Capítulo 15

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Caminhando pelos jardins, notei pela primeira vez quão belo é este lugar. Me mantive tanto tempo prisioneira da minha própria cabeça, que nunca me dei ao trabalho de observar a minha volta.
  O gramado era enorme, tão verde e brilhante que eu podia deitar no chão. Os canteiros de flores tão belas, coloridas e perfumadas. A casa se erguia imponente, com suas inúmeras janelas de vidro, seu belo formato e pintura recente. Alguns passarinhos cantarolavam em uma árvore ali perto, a qual estava começando a ficar com as folhas alaranjadas. O primeiro sinal visível nesse lugar belíssimo que o outono se aproxima.
  Eu estava de costas para a casa, mas pude ouvir passos se aproximando. Botas esmagavam a grama de forma rude.
- não podemos controlar o tempo!-falei pensativa.
  Eu não me dei ao trabalho de olhar quem era, porque no fundo, eu sei de quem se trata.
  Continuei observando a árvore com suas folhas alaranjadas, uma delas mais que as outras se desprendeu e começou uma dança dramática enquanto caía no chão. A primeira a cair.
- é engraçado, a natureza sempre sabe a hora certa para tudo. É um sinal. O tempo nunca para, e as estações estão mudando e nos lembrando constantemente disso. Estamos envelhecendo, isso é um fato!
  Suspirei abaixando a cabeça.
- dizem que o tempo é o melhor remédio, a cura de todas as dores e sofrimentos!-disse Ian atrás de mim.
- mas quanto maior a ferida, a dor e o sofrimento, mais longo é o processo de cura!-completei a frase dele.
- você fala como se entendesse!-disse ele sorrindo.
- uma vez eu fiquei presa dentro de um guarda-roupas por um dia inteiro sem comida ou água. Meu pai era contra me bater para não marcar a pele de sua mercadoria mais preciosa, mas ele possuía outros métodos bem eficazes para me educar.
  Cansada de ficar em pé, me sentei na grama verde. O olhar de Ian era de desgosto, mas não me importei. Mas me surprendi quando ele sentou no chão ao meu lado.
- quando se é preso, perdemos a noção do tempo. Me pareceu que foram dias trancada naquele lugar escuro e apertado. Mas foi pouco mais de doze horas. Foi uma pequena demonstração do que é perder algo que gostamos muito, a liberdade. Descobri que enquanto eu estava presa, minha família abriu uma caixa de chocolates e eu fiquei sem.
  Eu ria da lembrança boba que retornou a minha mente, e ria principalmente de eu estar contando isso para Ian.
- chorei muito, queria que o tempo voltasse pra eu não ter enfurecido meu pai, ter perdido a minha liberdade e os bombons. Pode parecer tolice, mas quando se é criança as coisas tem significados diferentes. Bom, no fim eu estava furiosa com meu pai por ter me privado de uma coisa que eu gostava muito, chocolate era muito raro, só em ocasiões especiais. Eu não queria perdoar meu pai, mas minha mãe me convenceu, ela disse que era melhor assim, que meu pai só estava me educando e chocolate me deixaria mais gorda. Perdoei meu pai.
   Fiquei um tempo em silêncio e disse finalmente:
- Moral da história: não sei se posso perdoar ele agora!
   Ian não falou nada, apenas me escutou enquanto eu divagava sobre meu passado. Eu tenho andado tão deprimida, que só tenho pensado nas lembranças ruins que tenho de meu pai. Pensando bem, ele sempre me tratou assim, eu nunca percebi que não passava de uma moeda de troca.
- eu sempre me julguei muito inteligente, afinal eu sei ler. Mas na verdade, não sou nem um pouco inteligente. Nunca percebi que sempre fui tratada como mercadoria, fui gerada e criada para ser a mulher que iria unificar os negócios das famílias. Fui uma tola. Ele tirou tudo de mim, até meu amor por ele.
- você não é a única que tem problemas com seu pai!-disse Ian pensativo.
  Encarei ele esperando que me contasse alguma coisa, afinal eu abri parte do meu passado para ele. Mas só recebi seu silêncio por um longo tempo.
- você deveria sair desse sol. Vai queimar sua pele. Não deveria nem está nesse chão imundo! -disse Ian franzindo a testa.
- lá vem você com seus comentários. Sabe que não pode mandar em mim. Não sabe?-perguntei o encarando.
- jamais ousaria tentar Senhorita. Seu tapa é muito doloroso! -disse ele sorrindo.
- não me sinto bem dentro de casa. Estou sufocando.
- a presença de Pietra te incomoda tanto assim?-perguntou ele.
- vai defender ela novamente? -perguntei irritada.
- não! -disse ele surpreso.- quanto a isso...
  Encarei ele esperando que prosseguisse.
- Eu gostaria de me desculpar Senhorita Helena. Meus atos foram imperdoáveis.
  Fiquei olhando para ele deconfiada.
- que foi?-perguntou ele notando meu olhar.
- você não é o tipo de homem que se descupa. O que não está me contando? -perguntei.
- bem, eu... Isso pode soar estranho, mas... Percebi que ela não presta. Não é uma boa pessoa, nem será uma boa esposa para Dorian.
- e como exatamente chegou a esta conclusão?-perguntei curiosa.
- ela tentou me beijar noite passada! -confessou ele ficando vermelho.
- COMO ASSIM?-gritei.
  Essa vaca, ela está tentando me irritar.
- não grite Senhorita. É deselegante. - irritou-se Ian.
- não to nem aí! Veja o que falei, ela é uma oportunista. Ela está fazendo de tudo pra tornar nossa convivência nessa casa uma competição. E ela joga sujo!-falei furiosa.
  Levantei e comecei a caminhar de um lado para o outro.
- ela quer me irritar! Está tentando me fazer reagir para me acusar. Ela está jogando comigo. Mas eu vou dar o troco naquela inútil!
- você está com ciúmes? -perguntou Ian franzindo a testa.
  Parei imediatamente onde estava. Ele não sugeriu o que eu acho que ouvi.
- Ciúmes?  Eu?-perguntei nervosa.
  Comecei a rir enquanto olhava para ele.
- não me faça rir Senhor Seymour. Por que eu sentiria ciúmes do Senhor se não sinto nada por você?
- talvez porque sou seu noivo! - disse ele sorrindo.
- não teste minha paciência Ian. Não estou com ciúmes de você. Nem tenho motivos para tal. E o Senhor devia se dar menos importância.
- não é da minha natureza! -disse ele.
- deixa ela achar que me atingiu. Pelo menos serviu para você abrir os olhos! -falei brava.
- detesto admitir isso mas... você tinha razão.
- eu sempre tenho razão! -falei com superioridade.
- cadê a Senhorita frágil de minutos atrás? -perguntou ele.
- São duas faces da mesma moeda. Uma moeda bem rara por sinal.- falei sorrindo.
- é, uma moeda bem pequena! -disse ele.
- o que está insinuando? -perguntei irritada.
- que você é bem baixinha! -disse ele sorrindo.
- seu...
- olha os modos Senhorita, ou vai se comportar como uma mula dando patadas?
-eu já perdi muito do meu tempo aqui com você! Tenho estratégias a planejar e uma guerra há vencer!-falei sorrindo amplamente.
- essa é a Senhorita Helena que eu me recordo!
-se é guerra que ela quer, é guerra que ela vai ter. E minhas batalhas não são tão justas. - comentei sorrindo diabólica.
- o  que está te motivando senhorita? Seria ciúmes? -perguntou ele cruzando os braços em minha frente e sorrindo.
- tédio, raiva, ódio... Pode chamar como quiser, mas o Senhor e seu "ciúme" nada tem haver com isso. Isso é coisa antiga. Vou acabar com ela.
- ainda acho que está assim porque ela tentou me beijar! -disse ele sorrindo.
- Pense o  que quiser!-falei.- Nada posso fazer se gosta de se iludir.
   Caminhando rapidamente, entrei na casa e deixei Ian lá fora me encarando.
- Ciúmes! Logo eu. Esse idiota se dá muita importância! -falei irritada enquanto caminhava até meu quarto.

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