz fraca do abajur não exaltar a vermelhidão do rosto.

Greg respirou fundo, imaginando a confusão dentro do garoto.
- Não foi algo que eu "descobri", porque quando paro pra pensar, vejo que sempre fez parte de mim. – ele fez uma pausa, tentando ir direto a resposta pedida. – Mas eu tive a certeza quando fiquei com um cara pela primeira vez.
- Meio tarde, não é? – John riu baixinho, contagiando o mais velho.
- Concordo. – ele acenou com a cabeça. – Mas foi algo tão aleatório, eu estava bem bêbado e... Mesmo assim, foi incrível!
- E quando se apaixonou pelo Andrew? Foi o mesmo que quando se apaixonou pela Charlotte? – o loiro citou os ex relacionamentos do outro, torcendo pra que ele já houvesse superado.
- Os sentimentos eram os mesmos. Esse é o tipo de coisa que independe de gêneros, sabe? Quando você sente... Não importa mais nada. – Greg sorriu, finalmente sendo olhado por John.

O mais velho sentiu que conseguiu dar alguma luz ao primo. Quando começou a ter seus próprios questionamentos, gostaria de ter tido alguém próximo para conversar. No início, teve até receio de contar para John, sem saber a reação do garoto.
Felizmente, a família Watson já estava bem resolvida com tal assunto. Harry, a irmã mais velha de John, era assumidamente lésbica. Apesar de ter sido difícil, os pais foram aceitando e se adaptando aos poucos.
Caso John se descobrisse na mesma situação, não enfrentaria os mesmos desafios que muitos outros enfrentam ao mostrarem para mundo como realmente são. Boa parte de sua família e amigos estaria ao seu lado.

WonderwallOnde histórias criam vida. Descubra agora