Saudades e reencontros

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John

Depois de uma tarde andando de bicicleta pela cidade, voltei para casa. Não estava feliz como o comum, estava meio vazio. Fui para lá sem trilha sonora e sem companhia, sem nada. Olhei para a grama e lembrei do dia em que nós dois mandamos todos na cidade irem se foder. O que tinha acontecido com aquele tempo? Para onde se fora? Sentia a falta de chegar em casa e ver uma fita qualquer da locadora e ouvir a crítica dele depois. De entrar na sua casa no meio da noite e comer besteiras até o amanhecer, ou de rir da inocência dele. Só queria o Sherlock de volta. A Molly também.

Amarrei minha bicicleta na frente de casa e depois me joguei no sofá. Liguei no canal de notícias da cidade e fiquei paralisado. "Adolescente depressiva comete suicídio". Engoli em seco e fiquei com medo de conhecer a pessoa. Eu conhecia. Molly Hooper tinha se matado, minha melhor amiga.

Levantei-me rapidamente do sofá e comecei a me sentir tonto. Minha respiração estava rápida demais, assim como meus pensamentos. Era coisa demais para processar, então, fiz o que sempre fazia quando estava daquele jeito: Fui atrás de Sherlock. Corri até sua antiga casa, chorando, e bati na porta. Depois vi a faixa de "interditada" e me lembrei. Ele já não morava mais lá.

Fui para o meio da rua e corri para encontrar a Molly, como também fazia quando tinha preocupações. A pessoa mais doce e melhor ouvinte de todas. Corri um bloco e depois parei para respirar. Meus pensamentos clarearam um pouco e lembrei: Por causa da Molly eu estava assim. Voltei correndo para casa, enquanto a chuva batia forte em mim. Escorreguei, e lá permaneci deitado. Não tinha mais o Sherlock para abraçar ou a Molly para me escutar. Eu estava sozinho.

Três semanas depois

Lá estava eu, rumo à escola. Ou como uma pessoa muito querida costumava chamar, inferno. Não poderia haver descrição melhor. Andava na minha bicicleta novamente sem trilha sonora. Sem Highway To Hell ou Another Brick In The Wall para tornar a escola "num inferno mais legal". Mas eu já estava me acostumando àquilo. Por quase um mês as coisas estavam assim.

Entrei e fiquei parado por uns instantes, esperando a Molly nos encontrar e nos abraçar. Aí lembrei que "nós" era "eu" e que continuaria assim por um bom tempo. Algumas pessoas ou melhor, bichos, olhavam para mim. Provavelmente pensando "nossa, aquele é o menino que namorava o doido". Assim que Sherlock se internou, o boato percorreu pela cidade. Mentes pequenas vazias sempre procuram entreter-se com esse tipo de coisas, e duvido que haja outro lugar no mundo com mentes tão pequenas quanto as de Sherrinford. Era como se o vazio que os meninos tinham nas mentes sobrasse nos músculos e as meninas na maquiagem. Era detestável!

Ignorei as pessoas imbecis e entrei na sala. Em pouco tempo, seria aula de geografia, vulgo a aula mais fascinante da escola. Cinco minutos depois, o sinal tocou e a professora entrou a professora. Afrodite, seu nome. Você já pode imaginar o bullying que ela sofria. Estava preparado com meu caderno para anotar tudo, estudar, ser o melhor aluno e esquecer toda aquela merda de ensino médio. Assim que a professora abriu a boca para falar, o diretor entrou com uma aluna nova. Usava roupas largas e coloridas, tinha o cabelo bagunçado e andava meio desengonçada. Tinha um cabelo loiro curto, parecido com o meu e um sorriso enorme no rosto, algo que já não tinha mais.

— Classe, essa é a nossa nova aluna, Mary Morstan. Façam o máximo possível para que ela seja bem-vinda — disse o diretor.

Mary sorriu para mim e sentou na carteira ao meu lado. Dei um sorrisinho para não ser antipático e depois a ignorei, voltando a minha atenção para a professora. A próxima aula foi a de matemática, tediosa como sempre. Mary não estava lá. Na verdade, só a encontrei novamente no refeitório, quando ela se mostrou ser uma pessoa bastante discreta.

— John! John Watson — gritou ela. — Esse é o seu nome, não é?

— É sim, mas por que estava me chamando?

— Você foi a única pessoa que não foi grossa comigo hoje, então eu queria saber se poderia almoçar com você hoje — disse tímida.

— Ah... Claro. Fique à vontade.

Ela sorriu e se sentou à mesa, onde rapidamente falou:

— Então... Você é gay, né?

— Como? — perguntei, em choque.

— Uma daquelas meninas me falou — disse ela apontando para o grupo das populares. — Você é gay ou não?

— Acho que sim...

— Ah! Você também está se decidindo? Eu estou assim. Tipo, eu acho que sou hetero, mas às vezes eu tenho uns pensamentos tão gays que chega fico animada.

— Essa menina tem botão mudo? — pensei.

— Não precisa se sentir mal por ser gay. Isso não é problema algum, ok?

— Eu sei disso — cortei.

Ela ficou quieta depois disso e almoçou em silêncio. Comecei a me sentir culpado e já ia me desculpar, mas aí Phillip Anderson apareceu.

— O fresquinho está solitário hoje, pessoal! O que foi que aconteceu com seu namorado? Ficou dodói da cabeça e se internou?

Levantei da cadeira, pronto para bater nele e depois ele continuou:

— Calminha, não precisa se irritar! — disse levantando as mãos. — Quer dizer, ele já se irritou demais por você, não foi? É, eu sei da história toda.

— Você não sabe de nada!

— Não? Então, Sherlock não matou o próprio pai depois de ele ter visto vocês dois fazendo sexo?

Sem pensar duas vezes, soquei seu rosto com força. Recuei, e ele deu um passo à frente para bater em mim. Antes que o fizesse, Mary apareceu por trás dele, tocou nas suas costas, fazendo-o virar para trás, e depois socou seu rosto também. Ele avançou para fazer o mesmo nela e ela disse:

— Vai bater em mim? Numa garota? É tão covarde assim? Pensando bem, não é covardia quando uma garota bate em outra, não é?

Anderson olhou abismado para nós dois e depois se retirou em derrota. Mary pegou minha mão e viu que estava sangrando por causa do soco. Ela segurou meu braço e me guiou ao banheiro masculino para lavar minha mão. Os garotos que estavam lá olhavam para ela com expressões confusas e ela simplesmente perguntava se eles nunca tinham visto uma garota antes. Ela limpou minha mão e depois colocou um band-aid que tirou da bolsa.

— Obrigado por me defender, Mary, mas realmente não precisava — falei.

— Você não teria se defendido deles sozinho.

— Está duvidando da minha masculinidade?

— Você tem alguma?

Olhei para ela e ri. Era verdade, não tinha nenhuma. Não estava me sentindo corajoso para sair de lá, nem ela. Só nos mexemos quando ouvimos o sinal tocar.

— Ei, John, você quer realmente assistir as aulas agora? — perguntou.

— Não, na verdade. Mas tenho que ir, por quê?

— É que eu tava pensando em tirar o resto do dia de folga.

— Matar aula?

— Não se faça de santinho, John. Você tem cara de quem já fez coisa pior.

Respirei fundo e depois disso falei:

— Tá, eu topo.

Ela deu um pulinho de alegria e beijou minha bochecha. Verificamos se não havia ninguém nos corredores, e para nossa sorte estava vazio. Já estávamos quase na porta, quando ela derrubou sua carteira e ouvi a porta da frente se abrir. Nervoso, abaixei-me para pegar e na frente me deparei com dois pares de botas pretas estilo punk. Peguei a carteira, levantei, e quando olhei para frente, lá estava Sherlock e um outro garoto. O menino se vestia normalmente, mas Sherlock estava todo de preto e com uma jaqueta de couro. De braços cruzados e olhando para mim com uma expressão de riso.

— Olha quem tá brincando de ser hétero — falou Sherlock.

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