Mesmo depois de uma semana, minha mãe ainda sofria a morte de meu pai. Ela o amava de verdade.
Ian se empenhou bastante em resolver os problemas de nossa família. Negociou os prazos das dívidas, negociou os prazos das entregas de vinho e pagou as nossas dívidas.
Nossa casa estava finalmente entrando nos eixos, sem dívidas, sem preocupações e sem comida.
Fiquei extremamente irritada ao descobrir que ninguém se lembrou de fazer compras. Como Louise estava sobrevivendo? Por isso estava tão magra!
- mamãe? Deseja algo especial? -perguntei pegando a cesta na cozinha.
- se encontrar pão de mel, compre para Louise! -disse mamãe da sala onde tricotava.
- para mim? Eu detesto pão de mel! -disse Louise confusa.
Mamãe sorriu de canto e disse:
- me pegou! É para mim!
Sorri pra ela enquanto ia até a porta.
- onde está Ian? -perguntei sentindo a ausência dele.
- Ele saiu já faz algum tempo! -disse mamãe.
- Lou, quer vir comigo?
- odeio fazer compras! -disse ela.
- mas você precisa fazer. Quando for casada, vai ter que fazer as compras da sua casa! -falei.
- tudo bem! -resmungou ela.
Eu e Louise fomos para a rua do comércio, um lugar abarrotado de barracas com as mais diversas coisas, cheiros deliciosos, iguarias saborosas e muita, mas muita gente.
Quando eu era criança, gostava de vir com minha mãe e observar as pessoas em seus afazeres diários, cada uma com um comportamento diferente, mas todas com um sorriso no rosto. Bom, todas menos o Senhor Belckior, o peixeiro. Ele era velho e ranzinza desde que me entendo por gente, hoje ele deve estar beirando uns cem anos e continua com aquela cara de quem chupou limão. Sempre tive medo dele, mas depois aprendi que não deveria temer um velhinho com um peixe nas mãos. Apesar de não ter mais medo, eu usava ele pra assustar Louise quando ela estava fazendo birra.
- OLHA! -gritou Louise puxando a manga do meu vestido.
- o que foi? -perguntei distraída.
Ela apontou para uma aglomeração de crianças que brincavam em volta da fonte.
- é a Heather! -disse Louise.
- a filha do pastor? -perguntei.
- Sim. E o Jasper também! -disse ela.
Heather era filha do pastor da vila e o Jasper era filho do padeiro, ambos crianças educadas e de boas famílias.
- quer ir brincar com eles? -perguntei.
Ela me olhou com seu olhinhos brilhantes.
- posso?
- com duas condições! -falei.
- quais?
- primeira e mais importante, não saía da fonte. Tem muita gente no mercado hoje e não quero que se perca. Me espere até eu voltar!
- tudo bem. E a segunda?
- me dá um beijo! -falei rindo.
Me abaixei para ficar da sua altura, então ela abraçou meu pescoço e beijou minha bochecha.
- CUIDADO! -gritei enquanto ela corria em direção às crianças.
Sorri ao ver como ela sorria para o Jasper. Acho que ela já encontrou um pretendente.
- você leva jeito com crianças! -disse uma voz inconfundível atrás de mim.
Me virei lentamente e vi Ian parado, com um sorriso tímido e as mãos nos bolsos.
- eu praticamente criei ela! -falei sorrindo.
Ian começou a caminhar ao meu lado e retirou a cesta de minhas mãos.
- ajuda? -perguntou ele quando o encarei com uma sobrancelha erguida.
Sorri e continuei andando juntamente dele. Confesso que era bom sentir ele tão perto. Esses últimos dias nos reaproximamos, não com segundas intenções, mas como amigos. Deixamos nossas diferenças de lado e nossos problemas pra trás. Aqui éramos apenas dois amigos.
- como está se sentindo? -perguntou ele.
- estou bem, mas com saudades é claro...
- a saudade nunca vai embora! -disse ele pensativo.
- é, eu sei!
Com Ian ao meu lado, economizei uma boa quantia. Ele era um excelente negociante e isso eu tinha que admitir.
Nossas compras não demoraram tanto, logo estávamos com a cesta cheia de verduras, legumes, peixes, carnes, frutas e pães.
- está sendo ótimo passar um tempo aqui! -disse Ian sorrindo.
- fico feliz em saber!
- gosto muito de Louise. Ela me faz sentir algo especial. Como se fosse um calor no coração! -explicou ele.
- amor? -arrisquei.
- Sim! Ela me lembra muito de Anthony... De um jeito diferente claro, mas é bom. Me sinto feliz!-disse ele sorrindo.
- Louise é especial, assim como Joseph.
- Sim. Todos vocês são especiais.
Encarei Ian por alguns segundos enquanto tentava desvendar suas palavras.
Para o bem da minha sanidade, resolvi deixar o assunto pra lá e ir buscar Louise.
- vamos pra casa! -falei andando.
Fui até a fonte onde tinha deixado Louise brincando. Eram tantas crianças juntas que eu mal podia encontrar minha irmã no meio delas.
Meu corpo começou a tremer quando eu realmente não estava encontrando nenhuma garotinha loira com laço vermelho na cabeça.
Comecei a sentir frio, e olhar para todos os lados desesperada.
- LOUISE! -gritei.
Corri até as crianças e nada de encontrar minha irmã. Os filhos do pastor e do padeiro disseram que Louise saiu com um homem.
Perdi o chão.
Lágrimas escorreram e meu corpo começou a tremer mais ainda. Eu não devia ter deixado ela sozinha.
- HELENA! -chamou Ian me trazendo de volta a realidade.
- Ian, ela desapareceu! -falei desesperada.
- como assim? Ninguém desaparece do nada. O que as outras crianças disseram? -perguntou ele com dor no olhar.
- que ela saiu com um homem! -falei chorando.
A cor de Ian mudou para um branco muito pálido, seus olhos faiscaram e seus punhos se fecharam com força.
- e agora Ian? O que vou fazer? O que vou dizer a minha mãe? -perguntei desesperada.
Eu e Ian nos encaramos por breves segundos, então ele abriu a boca para dizer alguma coisa, mas não foi a sua voz que eu ouvi.
- LENA! -exclamou Louise.
Me virei de pressa e vi Louise correndo para mim.
Me abaixei e a abracei chorando.
- Ah, graças a Deus você está bem! -falei.
- por que está chorando? -perguntou ela confusa.
- onde você tava Louise? -perguntou Ian com a voz falhando.
- eu estava comendo caramelo! -disse ela simplesmente.
- eu disse pra você não sair daqui! Poxa Louise, por que fez isso? Com quem você estava? As crianças disseram que você saiu com um homem! Tem noção do quanto eu fiquei preocupada?
- Desculpa. O tio Enzo disse que não tinha problemas! -disse ela chateada.
- Quem é tio Enzo? -perguntou Ian sério.
- Eu! -disse uma pessoa aparecendo atrás de Louise.
- Eu não acredito! Lorenzo! -falei com ódio.
- viu? Você conhece ele! -disse Louise.
- você quase nos matou de susto Louise! -disse Ian meio bravo.
- pode ter certeza do castigo quando chegar em casa! -falei irritada.
-não seja dramática Helena, levei a menina pra comer um doce! Só isso! -disse Lorenzo.
- Só isso? Você tem noção do quanto ficamos preocupados? Ela é uma criança! -disse Ian irritado.
- Ah, vocês são tão chatos! -disse Lorenzo com as mãos nos bolsos.
Não vi o momento exato que Ian socou a cara de Lorenzo, mas vi o sangue em sua boca e só com segui pensar: bem feito.
- Como ousa? -perguntou Lorenzo com os olhos injetados de fúria.
- basta! Não aguento mais! Vamos embora! -falei agarrando a mão de Louise que estava paralisada.
- Isso não acaba aqui! -disse Ian.
- vamos Ian, ainda tenho que fazer o almoço! -falei.
- vem almoçar na nossa casa! A comida de Helena é deliciosa! -disse Louise de repente.
Soltei a mão dela como se tivesse um bicho ali.
- não! Não é bem vindo! -falei aterrorizada.
- o convite foi feito por Louise, e creio que ela ficará muito decepcionada se eu recusar. Não é Lou? -perguntou Lorenzo com a voz mais doce do mundo.
- é!
Olhei furiosa para Louise e sem dizer nenhuma palavra a mais, arrastei ela pela rua seguida por um Ian muito irritado.
- ESPEREM POR MIM! -gritou Lorenzo.
O caminho até em casa foi atormentado por gracinhas vindas de Lorenzo, o que deixava Ian bastante incomodado, mas Louise parecia gostar muito dele.
- Louise, desde quando você conhece o Lorenzo? -perguntou Ian.
- faz um tempinho! Ele veio aqui uma vez pedir a mão de Helena em casamento, mas papai disse que ela já estava comprometida. Então ele disse pro papai que Helena estava infeliz e que voltaria pra casa mais cedo ou mais tarde e se casaria com ele!-contou Louise.
- como sabe disso? -perguntou Lorenzo constrangido.
- ouvi atrás da porta! -confessou Louise.
Lorenzo sorriu e afagou os cabelos dela.
- menina esperta! -disse ele.
- Louise, é muito feio ouvir a conversa dos outros! -falei brava.
- eu sei... - disse ela baixinho.
- Ah, não seja tão cruel Helena! -disse Lorenzo.
- Louise precisa de limites e educação, como todas as crianças. Mas pelo visto você nunca recebeu isso! -falei irritada entrando em casa.
Mamãe ficou radiante com a visita de Lorenzo e Ian parecia cada vez mais incomodado, estava inquieto e deslocado.
Fui preparar o almoço já que não teria outro jeito, afinal não podemos todos passar fome.
Em silêncio comecei a preparar tudo, até que em certo momento comecei a cantarolar sem perceber.
- voz bonita! -disse Ian me assustando.
Sem querer a faca escapou de minha mão e cortou meu dedo indicador.
- AH! -exclamei de dor.
Ian arregalou os olhos e veio a passos largos até mim.
- deixa eu vê isso! -disse ele pegando minha mão e examinando o corte.
Seu toque era cauteloso, estava com medo de me machucar. Mas sua mão era quente e causava um formigamento onde tocava, me fazendo esquecer a dor.
- sinto muito por isso! -disse ele chateado.
- não tem problemas! Acontece sempre. Principalmente quando estou distraída e com uma faca na mão! -expliquei.
- foi superficial! Está doendo? -perguntou ele me olhando nos olhos.
- não... -sussurrei.
Pra minha surpresa, Ian beijou minha mão e disse suavemente:
- vai melhorar!
Eu não sabia o que responder, apenas fiquei ali olhando para ele como se fosse a primeira vez, admirando sua beleza e deixando livre minha imaginação.
Sem que eu percebesse, estava olhando para a boca dele. Uma boca rosada e macia, completamente...
- se quer me beijar, faça logo! - disse Ian baixo.
- você sabe bem estragar as coisas! -falei de mau humor me afastando dele.
Ele não se deu por vencido e me puxou pelo braço, me prendendo contra a parede.
Seus olhos estavam em minha boca, e pude perceber a fome em seu olhar azul acinzentado.
- se você não faz, faço eu! -disse ele me beijando.
Ian nunca havia me beijado desse jeito. Era feroz, faminto e quente. Seu corpo estava pressionado contra o meu e suas mãos estavam apertando minha cintura. Abri a boca e sua língua me invadiu, quente e necessitada. Era como se estivéssemos ficando sem tempo e ele estava determinado a mudar isso.
Eu confesso que estava gostando disso e por mais que eu soubesse que era errado, eu não queria parar. Estava determinada a deixar aquele sentimento fluir, mesmo que por poucos minutos, quero aproveitar o tempo que me resta.
Com um movimento brusco, saí da parede e coloquei Ian em meu lugar, me pressionando contra ele, com as mãos em seu rosto puxando ele pra mim, dominando o beijo. Era a primeira vez que eu tomava essa iniciativa de guiar ele, como se eu soubesse perfeitamente o que estava fazendo. Mas beijar Ian é como estar em queda livre, não tem nada que te faça parar até a inevitável colisão contra o solo, quando estamos sem ar.
Nos afastamos um pouco para pegar ar e vi os lábios de Ian vermelhos e úmidos, o que me deu mais vontade de beijar ele.
- você é um idiota! -falei com a respiração entrecortada.
- e você uma cabeça dura! -respondeu ele arfante.
Suas mãos afastaram meus cabelos do pescoço, onde ele plantou um beijo molhado me fazendo ter arrepios.
- não devíamos fazer isso! -falei distraída com sua boca em mim.
- não devíamos fazer um monte de coisas! -disse ele dando outro beijo, mas dessa vez abaixo da orelha.
- e por que mesmo estamos fazendo isso? -perguntei um tanto confusa.
- porque estamos com vontade! -sussurrou ele em meu ouvido.
Sorri enquanto ele brincava com o lóbulo da minha orelha e sussurrava em meu ouvido:
- se você soubesse o que eu quero fazer com você agora...
Senti um calor percorrer meu corpo me fazendo suspirar.
- o quê? -perguntei sem nenhum pudor.
- Ah Helena, não me tente... - disse ele com uma risada rouca.
- não estou fazendo nada! -falei encostando meu nariz no dele.
- exatamente! Você não faz nada, e isso me deixa louco. Imagina se fizesse...
Ele me puxou com força contra si me assustando e me fazendo soltar uma risadinha.
- tenho sonhado com você todas as noites! -sussurrou ele em meu ouvido.
- sonhos bons? -perguntei.
- deliciosos! -disse ele me beijando.
Correspondi ao seu beijo lascivo da melhor maneira que pude sem que minhas pernas desabassem de tão trêmulas.
- O que vocês estão fazendo? -perguntou uma voz.
Me afastei de Ian instantaneamente e vi Louise parada na porta com um olhar confuso.
- Ah... Nada... -disse Ian.
- não pareceu nada! -respondeu ela.
- sabe o que foi Lou, caiu alguma coisa no meu olho e Ian estava me ajudando a tirar! -falei meio confusa.
Louise me encarou por um momento sem acreditar, mas logo deu de ombros e disse:
- mamãe mandou eu vir buscar o uísque do papai!
- está na prateleira de cima!-falei pra Ian apontando um lugar acima da cabeça dele.
Ian estava distraído e pareceu não entender que era com ele.
- IAN! -chamei.
- Oi!- disse ele assustado.
- o uísque! Na prateleira de cima! -falei.
Ele pegou a garrafa e entregou a Louise que desapareceu.
Logo depois Ian me agarrou novamente.
- o que está fazendo? -perguntei irritada.
- continuando o que comecei! -disse ele.
- não! Isso não vai acontecer de novo! -falei me afastando.
- por que não? -perguntou ele confuso.
- porque meu noivo é Dorian.
- você não pareceu se lembrar disso alguns segundos atrás! -disse ele indiferente.
- foi só uma recaída!
- sou um tipo de vício? -perguntou ele mau humorado.
- é sim! Um dos piores! Um que estou abandonando para sempre! -falei dando as costas a ele.
Ele ficou em silêncio. Pude sentir sua fúria se espalhando pela pequena cozinha.
- o que está esperando? Saia da minha cozinha! -falei sem olhar pra ele.
Segundos depois, ouvi a porta da frente bater com força.
Lágrimas escorreram involuntariamente. Eu não podia mudar o fato de que meu coração é dele, mas que isso não é o suficiente para um final feliz.
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Casamento Arranjado [Completo]
Ficción históricaEla sempre sonhou em casar por amor, mas ao descobrir que foi prometida em casamento para unificar os negócios das famílias mais poderosas de Londres, fez seus sonhos ruirem e se tornarem seu pior pesadelo, fazendo com que ela acredite que o amor é...